Sinergias Nº17

Janeiro, 2025

Democracia(s): transformando paradigmas opressivos de poder através da Educação para o Desenvolvimento

“Que dúvida, que dívida, que dádiva, que duvidádiva afinal a vida.”

Convidamos-vos a encetar connosco este número da revista Sinergias – diálogos educativos para a transformação social com os versos de David Mourão-Ferreira, cujas palavras, a nosso ver, capturam a essência desta temática: Democracia(s): transformando paradigmas opressivos de poder através da Educação para o Desenvolvimento.

No contexto atual do mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo em que vivemos – o designado “VUCA world” (Tichnor-Wagner et al., 2019), emergem desafios globais e locais cada vez mais complexos e interligados, que ameaçam continuamente a Paz, a Justiça, a Segurança, os Direitos Humanos, a Sustentabilidade e a Democracia (GENE, 2022). Como nos refere Starkey (2012), “manifestations of intolerance and discrimination frequently lead to tensions and sometimes violence on a scale sufficient to start to undermine confidence in democracy and human rights as the basis for the social contract” (p. 22). Neste cenário, “viver em e pela democracia” de facto parece ser, parafraseando o poeta, uma verdadeira duvidádiva.

A participação democrática é sem dúvida, um Direito Humano fundamental, sendo consequentemente um requisito essencial para a proteção dos Direitos Humanos. Trata-se de, como o assumiu Boisvert (1998, p. 55), “the ideal manifestation of community life”. Não obstante, a Democracia permanece uma dívida para tantos seres humanos e comunidades que, em contextos de opressão, autoritarismo, violência e conflito, dela se veem privados.

Numa perspetiva de Bem Comum e Humanidade partilhada, para muitas das nossas populações, a Democracia é, em última instância, uma dádiva, um ideal pelo qual sempre valeu e valerá a pena lutar, e disso acreditamos não haver absolutamente nenhuma dúvida. Além disso, de um ponto de vista conceptual, sendo a Democracia um conceito fluido e dinâmico, em constante desenvolvimento (Dewey, 1985), impera a necessidade da sua contínua discussão e problematização. Este número confirma precisamente esta convicção, bem como a emergência de:

Discursos democráticos, informados e responsáveis que se erguem contra o dogmatismo e que desbravam caminhos para o diálogo pluralista onde todas as vozes podem ecoar, serem escutadas e valorizadas…

Desarticulação de sistemas e paradigmas de poder opressivos e coercivos, mecanismos de controlo aniquiladores da dignidade, autonomia, participação e liberdade…

Descoberta de mecanismos de ação e intervenção face a modelos neocoloniais que continuam a fortalecer o status quo e a estimular relações de poder desiguais entre grupos e nações…

Desmantelamento das raízes da injustiça sistémica e da iniquidade estrutural que mantém tantos seres humanos na periferia, privados do privilégio e do acesso a bens e recursos essenciais …

Disrupção face a extremismos, fundamentalismos, polarizações e radicalismos que ameaçam o Bem Comum e geram um mal-estar que corroi a nossa capacidade de imaginar podermos viver juntas e juntos um presente e um futuro com maior Justiça, Solidariedade, Equidade e Paz…

Desenvolvimento de uma educação crítica e emancipatória que visa promover a Cidadania Global através de processos e práticas que possuem como horizonte a ação orientada para a transformação social.

Até este exato momento, apercebemo-nos de que estas linhas parecem privilegiar a letra D, que parece ser a protagonista por iniciar o eixo deste número: a Democracia, em detrimento de outras. No entanto, excluir outras letras do alfabeto seria completamente discriminatório e antidemocrático, além de contraditório e incoerente, uma vez que tantas outras estão de mãos dadas a princípios e valores medulares da Democracia, insuflando tantas das narrativas aqui presentes neste número 17, tal como: Ativismo, Aprendizagem transformadora, Capacitação, Compreensão, Empatia, Inclusão, Tolerância, Responsabilidade…  e Esperança.

Maximiliano Tarozzi, na mesa-redonda “Roundtable: Democracy(ies) and Development education, Insights from European Contexts”(1), proclamou a Esperança como uma “virtude política”, essencial para imaginarmos e transformarmos o mundo, sendo a Educação um dos principais palcos para essa concretização. Como nos recorda Apple (2008), “The educational system will constantly be in the middle of crucial struggles over the meaning of democracy, over definitions of legitimate authority and culture, and over who should benefit the most from government policies and practices” (p. 105).

Este n.º 17 da revista Sinergias inicia-se também com um poema, “Para quando uma revolução, Padrão?”, da autoria de Mariana Alves, que nos questiona a pensar em que pilares se sustenta a (revolução da) Democracia.

Os artigos do caderno temático incluem três propostas de leitura.

Em Schools promoting global citizenship. Analysis of practices awarded by the national award of development education in Cantabria (North of Spain), da autoria de Adelina Calvo-Salvador e Carlos Rodríguez-Hoyos, reflete-se sobre o potencial transformador da Educação para a Cidadania Global e questiona-se se as práticas educativas bebem deste potencial, a partir da análise do tipo estudo de caso em cinco escolas espanholas que receberam o prémio nacional de Educação para o Desenvolvimento.

No artigo Pedagogia do autoritarismo: Privatização da gestão escolar, Danielle Rezera e Eliano Macedo examinam os impactos da ascensão ao poder de partidos de extrema-direita nos processos democráticos decorrentes no próprio espaço escolar, numa cidade brasileira.

Já em Clube Palmares: Um quilombo em movimento formador!, Douglas Lucas, Gisele Costa e Leonardo Ângelo da Silva trazem-nos o caso de um clube fundado na década de 60 do século passado, no Rio de Janeiro, que se vem tornando um foco de resistência antirracista ao discurso de ódio de extrema-direita.

Na secção Práticas, encontramos outros três textos que nos trazem exemplos de práticas de Democracia e Transformação Social.

Com a prática De-polarising strategies to address controversial gender, religious, national or political identities issues, Cécile Barbeito Thonon explora os mecanismos pelos quais o diálogo em torno de temas controversos ou desafiantes (e.g., género, identidade) pode tornar-se contraproducente, oferecendo exemplos de atividades apoiantes do diálogo não-dicotómico e não-polarizante.

Em Vigilância, dados e desinformação: O clube de leitura como exercício de resistência, a autora Cristina Domínguez-Iglesias convida-nos a espreitar um clube de leitura no qual se leem obras literárias sobre distopia tecnológica, para a partir delas se questionar a desinformação vigente na sociedade contemporânea e se pensar criticamente sobre direitos humanos fundamentais salvaguardados pela Democracia, mas que requerem proteção.

N’ O bairro que sonhamos: Viver a democracia a partir da escola, Carola Lanatà e Graça Rojão levam-nos a visitar uma iniciativa de promoção da participação cívica de crianças do quarto ano do ensino básico de uma cidade do interior de Portugal, refletindo sobre o potencial de tais espaços de participação.

Segue-se a secção de Debate.

Com o texto If the present is broken, how do we fix the future together?, Mark Langdon e Mário Montez dão continuidade ao convite de pensarmos a Democracia como um bem público que precisa de ser protegido, em vez de ser tomado por garantido, tal como a água que corre de uma torneira aberta. Tal como a água é um bem essencial escasso que importa cuidar, também a Democracia precisa de reflexão e ação transformadoras de mudança, para que continuemos a beneficiar dos benefícios cultivados por sociedades democráticas.

Em Democracia y emancipación en el aula, Miguel Escobar-Guerrero aprofunda a importância de criarmos espaços de Democracia, autonomia e emancipação democrática na aula do ensino superior, a partir da reinvenção da pedagogia de Freire.

Uma novidade do presente número da revista Sinergias é a secção Conto. Aqui, partilha-se o conto intitulado Tales of Wani: Exploring the three dimensions of voluntourism, das autoras Barbara Igler, Mia Dancey e Maria José Amaral, no qual se exploram os desafios éticos e as complexidades do “volunturismo”, que aparentemente pretende fazer face às desigualdades mundiais, mas que acaba por reforçar dinâmicas sistémicas de poder e ajudar à manutenção das desigualdades e injustiças mundiais.

Na secção seguinte, Florentino Maria Lourenço apresenta uma recensão crítica de Vozes da Revolução: Revisitando o 25 de Abril de 1974, em Democratizar o 25 de Abril a partir das memórias: Uma leitura a contrapelo do livro citado. Segundo o recenseador, este livro conduz-nos “pelas pegadas da memória dos membros do Movimento das Forças Armadas (MFA) e nos possibilita compreender que apenas a luta coletiva pelo Bem Comum, em diferentes extratos sociais, possibilitou os acontecimentos da Revolução de Abril”.

Na secção das Publicações Recentes, encontramos as seguintes: A Educação para o Desenvolvimento nas práticas escolares – Problematizando e propondo caminhos para a formação e a escola (2023); o mais recente número editado pela revista científica Policy and Practice, Development Education and Democracy (2023); o Relatório de avaliação externa da Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento 2018-2022 (2023); Multilingual Global Education Digest 2023 e a base de dados Global Education and Learning (2024); o Contra-manual de investigação-ação participativa (2024); Global education in Europe: National histories (Vol. 1) (2024); Humanness solidarity toolkit – Construir ligações: Um kit de ferramentas humanas para o envolvimento de jovens (2024); e o mais recente número da revista Outras Economias (2024).

Encerra-se este número da revista Sinergias com o resumo de teses de doutoramento e dissertações de mestrado publicadas recentemente: Educação para a Cidadania Global: Um estudo de caso na Escola Artística António Arroio (2023); O Impacto das ONGD na Educação para o Desenvolvimento (2023) e Professores de 1.º ciclo e 2.º ciclo do ensino básico em contextos escolares multilingues e culturais: O desenvolvimento profissional em questão (2024).

Fazemos votos de leituras democráticas, feitas em liberdade e pelo puro prazer de delongar-se na (re)descoberta da Democracia.

Pelo Conselho Editorial, 

Andreia Reis(2)Amanda Franco(3)

Bibliografia

  • Apple, M. W. (2008). Is deliberative democracy enough in teacher education? In M. Cochran-Smith, S. Feiman-Nemser, D. J. McIntyre & K. D. Demers (Eds.), Handbook of research on teacher education: Enduring questions in changing contexts (pp. 269-289). Routledge.
  • Boisvert, R. D. (1998). John Dewey: Rethinking our time. State University of New York Press.
  • GENE (2022). The European declaration on global education to 2050. The Dublin declaration. Global Education Network Europe.
  • Starkey, H. (2012). Human rights, cosmopolitanism and utopias: Implications for citizenship education. Cambridge Journal of Education, 42(1), 21-35.
  • Tichnor-Wagner, A., Parkhouse, H., Glazier, J., & Cain, J. M. (2019). Becoming a globally competent teacher. Association for Supervision & Curriculum Development.

(1) Mesa redonda dedicada ao tema “Democracy(ies) and Development Education – insights from European contexts”, que teve lugar no dia 10 de outubro de 2024, na FLUP (Porto), e contou com a participação de Annette Scheunpflug (Alemanha), Douglas Bourn (Reino Unido), Elina Lehtomaki (Finlândia), Júlio Santos (Portugal), Liam Wegimont (GENE), Magdalena Kuleta-Hulboi (Polónia), e Massimiliano Tarozzi (Itália), com moderação de La Salete Coelho (Portugal).
(2) Instituto de Educação, Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação (UIDEF) da Universidade de Lisboa.
(3) Gabinete de Estudos para a Educação e Desenvolvimento (GEED) da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo e Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP).

  • Mariana RP Alves - Para quando uma revolução, Padrão?

  • Adelina Calvo-Salvador & Carlos Rodríguez-Hoyos - Schools promoting Global Citizenship. Analysis of practices awarded by the national award of Development Education in Cantabria (North of Spain)

  • Danielle Rezera & Eliano Souza - Pedagogia do Autoritarismo: privatização da gestão escolar

  • Douglas Lucas, Gisele Costa & Leonardo da Silva - Clube Palmares: um quilombo em movimento formador!

  • Cécile Barbeito Thonon - De-polarising strategies to address controversial gender, religious, national or political identities issues

  • Cristina Domínguez-Iglesias - Vigilância, dados e desinformação: o clube de leitura como exercício de resistência

  • Carola Lanatà & Graça Rojão - O bairro que sonhamos: viver a democracia a partir da escola

  • Mark Langdon & Mário Montez - If the present is broken, how do we fix the future together?

  • Miguel Escobar-Guerrero & Mayra Estrada - Democracia y Emancipación en el Aula

  • Barbara Igler, Mia Dancey & Mariajosé - Tales of Wani: Exploring the three dimensions of voluntourism

  • Florentino Maria Lourenço - Democratizar o 25 de Abril a partir das memórias: uma leitura a contrapelo do livro Vozes da Revolução: Revisitando o 25 de Abril de 1974

  • A Educação para o Desenvolvimento nas práticas escolares - problematizando e propondo caminhos para a Formação e a Escola

  • Policy and Practice: A Development Education Review - “Development Education and Democracy”

  • Relatório de Avaliação Externa da Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento 2018-2022

  • Multilingual Global Education Digest 2023 e base de dados Global Education and Learning

  • Contra-Manual de Investigação-Ação Participativa

  • Global Education in Europe: National Histories

  • Humanness Solidarity Toolkit - “Construir ligações: um kit de ferramentas humanness para o envolvimento de jovens”

  • Outras Economias

  • Natacha Moreira da Silva - Educação para a Cidadania Global: um estudo de caso na Escola Artística António Arroio

  • Beatriz Canedo Xavier - O Impacto das ONGD na Educação para o Desenvolvimento

Nome da Revista

“Sinergias – diálogos educativos para a transformação social”.

Propriedade

Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP) e Fundação Gonçalo da Silveira (FGS), no âmbito do projeto Sinergias ED: alargar e aprofundar as relações e aprendizagens colaborativas entre ação e investigação em Educação para o Desenvolvimento, cofinanciado pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua e apoiado pela Reitoria da Universidade do Porto.

Periodicidade

Semestral.

Grafismo e Paginação

Megaklique e Cláudia Pereira.

Edição

Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP) e Fundação Gonçalo da Silveira (FGS).

Conselho Científico

Ana Ana Dubeux (Univ. Federal Rural de Pernambuco. BR); Antónia Barreto (Escola Superior de Educação e Ciências Sociais – Inst. Politécnico de Leiria. PT); Carmen Rosa García Ruiz (Univ. de Málaga. ES); Dalila Pinto Coelho (Centro de Investigação e Intervenção Educativas – Univ. do Porto. PT); Elina Lehtomäki (Univ. of Oulu. FI); Filipe Martins (Centro de Investigação para o Desenvolvimento Humano – Univ. Católica Portuguesa; Rede Inducar. PT); Frances Hunt (Development Education Research Centre – Univ. College London. UK); Karen Pashby (Education and Social Research Institute – Manchester Metropolitan Univ. UK); Karla Del Carpio (Univ. of Northern Colorado. USA); Liam Wegimont (Global Education Network Europe. IE); Maria Helena Salema (Inst. de Educação – Univ. Lisboa. PT); Miguel de Barros (Tiniguena – Esta terra é nossa; Centro de Estudos Sociais Amílcar Cabral. GW); José Nunes da Silva (Univ. Federal Rural de Pernambuco. BR); Oscar Jara (Centro de Estudios y Publicaciones Alforja. CR); Tania Ramalho (SUNY Oswego. USA; Univ. of Oulu. FI).

Conselho Editorial

Amanda Franco, Andreia Reis, Carlota Quintão, Graça Rojão, Joana Costa, Jorge Cardoso, Marta da Costa, Marta Uva, Mónica Lourenço e Sandra Fernandes.

Avaliadores/as do presente número

Andreia Reis (Instituto de Educação, UIDEF, Univ. de Lisboa. PT); Carlota Quintão (Centro de Estudos Africanos da Univ. do Porto. PT); Javier Saborido (Fundación Madre Coraje. ESP); Laure de Witte (Cooperativa Mandacaru. PT); Maria Coelho Rosa (Between – partnerships 4 development. PT); Maria Helena Salema (aposentada do Instituto de Educação – Univ. de Lisboa, PT); Maria Marques (PT); María Villagrán (Fundación Madre Coraje. ESP); Mariana RP Alves (Centro de Investigação em Didática e Tecnologia na Formação de Formadores – CIDTFF, Univ. de Aveiro. PT; Cartas com Ciência); Marta da Costa (Manchester Metropolitan Univ. UK); Sandra Fernandes (Fundação Gonçalo da Silveira. PT) e Teresa Martins (Escola Superior de Educação do Inst. Politécnico Porto. PT).

Traduções, revisão gráfica e de textos

Amanda Franco, Andreia Reis, Carlota Quintão, Graça Rojão, Joana Costa, Jorge Cardoso, Marta da Costa, Marta Uva, Mónica Lourenço e Sandra Fernandes.

ISSN

ISSN 2183-4687

Revista com arbitragem científica: os artigos são da responsabilidade dos seus Autores e das suas Autoras.

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