Sinergias Nº1

Dezembro, 2014

Educação para o Desenvolvimento: conceitos e caminhos

Em Portugal, a Educação para o Desenvolvimento (ED) foi domínio das organizações da sociedade civil até ser reconhecida, em 2005, como prioridade sectorial da política nacional de cooperação, através do documento “Uma Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa”. Este reconhecimento abriu caminho para que no ano de 2008 se inicie, pela mão do então Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), e com a colaboração de outras instituições, públicas e da sociedade civil, o processo de elaboração da Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento), que viria a ser promulgada a 26 de novembro de 2009. Dois anos depois, em 2012, é publicado o primeiro Relatório de Acompanhamento da ENED, relativo aos anos de 2010 e 2011, que sublinha, nas suas conclusões, a necessidade de se reforçar a promoção da investigação na área de ED e a reflexão sobre as suas atividades.

No contexto internacional, a ED (utilizando esta ou outras denominações, como, por exemplo, Educação para a Cidadania Global ou Educação Global) ocupa também um espaço cada vez mais relevante na agenda pública e no trabalho das mais variadas organizações da sociedade civil. A partir de diferentes visões concetuais e de várias estratégias metodológicas de atuação, esta área tem vindo a crescer e a desenvolver-se à luz da integração e da combinação de perspetivas, interesses e esforços na valorização, difusão e aumento da qualidade da ED, nomeadamente a partir da aposta na investigação.

Quando em janeiro de 2012, o Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto e a Fundação Gonçalo da Silveira se juntaram pela primeira vez para conversarem sobre como poderiam trabalhar em conjunto um Centro de Investigação Universitário e uma ONGD tendo como pano de fundo a ED, estávamos longe de prever que um dos frutos desse trabalho viria a ser uma revista científica especializada, esta que temos o grande gosto de partilhar agora convosco.

Ao longo destes quase três anos, fomos avançando na medida das nossas possibilidades e disponibilidades. Numa primeira fase, de forma lenta, mas persistente, procurando perceber como poderíamos, em conjunto, contribuir para aprofundar o trabalho em ED ao nível do ensino e da investigação académica em Portugal, ideia-chave que nos uniu desde aquele primeiro encontro – foi um tempo de sonhar e de idealizar. Voltando aos registos de então, encontramos a ideia da publicação de uma “revista científica online sobre ED” como uma das primeiras a serem sonhadas. Com a aprovação para cofinanciamento, por parte do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, do projeto Sinergias ED: Conhecer para melhor agir – promoção da investigação sobre a ação em ED em Portugal, o ritmo do nosso trabalho conjunto acelerou e ganhou uma dimensão impossível de alcançar sem este apoio – tem sido tempo de trabalhar e de concretizar.

Fruto de um pensamento e visão mais amadurecidos, o projeto Sinergias ED pretende potenciar a ligação entre a investigação e a ação na área da ED em Portugal, criando oportunidades e condições para a ligação entre investigadores e ativistas na produção de conhecimento em ED e para a capacitação dos atores envolvidos nesta área, procurando assim contribuir para promover a qualidade da intervenção em ED, objetivo último sem o qual tudo não passaria de um exercício teórico e distante da realidade, mas sem impacto na mesma.

É dentro deste projeto – mas pretendendo-se que vá para além dele – que nasce esta revista digital, de cariz científico, especializada e com peer-review, “Sinergias – diálogos educativos para a transformação social”. Pretende-se que esta revista se possa constituir enquanto plataforma internacional de discussão e reflexão concetual, metodológica e sobre a prática no campo da educação para a transformação social (independentemente das suas diferentes denominações), servindo de veículo de produção e partilha do conhecimento nesta área. Pretendemos que esta revista possa vir a integrar e conjugar diferentes visões, vozes e práticas nas áreas das Ciências Sociais e Humanas, nomeadamente sobre a ED, a Cidadania Global e o Desenvolvimento, reconhecendo a diversidade e apropriação desta área em contextos dentro e fora da Europa.

Este primeiro número pretende uma aproximação ao(s) conceito(s) e caminho(s) da ED, através da apresentação e debate de modelos, características e práticas de ação. A partir de perspetivas interdisciplinares, convocadas por especialistas e experiências várias, são privilegiados diferentes olhares críticos: Douglas Bourn apresenta-nos uma reflexão sobre a ED, destacando várias abordagens e interpretações do conceito, destacando-o enquanto ferramenta para a justiça social global; Manuela Mesa, de seguida, analisa o aparecimento e a evolução do conceito a partir de cinco etapas ou, como designa, cinco gerações, refletindo ainda sobre o seu próprio modelo e sobre os principais atuais desafios da ED; após este enquadramento histórico, Vanessa Andreotti discute o conceito à luz da cidadania global e apresenta uma abordagem questionadora e desafiadora, fazendo o contraponto entre o que a autora denomina de Soft Critical Educação para a Cidadania Global; no contexto português, Ana Teresa Santos faz uma revisão do processo de elaboração da Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento, evidenciando os seus fatores de sucesso e Sandra Oliveira realça diferentes perceções sobre a qualidade e o impacto da ED, a partir do discurso de vários atores relevantes das organizações nacionais, tendo como pano de fundo os desafios que a ED enfrenta em tempos de austeridade económica; finalmente, o artigo de Alejandra Boni apresenta os discursos institucionais dos atores da cooperação e da educação espanhóis e europeus, tendo por base a perspetiva da Educação para a Cidadania Global.

Neste número, inclui-se ainda uma recensão crítica de uma obra que consideramos de base na área da ED – “Guía de educación para el desarrollo. Y tú…¿cómo lo ves?”, de ACSUR – Las Segovias, pelo destaque a conceitos como o desenvolvimento, a cooperação e a cidadania global. Destacamos ainda a apresentação da Estratégia Nacional da Educação para o Desenvolvimento, enquanto documento basilar da ED em Portugal.

Ao explorar a revista, encontrará ainda um diálogo entre Luísa Teotónio Pereira e Júlio Santos sobre a ED, com destaque para a evolução do seu conceito e prática em Portugal, para a ligação com a cooperação para o desenvolvimento e ainda para a discussão do conceito de cidadania global, a partir da troca de ideias sobre a possibilidade, ou não, de caracterização do que é ser um cidadão global.

No mundo contemporâneo, marcado por uma globalização crescente e pela mudança constante da sociedade, várias são as tensões e problemas que surgem e que atravessam diversos universos. Complexa e polissémica na sua determinação conceptual e no alcance prático que suporta, a ED analisa e problematiza a dimensão educativa e do desenvolvimento de forma integrada, dinâmica e crítica. É, por isso, indispensável pensar sobre a sua relevância e alcance científico, de forma a refletir sobre o impacto que a produção de conhecimento e discussão teórica, ainda que escassas, têm potenciado.

Esperamos que esta revista possa ser um contributo para esse objetivo maior[1].


[1] Para melhor o podermos fazer, convidamos os leitores a partilhar connosco os seus comentários e sugestões para os próximos números, para os seguintes contactos: ceaup.ed@gmail.com e ed@fgs.org.pt.

  • Douglas Bourn - What is Meant By Development Education?

  • Manuela Mesa - Precedentes y Evolución de la Educación para el Desarrollo: un modelo de cinco generaciones

  • Vanessa Andreotti - Educação para a Cidadania Global – Soft versus Critical

  • Ana Teresa Santos - A Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento: fatores de sucesso, mais valias e futuro

  • Sandra Oliveira - Educação global: envolver cidadãos em tempo de crise?

  • Alejandra Boni - Un análisis de los discursos institucionales en la cooperación y la educación desde la perspectiva de la educación para la ciudadanía global. Reflexiones a partir del caso español

  • Conversa com Luísa Teotónio Pereira, por Júlio Santos

  • La Salete Coelho - Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento (2010-2015)

  • Sara Poças & Tânia Neves - Guía de educación para el desarrollo. Y tú…¿cómo lo ves? ACSUR – Las Segovias (Ed.) (1998). Madrid: Los Libros de la Catarata.

  • Jacinto Serrão de Freitas - Educação para a Cidadania Global. Impacto do projeto “M-igual? Igualdade não é indiferença, é oportunidade!”

  • Tânia Neves - A Educação para o Desenvolvimento: Percorrer contextos, práticas e perceções.

  • Ana Teresa Santos - A opção Multistakeholder como pilar da Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento

  • La Salete Coelho - Erguer Pontes, Tecer Futuros e Construir Alternativas: a Economia Social e Solidária como prática(s) de Educação para o Desenvolvimento

Nome da Revista: “Sinergias – diálogos educativos para a transformação social”.

Propriedade: Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto e Fundação Gonçalo da Silveira, no âmbito do projeto Sinergias ED: Conhecer para melhor agir – promoção da investigação sobre a ação em ED em Portugal, co-financiado pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua.

Periodicidade: Semestral.

Design da capa e execução gráfica: Megaklique.

Edição: Fundação Gonçalo da Silveira e Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto.

Conselho Científico: Alejandra Boni (INGENIO-CSIC, Univ. Politècnica de Valencia.ES), Alexandre Furtado (Fundação para a Educação e Desenvolvimento.GB), Ana Isabel Madeira (Inst. Educação-Univ. de Lisboa.PT), Antónia Barreto (Inst. Politécnico de Leiria.PT), Cristina Pires Ferreira (Univ. de Cabo Verde.CV), Douglas Bourn (Inst. of Education-Univ. of London.UK), Elizabeth Challinor (Centro em Rede de Invest. em Antropologia-Univ. do Minho.PT), Júlio Santos (Inst. Educação-Univ. do Minho e Centro de Estudos Africanos da Univ. Porto.PT), Karen Pashby (Univ. of Edmonton.CAN), Liam Wegimont (Global Education Network Europe), Luísa Teotónio Pereira (Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral.PT), Manuela Mesa (Centro de Educación e Investigación para la Paz.ES), Maria Helena Salema (Inst. Educação-Univ. de Lisboa.PT), Maria José Casanova (Inst. Educação-Univ. do Minho.PT), María Luz Ortega (Univ. Loyola Andalucia.ES), Matt Baillie Smith (Northumbria Univ.UK), Nuno Gonçalves (Pontificia Univ. Gregoriana.IT), Teresa Toldy (Univ. Fernando Pessoa.PT), Vanessa de Oliveira Andreotti (Univ. of British Columbia.CAN).

Conselho Editorial: Carolina Cravo, Hugo Marques, Jorge Cardoso, La Salete Coelho, Miguel Filipe Silva, Tânia Neves e Teresa Corte-Real.

Avaliadores do presente número: Ana Isabel Madeira (Inst. Educação-Univ. de Lisboa.PT), Carmén Maciel (Fac. Ciências Sociais e Humanas-Univ. Nova Lisboa.PT), Eleanor Brown (University of York.UK), La Salete Coelho (Centro de Estudos Africanos da Univ. Porto e Escola Superior de Educação-IP Viana do Castelo.PT), Liam Wegimont (Global Education Network Europe), María Luz Ortega (Univ. Loyola Andalucia.ES).

Revisão gráfica e de textos: Hugo Marques, Jorge Cardoso, Tânia Neves e Teresa Corte-Real.

Informações de depósito legal e ISSN: ISSN 2183-4687

Revista com arbitragem científica: Os artigos são da responsabilidade dos seus Autores.

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