Sinergias Nº18
Setembro, 2025
Democracy(s): Transforming oppressive power paradigms through Education for Development II
A palavra Democracia, que sustenta os nossos discursos e os nossos horizontes coletivos, deriva do grego antigo, sendo constituída pelos vocábulos: dēmos (povo) e krátos (poder).
Estimado(a) leitor(a), por favor, resista ao impulso de avançar já para a próxima página, ao enveredarmos por clarificações etimológicas que, à primeira vista, poderão parecer longínquas do propósito que nos reúne nestes Diálogos Educativos Para a Transformação social.
Antes, pelo contrário, recuperar a origem de certos conceitos permite-nos aclarar os seus sentidos e significados primordiais, sobretudo tendo em vista que estes envolvem princípios e valores nos quais ancoramos as nossas visões e que norteiam as nossas ações. Ter-se-á deixado cativar, até ao momento, pelo fio destas reflexões, caro(a) leitor(a)?
Observemos: se o conceito de dēmokratía (democracia) significa, literalmente, o poder do povo ou da população, não podemos deixar de reconhecer, na sua estrutura morfológica, uma semelhança com outro termo, também oriundo da língua de Platão e Aristóteles. Referimo-nos a aristokratía (aristocracia), que implica “o poder dos melhores ou das elites”. Neste contexto, trata-se de um poder de uns sobre todos ou de poucos sobre muitos.
Séculos e séculos mais tarde, a democracia continua a ser palco de tensões entre essas forças dicotómicas e antagónicas de poder e de governança. Frequentemente, é proclamada como mote para inflamar dinâmicas e mecanismos antidemocráticos, discriminatórios e opressivos, que em tudo são a antítese do que uma vivência democrática, no seu verdadeiro âmago, deveria refletir.
Com estas inquietações, movemo-nos, inquestionavelmente, junto das fronteiras da Educação para o Desenvolvimento e Cidadania Global, que se posiciona como um caminho para o fortalecimento dos princípios de cidadania democrática, de equidade, de justiça social e de direitos humanos.
Assumindo que a Democracia, para ser digna da sua própria raiz epistemológica, só poderá respirar e sobreviver através da sua contínua e ativa (re)discussão crítica e (re)inscrição nos tempos desafiantes que atravessamos, convidamo-lo(a) caríssimo(a) leitor(a), a envolver-se connosco, uma vez mais, na temática que estruturou o número anterior: Democracia(s): transformando paradigmas opressivos de poder através da educação para o desenvolvimento. Se, é verdade que muito foi já abordado, não é menos evidente que persiste ainda tanto por partilhar, repensar e questionar e, acima de tudo, transformar.
É precisamente para continuarmos a transformar o mundo pela(s) democracia(s) que lhe trazemos o n.º 18 da revista Sinergias – diálogos educativos para a transformação social. Neste número, a secção Caderno Temático traz-nos três artigos.
Em “Podem as crianças contribuir para a qualidade da governação local?”, de Desirée Seixas, fala-se de participação infantil enquanto participação pública e contributo para a governança local, no âmbito de uma cada vez maior governança colaborativa. Identificam-se desafios e oportunidades para a participação de crianças e jovens, sugerindo-se práticas governativas mais inclusivas.
Já no artigo “Legislative theatre in practice: Insights from Estudantes por Empréstimo”, de Mariana Rosa, Roberto Falanga e João Amorim, discorre-se sobre a promoção da inclusão de grupos sub-representados nos processos de participação cidadã, apontando as desigualdades estruturais e demais mecanismos que dificultam o acesso ao poder de fala de, nomeadamente, pessoas jovens. A partir do potencial do Teatro Legislativo e utilizando como exemplo a prática Estudantes por Empréstimo, partilham-se alternativas de participação cidadã.
Por fim, em “Educação para a democracia em tempos de algocracia”, Manuel Gonçalves Barbosa convida-nos a refletir sobre a governação baseada em algoritmos (designada de algocracia), equacionando riscos e oportunidades para os sistemas democráticos e para uma verdadeira algocracia cidadã, que esteja voltada para a Democracia e para o exercício da cidadania.
Na secção Outros Artigos, Fátima Carneiro traz-nos “Educação para a cidadania global: Contributos para um compromisso com o diálogo social”. Neste artigo, apresenta-se a importância de desenvolver, nas e nos jovens, competências de Educação para a Cidadania Global, para que possam exercer a sua cidadania local e globalmente. Aqui se enfatiza a relevância da interculturalidade, da diversidade linguística, da apreciação de diferentes culturas e da valorização da dignidade humana.
Segue-se a secção Prática, com três textos.
Em “Associações populares e democracia participativa: Raízes e horizontes de um projeto em curso”, da autoria de um coletivo que inclui Maria João Antunes, Isabel Timóteo, Hugo Monteiro, Cátia Rocha e Teresa Martins, encontram-se em destaque os movimentos associativos e a relevância do associativismo enquanto ação coletiva em prol da Democracia. Neste texto, apresenta-se o projeto “Construir a Democracia Participativa – Associações populares de Abril no Porto”, dedicado a recuperar a história social sobre associações nascidas depois do 25 de Abril de 1974 e que se mantêm vivas.
Em “Assembleias Cidadãs em Portugal: 2015-25”, de Alcides Barbosa, aprofundam-se as assembleias cidadãs, que designam um modelo de democracia deliberativa em que se seleciona um grupo representativo da população para debater e formular recomendações sobre diversos temas de interesse público. Neste texto, analisam-se as assembleias cidadãs em Portugal, nos últimos 10 anos, nomeadamente, como despontam e crescem, quem as promove e potencia e, ainda, as oportunidades e os riscos que delas emergem.
Por fim, em “À oliveira democrática, o vento leva a flor”, de Carlota Quintão, Joana Costa, Marta da Costa e Sara Borges, apresenta-se a sistematização de aprendizagens do percurso coletivo da Comunidade Sinergias ED, no ano em que se assinalaram os 50 anos do 25 de Abril de 1974. Entre maio e novembro de 2024, a Comunidade viveu momentos de reflexão crítica sobre a democracia, compondo uma melodia própria, tecida por múltiplas vozes e arranjos. Este é um texto que convida à construção de uma democracia mais viva e partilhada.
Na secção Debate, Luísa Teotónio Pereira leva-nos a refletir sobre qual o papel da Educação para o Desenvolvimento, essa força motriz que desoculta sistemas e inspira a confiança para compreender e agir, a partir do caso do Sahara Ocidental. No texto “Sahara Ocidental: 50 anos de invizibilização, e agora?”, fala-se de colonização e descolonização, opressão e libertação, de injustiças estruturais e da reposição da justiça por ações individuais. Ao abrigo dos valores da Democracia, a autora leva-nos a “fazer do perto, longe” e a “fazer barulho”, para não calar e consentir.
Na secção Entrevista, pomo-nos à conversa com Lucília Salgado, Mário Montez e Mónica Lourenço. Neste diálogo entretecido pelas teias da memória, resistência e educação, discute-se a construção de uma sociedade mais democrática a partir das experiências de uma vida dedicada à educação de adultos, à animação socioeducativa e ao compromisso com a transformação social.
Na secção Recensão Crítica, trazemos-lhe três propostas de leitura.
Em Referencial de direitos humanos: Reflexões e perspetivas à luz da democracia, o “Referencial de Direitos Humanos, Educação Pré-Escolar, Ensino Básico e Ensino Secundário” é recenseado por Andreia Reis e Sara Monteiro. Publicado em março de 2024 (Ministério da Educação), este é um dos documentos estruturantes da Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC), sendo de grande relevância para quem quer educar(-se) e formar(-se) pessoa(s) cidadã(s).
Em Foram para fora, construíram cá dentro, faz-se a recensão crítica do livro “Exílios no feminino: Sete percurso de luta e de esperança”, pela mão de Amanda Franco e Mário Montez. Este livro, da autoria de um coletivo de mulheres (Amélia Resende, Beatriz Abrantes, Fernanda Oliveira Marques, Helena Cabeçadas, Helena Rato, Irene Flunser Pimentel, e Maria Emília Brederode Santos), partilha os percursos de libertação destas mulheres – e de um país – face a uma ditadura que teimou em acorrentar a liberdade de todo um povo, mas aqui com o foco na experiência de quem viveu o fascismo enquanto mulher.
A partir de Calming upset people with EAR (Bill Eddy, 2018), livro recenseado por Albertina Raposo e Filomena Ferreira, aprendemos como enfrentar situações conflituosas através da compreensão e da compaixão (Empatia), da escuta atenta e sem juízos (Atenção) e da demonstração de respeito (Respeito). Alinhado com os valores promovidos pela Educação para a Cidadania Global, sugere-se que é importante passar de uma lógica “tu versus eu” para uma visão de “nós contra um desafio comum”.
Na secção das Publicações recentes, partilhamos as seguintes seis: Práticas promissoras em contexto: Transferibilidades de esperança com jovens e profissionais da educação (2024); Construtores de sustentabilidade (2024); o livro Gingar na cidade. Bicicleta, participação e transformação do território (2024); o Programa LED on Values (entre 2009 e 2025); Living rivers – Trabalhando a sustentabilidade ambiental de forma lúdica (2025); e Olhar o mundo: Uma viagem pela cidadania global (2025).
Fechamos este n.º 18 da revista Sinergias com o resumo de teses de doutoramento e de dissertações de mestrado publicadas recentemente. São elas a dissertação de mestrado A importância da educação para o desenvolvimento e cidadania global no 1.º ciclo do ensino básico, de Sandra Canudo (2024, com orientação de Albertina Raposo), e a tese de doutoramento Decrescimento, democracia e novos territórios – Experimentações para um mundo em transição, de Guilherme Serôdio (2025, com orientação de Rogério Roque Amaro e Giovanni Esposito).
Dado que partilham da mesma temática, renovamos os votos feitos no editorial do número anterior: boas leituras, em liberdade e na (re)descoberta da Democracia!
Pelo Conselho Editorial,
Andreia Reis(1) & Amanda Franco(2)
(1) Instituto de Educação, Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação (UIDEF) da Universidade de Lisboa.
(2) Gabinete de Estudos para a Educação e Desenvolvimento (GEED) da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo e Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP).
Maria João Antunes, Isabel Timóteo, Hugo Monteiro, Cátia Rocha & Teresa Martins - Associações populares e Democracia Participativa: Raízes e horizontes de um projeto em curso
Alcides Barbosa - Assembleias Cidadãs em Portugal: 2015-25
Carlota Quintão, Joana Costa, Marta da Costa & Sara Borges - À oliveira democrática, o vento leva a flor
Andreia Reis & Sara Monteiro - Referencial de Direitos Humanos: reflexões e perspetivas à luz da Democracia
Amanda Franco & Mário Montez - Foram para fora, construíram cá dentro. Recensão crítica do livro Exílios no Feminino: sete percurso de luta e de esperança
Albertina Raposo & Filomena Ferreira - Calming upset people with EAR
Nome da Revista
“Sinergias – diálogos educativos para a transformação social”.
Propriedade
Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP) e Fundação Gonçalo da Silveira (FGS), no âmbito do projeto Sinergias ED: potenciar a capacidade transformadora das relações e aprendizagens colaborativas entre agentes de ação e investigação em Educação para o Desenvolvimento, cofinanciado pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua e apoiado pela Reitoria da Universidade do Porto.
Periodicidade
Semestral.
Grafismo e Paginação
Megaklique e Cláudia Pereira.
Edição
Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP) e Fundação Gonçalo da Silveira (FGS).
Conselho Científico
Ana Ana Dubeux (Univ. Federal Rural de Pernambuco. BR); Antónia Barreto (Escola Superior de Educação e Ciências Sociais – Inst. Politécnico de Leiria. PT); Carmen Rosa García Ruiz (Univ. de Málaga. ES); Dalila Pinto Coelho (Centro de Investigação e Intervenção Educativas – Univ. do Porto. PT); Elina Lehtomäki (Univ. of Oulu. FI); Filipe Martins (Centro de Investigação para o Desenvolvimento Humano – Univ. Católica Portuguesa; Rede Inducar. PT); Frances Hunt (Development Education Research Centre – Univ. College London. UK); Karen Pashby (Education and Social Research Institute – Manchester Metropolitan Univ. UK); Karla Del Carpio (Univ. of Northern Colorado. USA); Liam Wegimont (Global Education Network Europe. IE); Maria Helena Salema (Inst. de Educação – Univ. Lisboa. PT); Miguel de Barros (Tiniguena – Esta terra é nossa; Centro de Estudos Sociais Amílcar Cabral. GW); José Nunes da Silva (Univ. Federal Rural de Pernambuco. BR); Oscar Jara (Centro de Estudios y Publicaciones Alforja. CR); Tania Ramalho (SUNY Oswego. USA; Univ. of Oulu. FI).
Conselho Editorial
Amanda Franco, Andreia Reis, Joana Costa, Sandra Fernandes, Sara Monteiro e Teresa Martins.
Avaliadores/as do presente número
Amanda Franco (Centro de Estudos Africanos – Univ. Porto e Escola Superior de Educação – Inst. Politécnico de Viana do Castelo. PT); Ana Rita Fonseca (1,2,3 Macaquinho do Xinês. PT); Andreia Martins Torres (Departamento de Psicología Social y Antropología – Univ. de Salamanca. ESP); Cecília Fonseca (Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral. PT); Hugo Monteiro (Escola Superior de Educação – Inst. Politécnico do Porto; Instituto de Filosofia da Univ. do Porto. PT); Joana P. Cruz (Centro de Investigação e Intervenção Educativas – Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. do Porto; Laboratório de Teatro e Política. PT); Manuel Arriaga (Fórum dos Cidadãos. PT); Márcia Cardoso (Escola Superior de Educação – Inst. Politécnico Porto. PT); Paulo F. Pinto (Associação de Professores para a Educação Intercultural. PT); Pedro D. Ferreira (Centro de Investigação e Intervenção Educativas – Univ. do Porto. PT); Sandra Oliveira (CE3C/FCiências; 4Change. PT) e Stéphane Laurent (Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral. PT).
Traduções, revisão gráfica e de textos
Amanda Franco, Andreia Reis, Joana Costa, Sandra Fernandes, Sara Monteiro e Teresa Martins.
ISSN
ISSN 2183-4687
Revista com arbitragem científica: os artigos são da responsabilidade dos seus Autores e das suas Autoras.
Arquivos de Edições
Nº3
Fevereiro, 2016