Os caminhos da Educação para o Desenvolvimento (ED) estão umbilicalmente ligados à Cooperação para o Desenvolvimento, independentemente dos seus diferentes entendimentos, abordagens e práticas. Foi dentro desta última e quase sempre com atores a ela ligados que a ED nasceu e foi crescendo. Como em todas as relações umbilicais, as fronteiras, influências, interligações, complementaridades e pontos de rutura não são claras nem, muitas vezes, óbvias; bem pelo contrário. De um tempo original onde a ED “servia” declaradamente os interesses da Cooperação, sendo uma ferramenta de sensibilização e congregação de apoios para esta, vivemos hoje um outro tempo onde a ED construiu uma identidade própria, autonomizando-se em relação à Cooperação e aproximando-se de outras “educações” com vista à transformação social – isto sem que, necessariamente, tenha desaparecido a sua praxis original, percetível em muitas das abordagens políticas (quando, por exemplo, as mesmas são lideradas pelos ministérios e departamentos ligados ao ”mundo” da Cooperação para o Desenvolvimento) e em algumas das visões e práticas das instituições que trabalham em ED.
Ao mesmo tempo, o questionamento da capacidade e vontade de transformação social da Cooperação para o Desenvolvimento tem crescido, empurrado, quer por um tempo maior de prática que permite aferir, de forma mais real, os impactos de médio e longo prazo nas comunidades, nos países e nas regiões onde os atores da Cooperação têm desenvolvido o seu trabalho, como pelo evoluir da situação global desde o início deste século, nomeadamente o crescimento das desigualdades, dos conflitos, da degradação ambiental e das migrações forçadas.
A ED não tem ficado de fora deste crescente questionamento, cumprindo a sua missão de (auto)reflexividade crítica. Esta postura matricial não tem deixado de colocar a ED, por vezes, em campos percebidos como opostos para alguns dos atores da Cooperação, origem de incompreensões e afastamentos mútuos.
Por tudo isto, e estando a revista Sinergias também ela umbilicalmente ligada ao mundo da ED – logo, igualmente, da Cooperação – quer pelo projeto, quer pelas organizações que a originaram, dinamizam e sustentam, nesta 5ª edição pretendemos contribuir para a reflexão, diálogo, aprofundamento e encontro entre estes dois “mundos”, simultaneamente tão próximos e tão distantes.
Com este objetivo, o dossier temático deste número apresenta três artigos muito diferenciados na sua origem, língua e aproximação à matéria. O artigo de Sérgio Belda e Alejandra Boni parte de um estudo de caso sobre organizações do Estado Espanhol que mantiveram relações solidárias com organizações colombianas, para nos colocar uma muito interessante proposta de pensar a Cooperação Internacional como um espaço para desenvolver processos de Educação para a Cidadania Global Radical, (re)politizando-a em ordem a recuperar a sua agenda e o seu potencial transformador. David Sogge escreve-nos um artigo contundente, revelando-nos as “verdades inconvenientes” da Ajuda Externa para o Desenvolvimento a partir do questionamento do seu contínuo crescimento – um “sucesso”, – independentemente dos seus “falhanços” ao nível dos processos e resultados. O autor coloca em causa as reais agendas dos principais promotores desta “indústria”, ao mesmo tempo que alerta os “educadores globais e outros promotores da cidadania global” para o seu papel face a esta realidade. Por fim, Vanessa Andreotti, Renato Pereira e Eliana Edmundo centram o seu artigo na educação e nos pré-requisitos necessários para que esta possa desvendar e contrariar antigos e novos discursos alimentadores do atual “imaginário global dominante” que produz a ideia de um mundo dividido entre um “Norte” avançado e um “Sul” atrasado. O artigo termina com a proposta de um interessante exercício de autorreflexão para todos os educadores e educadoras interessados em percorrer “um outro caminhar”.
O dossier temático apresenta ainda duas entrevistas de diferentes personalidades do mundo do Desenvolvimento; diferentes, quer em termos de geografia, quer em termos de posicionamento institucional. Augusta Henriques, fundadora da ONG guineense Tiniguena apresenta-nos o percurso da ED nesta organização, desde a sua fundação, em 1991, e da sua constante interação com a Cooperação. Samuel Poos, coordenador do Trade for Development Center da Agência Belga de Desenvolvimento, fala-nos da intervenção da sua instituição, que articula diferentes dimensões que interligam, no âmbito do Comércio Justo, Cooperação, Sensibilização e Influência Política.
Ainda relacionado com o tema principal deste número, inaugura-se também nesta edição uma nova rubrica – Debate – onde Helmuth Hartmeyer, até há pouco tempo Presidente da Direção do GENE – Global Educational Network Europe, expõe uma leitura crítica do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 4, relacionado com a Educação, na perspetiva da ED. A temática central deste número fecha com a recensão, realizada por Rui da Silva, do livro “Global Education Policy and International Development: New Agendas, Issues, and Policies”, organizado por Antoni Verger, Mario Novelli e Hulya Kosar Altinyelken.
De destacar, ainda, o aparecimento neste número da rubrica Outros Diálogos que, estando desligada do tema principal, pretende dar a conhecer artigos relevantes no quadro das finalidades da revista. Inauguram a rubrica Carla Inguaggiato e La Salete Coelho com um artigo que apresenta os principais resultados de um estudo que analisou comparativamente as políticas de implementação da Educação para a Cidadania Global no ensino básico em 10 países europeus, com um enfoque especial no caso português. Margarida Magalhães e Luísa Aires, por seu lado, escrevem sobre os cursos online, oferecidos em contexto multicultural, na área da Educação Global, analisando-os no seu potencial de desenvolvimento de competências interculturais.
Congratulamo-nos, por fim, com o alargamento das línguas de publicação para o francês, aumentando assim o potencial de diálogo entre diferentes linhas de trabalho e investigação, principal razão de ser da nossa revista.
Como é habitual, publicam-se ainda diversos materiais e recursos recentes, bem como resumos de trabalhos académicos considerados relevantes nos domínios da Educação para a Transformação Social.
Esperamos que este número em volta da reflexão, diálogo, aprofundamento e encontro entre Cooperação e Educação para o Desenvolvimento possa ser mais um contributo da revista Sinergias a favor de uma educação e de uma ação transformadoras.
[1] Para melhor o podermos fazer, convidamos os leitores a partilhar connosco os seus comentários e sugestões para os próximos números, para os seguintes contactos: ceaup.ed@gmail.com e ed@fgs.org.pt.