Alcides L. M. Barbosa[1]Membro dos coletivos XRPT (Extinction Rebellion Portugal) e GTAC (Grupo de Trabalho para Assembleias de Cidadãos em Portugal). Mestre em Habitação e Urbanismo pela Architectural Association (Open … Continue a ler

Resumo:

Este artigo trata da presença das assembleias cidadãs em Portugal na última década. Como surgem e crescem na discussão pública, quais têm sido os principais promotores, como têm sido colocadas em prática e quais têm sido os seus pontos positivos e negativos.

Palavras-chave: Democracia Deliberativa; Assembleias Cidadãs; Mini-públicos; Portugal.

1. Introdução

Neste artigo não abordo os problemas estruturais da democracia representativa e nem as origens e teorias das assembleias cidadãs – o foco está num relato das experiências práticas da sua utilização recente em Portugal. Assim, não tratarei de outros processos participativos. Para clarificar o objeto numa introdução sucinta, uma assembleia cidadã (AC) é um modelo de democracia deliberativa no qual um grupo representativo da população é selecionado para debater e formular recomendações sobre temas de interesse público. São suas características principais:

  1. Seleção aleatória e representatividade descritiva – Os participantes são escolhidos por convite aleatório e amostragem estratificada, garantindo diversidade em indicadores demográficos como idade, género, local de residência e nível socioeconómico.
  2. Processo deliberativo – Os participantes recebem informações de especialistas e partes interessadas, debatem entre si e elaboram recomendações.
  3. Independência e transparência – As assembleias são organizadas de forma independente e os debates são conduzidos de maneira aberta e transparente.
  4. Impacto político – As recomendações são apresentadas ao governo ou ao parlamento, buscando influenciar decisões políticas.

As assembleias cidadãs são vistas, pela maior parte de seus proponentes, como um complemento à democracia representativa, ajudando a envolver diretamente a população na tomada de decisões. Entretanto, há autores que propõem que elas substituam totalmente o sistema eleitoral[2]Por exemplo, John Gastil and Erik Olin Wright (2019), Legislature by Lot: Transformative Designs for Deliberative Governance. London: Verso e Terrill G. Bouricius (2013), Democracy Through Multi-Body … Continue a ler. Importante esclarecer que aqui “assembleia cidadã” refere-se ao mesmo tipo de processo que “assembleia de cidadãos” e que há variações de escopo e escala que levam nomes como júri de cidadãos, painel de cidadãos, minipúblico, júri popular, revisão de iniciativa de cidadãos e convenção de cidadãos.

Peço desculpas por omissões, mas o formato deste artigo exigiu a eleição de alguns actores e eventos que considerei mais influentes e representativos das iniciativas no período.

2. Reinventar a Democracia

A discussão pública sobre democracia deliberativa e assembleias cidadãs em Portugal ganhou destaque a partir de 2015, impulsionada por iniciativas académicas e cívicas que visavam revitalizar a participação democrática no país. O ponto de partida significativo foi a publicação do livro Reinventar a Democracia[3]Arriaga, M. (2015). Reinventar a democracia: 5 ideias para um futuro diferente. Lisboa: Editorial Presença., em maio desse ano. O seu lançamento teve repercussão significativa no país. A revista Visão destacou a proposta inovadora de promover uma nova relação entre os cidadãos e a política, inspirando-se em práticas da democracia ateniense e propondo a “deliberação cívica” como meio de aumentar a participação cidadã[4]Visão: https://visao.pt/atualidade/politica/2015-05-07-e-se-os-politicos-fossemos-nosf818902.. O Expresso também abordou o livro, enfatizando a crítica de Arriaga à identificação da democracia apenas com eleições e destacando a necessidade de formas mais participativas de envolvimento cívico[5]Expresso: https://expresso.pt/internacional/2023-02-02-Populismo-As-coisas-correram-mal-quando-identificamos-democracia-com-eleicoes-bce6162c.. No Observador, o livro foi considerado uma das melhores obras sobre democracia deliberativa escritas em português, sendo elogiado por apresentar de forma clara argumentos sobre como a deliberação cívica pode superar a desconfiança no sistema político[6]Observador: https://observador.pt/opiniao/as-assembleias-de-cidadaos-podem-salvar-a-democracia..

Reinventar a Democracia examina criticamente as falhas das democracias representativas contemporâneas, argumentando que os cidadãos comuns estão sistematicamente excluídos das decisões políticas que afetam as suas vidas. O autor sustenta que eleições periódicas não garantem uma representação efetiva, pois os políticos tendem a alinhar-se com interesses de elites económicas e lobbies, distanciando-se das necessidades reais da população. A crise de confiança nas instituições políticas, evidenciada por movimentos como os “Indignados” e “Occupy”, é interpretada como um sintoma de um sistema que já não responde aos cidadãos.

Como resposta, Arriaga propõe cinco medidas concretas para revitalizar a democracia. A principal é a criação de assembleias de cidadãos selecionados aleatoriamente, que, com apoio de especialistas e facilitadores, deliberariam sobre políticas públicas, oferecendo uma alternativa informada e participativa ao modelo parlamentar tradicional. Outras propostas incluem a adoção do voto preferencial (como o sistema de voto único transferível), o reforço dos mecanismos de referendo com painéis de cidadãos informados, a limitação do financiamento político por interesses privados e a criação de assembleias de longo prazo para definir visões estratégicas nacionais.

A participação de Manuel Arriaga em eventos públicos reflete esse compromisso e seleciono alguns no intuito de mapear a circulação do tema.  Em fevereiro de 2019, interveio na 3.ª Conferência Anual da PASC – Casa da Cidadania, em Lisboa, onde debateu, com outros académicos e ativistas, estratégias para dinamizar a intervenção cívica em torno das grandes causas nacionais. Em outubro de 2022, participou na mesa-redonda “Ativismo Público”, em Ponta Delgada, organizada pelo Fórum Açoriano[7]Açoriano Oriental: https://www.acorianooriental.pt/noticia/forum-acoriano-promove-debate-sobre-o-ativismo-publico-343565.. Nessa ocasião, defendeu o potencial das ACs como resposta às limitações da democracia representativa, recorrendo ao exemplo do modelo aplicado em Toronto. Em abril de 2023, integrou uma conversa no ciclo Human Entities 2023, em Lisboa, ao lado do investigador Pedro Magalhães (ICS-ULisboa), com moderação de Catherine Moury (FCSH-NOVA). O diálogo centrou-se nas inovações democráticas e no seu papel na superação de desafios como a crise climática e o défice de representatividade.

3. Fórum dos Cidadãos

Na sequência da publicação do livro em português, em 2016, Arriaga foi um dos cofundadores do Fórum dos Cidadãos[8]Fórum dos Cidadãos: https://www.forumdoscidadaos.org/., uma associação cívica portuguesa dedicada a revitalizar a democracia através da promoção de processos deliberativos, como as assembleias cidadãs.

Entre 2017 e 2020, a entidade organizou diversas iniciativas, incluindo a primeira assembleia cidadã na Universidade Nova de Lisboa, o Fórum das Migrações em parceria com o Teatro Maria Matos, o projeto iDebate com jovens em várias cidades, e um fórum deliberativo em Oeiras sobre ciência e participação cívica. Estas ações envolveram universidades, instituições públicas e a sociedade civil, promovendo a deliberação cidadã em contextos variados.

Entre 2020 e 2022, o projeto DeliberaEscola levou o modelo de minipúblico a 11 agrupamentos escolares nos distritos de Lisboa, Setúbal e Santarém. Os “Conselhos de Alunos”, formados por estudantes sorteados, foram acompanhados por “Jovens Educadores” capacitados pela equipa do projeto. A metodologia inspirou-se na Democracy in Practice[9]A Democracy in Practice é uma organização sem fins lucrativos sediada na Bolívia que se concentra em desafiar as abordagens tradicionais de governança, com foco especial na reinvenção do … Continue a ler e contou com orientação de Adam Cronkright, seu fundador. O projeto teve apoio da Fundação Calouste Gulbenkian e da Direção-Geral da Educação.

Em 2022 e 2023, o Fórum colaborou com a Câmara Municipal de Lisboa e o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) no Conselho de Cidadãos de Lisboa, uma assembleia anual com cerca de 50 munícipes deliberando sobre temas estratégicos. Nesse mesmo ano, Fórum dos Cidadãos e ICS-ULisboa uniram-se à associação ZERO para produzir o manual “Como Organizar Uma Assembleia de Cidadãos para o Clima”[10]Arriaga, M., Falanga, R., Militão, S. (2023). Como Organizar uma Assembleia de Cidadãos para o Clima. Fórum dos Cidadãos/ICS-ULisboa/ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável. … Continue a ler, direcionado às municipalidades, obrigadas pela Lei de Bases do Clima a produzirem Planos Municipais de Ação Climática (PMAC) até fevereiro de 2024.

Em 2024, o Fórum dos Cidadãos foi parceiro da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira na realização de uma Assembleia de Cidadãos para o Clima, centrada no calor urbano excessivo. A iniciativa envolveu novamente o ICS-ULisboa, sob coordenação do investigador Roberto Falanga e teve financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian, através do concurso “Iniciativa de Participação Climática”[11]Fundação Calouste Gulbenkian: https://gulbenkian.pt/clima-e-oceano/iniciativa-de-participacao-climatica/..

4. Extinction Rebellion

Originalmente publicado em dezembro de 2014 como Rebooting Democracy: A Citizen’s Guide to Reinventing Politics[12]Arriaga, Manuel (2014). Rebooting Democracy: A Citizen’s Guide to Reinventing Politics. Disponível em: https://www.rebootdemocracy.org., a versão original em inglês de Reinventar a Democracia tornou-se naquele ano o título sobre democracia mais vendido na Amazon do Reino Unido, precedendo a explosão de popularidade que o sistema obteve no final da década. O lançamento do livro precedeu também a criação da Sortition Foundation[13]Sortition Foundation: https://www.sortitionfoundation.org/., em 2017, e do movimento Extinction Rebellion (XR), em 2018, que tem por objetivo pressionar os governos a agir contra a crise climática e ecológica. Uma das 3 demandas da XR (dizer a verdade, agir agora e decidir juntos) é a criação de assembleias cidadãs. Foi pelas mãos desse movimento que a ideia chegou literalmente às ruas globalmente, em passeatas e bloqueios. Esta menção ao Reino Unido para falar da popularização do modelo em Portugal deve-se ao surgimento de grupos da Extinction Rebellion em Lisboa e Porto em 2019, posteriormente agrupados na Extinction Rebellion Portugal (XRPT), talvez os principais responsáveis por levar a ideia a outros coletivos e movimentos sociais no país.

Naquele momento estive envolvido na tradução de documentos e do site internacional do movimento, quando surgiram dois questionamentos à tradução de “citizens´assembly” para “assembleia de cidadãos”, no contexto do princípio de inclusividade radical da XR. O primeiro questionamento era se passaria a impressão de o modelo excluir residentes que não têm a cidadania. O segundo era se seria possível uma versão que contemplasse a neutralidade de género, já que o termo “assembleia de cidadãos” não poderia ser aplicado a um coletivo de género feminino. A designação em português adotada pela XR foi “assembleia cidadã”.

Embora pareçam equivalentes, os termos carregam implicações muito diferentes quanto à legitimidade e à qualidade democrática. A expressão “assembleia de cidadãos”, em seu sentido denotativo, refere-se simplesmente a uma reunião composta por membros da sociedade civil. Contudo, essa formulação não especifica os critérios de formação do grupo, podendo incluir qualquer conjunto de participantes, mesmo que pouco diverso ou excludente. Assim, uma assembleia formada majoritariamente por representantes de um único grupo social ou político ainda se enquadraria sob essa designação, mesmo sem garantir uma representação efetiva da pluralidade existente na sociedade.

Por outro lado, o termo “assembleia cidadã” carrega um valor conotativo mais profundo, remetendo a uma prática política baseada em princípios de cidadania ativa, deliberação democrática, inclusão social e equidade representativa. Nesse sentido, uma assembleia cidadã não se define apenas pela presença de pessoas com direito à participação, mas pelo compromisso estrutural e ético de garantir que essa participação seja diversa, justa e deliberativa. Experiências como sorteios cívicos, sistemas de representação proporcional e metodologias inclusivas procuram assegurar que diferentes vozes — com diversidade de género, classe, etnia, orientação sexual e território — estejam efetivamente representadas. Esta solução, de certo modo, ajuda também a estabelecer a diferença relativamente a “assembleia popular”, baseada em auto-seleção, onde costuma haver a suposição equivocada de que “vai quem quer”, quando sabe-se que “vai quem pode”.

Neste mesmo período, o termo “assembleias cidadãs” passa a aparecer nos debates entre coletivos ativistas, nas redes sociais e em publicações relacionadas ao Partido Livre nos Açores e Madeira. Contudo, “assembleias de cidadãos” persistiu como a forma adotada por outros partidos, pela comunicação social e em debates académicos. Um exemplo dessa oscilação na designação, dependendo se o alvo é um grupo mais politizado (de esquerda) ou o público em geral, fica evidente na divulgação de um evento do Livre em 2020, do qual participaram Manuel Arriaga (Fórum dos Cidadãos) e José Manuel Azevedo (XR e Livre). O texto no site diz[14]Livre: https://partidolivre.pt/eventos/13-outubro-assembleias-cidadas.:

Os cabeças-de-lista às eleições regionais dos Açores por São Miguel, José Manuel Azevedo e Florbela Carmo, conversam com Manuel Arriaga sobre Assembleias Cidadãs e a sua importância no aprofundamento da democracia. 

O LIVRE propõe aprofundar a democracia nos Açores instituindo uma Assembleia de Cidadãos na dependência do Parlamento Regional, para deliberar sobre assuntos submetidos pelos deputados ou por grupos de cidadãos, incluindo a emissão de pareceres sobre referendos.

A adoção de uma ou outra forma por grupos específicos possibilitaria um mapeamento e uma discussão interessante sobre a propagação de valores e sobre estratégias políticas que, contudo, não são o tema deste artigo.

5. Grupo de Trabalho para Assembleias de Cidadãos em Portugal (GTAC)

O surgimento dos primeiros grupos locais da XR em Portugal teve grande auxílio do Climáximo, um coletivo de ativismo climático fundado em Portugal no início de 2015. Este surgiu no contexto da preparação para COP21 e é conhecido por sua abordagem anti-capitalista e por integrar redes internacionais de justiça climática[15]Arquivo Climáximo: https://arquivo.climaximo.pt/internacional/.. Suas exigências e propostas para a descarbonização da economia influenciaram fortemente estes grupos locais da XR, colocando a demanda por mudanças no sistema político como um passo posterior à interrupção das emissões de gases de efeito estufa. Este foco levou a uma dissidência em 2020, com a criação do coletivo Grupo de Trabalho para Assembleias de Cidadãos em Portugal (GTAC), cujo foco está na advocacia para a mudança do sistema político. Contudo, os três têm colaborado em campanhas específicas, tendo o Climáximo incluído a demanda por ACs em seu abrangente “Plano de Desarmamento e Plano de Paz”, lançado durante o 10º Encontro Nacional por Justiça Climática, em 2025[16]Plano de Desarmamento e Plano de Paz: https://www.climaximo.pt/plano/.. Vale mencionar que o GTAC preferiu aproximar-se do centro político e adotar em suas publicações a designação mais comum “assembleia de cidadãos”.

Em 2020 o GTAC levou as ACs às redes sociais[17]Página do coletivo no Facebook: https://www.facebook.com/AssembleiasDeCidadaosPortugal. e produziu “lives” e “webinars”[18]Playlist de vídeos do coletivo no Youtube: https://www.youtube.com/@assembleiasdecidadaosportugal/playlists. com jornalistas, coletivos e movimentos sociais ligados a temas como ambiente, habitação e participação democrática, defendendo a integração do modelo deliberativo no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Em 2021, a proposta de criação de ACs foi levada pelo GTAC a candidaturas presidenciais, partidos parlamentares (apenas PAN, PSD, PEV, BE concederam audiências)[19]Também houve reuniões com partidos sem assento no parlamento: Nós Cidadãos, VOLT, Livre e PDR. e às deputadas não-inscritas, o que resultou no apoio público de Joacine Katar Moreira no site do Fórum dos Cidadãos e na moção do PAN para incluir ACs no PRR[20]RTP: PAN quer “assembleia de cidadãos” sem filiação partidária a controlar … Continue a ler, anunciada pela sua líder, Inês Sousa Real, numa declaração política em plenário. Nas eleições autárquicas desse ano o tema esteve presente em candidaturas do Nós Cidadãos, movimento Cidadãos por Aveiro, VOLT, PAN, Livre, PS e PSD[21]Na comunicação social houve menções a “assembleias de cidadãos” por: Rafael Pinto (PAN) e Teresa Mota (Livre), em Braga; Diamantino Raposinho (Livre) no Porto; David Iguaz (Movimento … Continue a ler. Eleito nesse pleito municipal, Carlos Moedas criou o Conselho de Cidadãos de Lisboa (CCL), uma promessa de campanha[22]Moedas, C. (2021). Programa Eleitoral – Lisboa. https://lisboa2021.psd.pt/.,[23]A Mensagem: Conselho de Cidadãos de Moedas avança, mas com críticas da oposição como a “falta de representatividade étnico-racial”: … Continue a ler.

Em 2022, em resposta à maioria absoluta do PS no Parlamento, o GTAC lançou a campanha, ainda em curso, para criação do movimento de cidadãos FUTURO[24]FUTURO Democrático: https://www.futurodemocratico.pt/., inspirado no The Agora Movement (Bélgica) e no The Burning Pink Party (Reino Unido), partidos que se propuseram a utilizar ACs como meio e fim. Esta iniciativa tem, entre seus organizadores, ex-membros do movimento Cidadãos por Aveiro. Segundo o GTAC, esta é uma via para se buscar, dentro do sistema eleitoral, as mudanças constitucionais necessárias para a criação de ACs permanentes e vinculativas sem uma ruptura institucional.

Em 2024, no contexto dos 50 anos do 25 de Abril, o GTAC e a XRPT promoveram a criação do manifesto “Mais Democracia >> Assembleias Cidadãs[25]Manifesto Mais Democracia: https://www.manifestomaisdemocracia.org/., que propõe a integração da democracia deliberativa no quadro constitucional. A seguir, iniciou-se uma campanha, ainda em curso, para uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos com esse fim. Esta campanha foi subscrita por dezenas de coletivos, como Climáximo, DiEM25, Rede para o Decrescimento e Morar em Lisboa; associações como Campo Aberto, CooLabora, Força Africana e MUBi; pelo Partido Volt e por lideranças tão diversas como José Carlos Mota (Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da Universidade de Aveiro)[26]https://www.ua.pt/dcspt, Rita Castel’ Branco (REDE-H, Lisboa), Marta Cortegano (Terra Sintrópica, Mértola), Ana Milhazes (blog Ana, Go Slow) e Joana Guerra Tadeu (RTP e blog Ambientalista Imperfeita).

Iniciativa semelhante surgiu ainda em 2024. Manuel Arriaga, um dos subscritores do Manifesto Mais Democracia, participou das Comissões de Cidadãos, promovidas pel´ Os 230, projeto encabeçado por Francisco Cordeiro de Araújo, paracontribuir para o reforço da nossa Democracia, contrariando a divisão, polarização e entrincheiramento na sociedade portuguesa, bem como o afastamento dos cidadãos em relação ao mundo político[27]Os 230, Comissões de Cidadãos: https://www.os230.pt/comissao-dos-cidadaos/.. Na Comissão de Cidadãos para Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Arriaga colaborou numa proposta de acto legislativo para 1) Regulamentar as assembleias de cidadãos e, assim, facilitar e promover a sua adopção em Portugal aos vários níveis de governo. 2) Estabelecer uma Comissão de Acompanhamento das Assembleias de Cidadãos (CAAC), um órgão consultivo dedicado a assessorar a implementação destes processos participativos[28]Os 230, Proposta de Assembleias de Cidadãos: https://www.os230.pt/wp-content/uploads/2025/01/Proposta-01_03-Assembleias-de-Cidadaos.docx.pdf..

6. ICS-ULisboa

Na última década Portugal tem assistido a um crescente interesse académico e institucional pela democracia deliberativa, refletido em eventos, projetos de investigação e publicações que exploram a participação cidadã e os desafios contemporâneos das democracias. Neste contexto, destaca-se o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa), envolvido em várias das principais iniciativas recentes.

Novamente, com o intuito de mapear, seleciono alguns eventos mais relacionados ao tema do artigo. Em 2022, a sessão “Desafios da Democracia Deliberativa e Participativa”, organizada pela Fundação Mário Soares e Maria Barroso, reuniu especialistas para discutir possibilidades e limitações da democracia deliberativa no contexto português. Em 2023, a publicação Democracia em Portugal 2022, do Observatório da Qualidade da Democracia do ICS-ULisboa, reuniu contributos de cientistas políticos sobre a evolução da participação política, os níveis de representatividade e os principais indicadores da qualidade democrática no país. Neste livro, é de maior interesse para este artigo o capítulo “Democracia deliberativa em Portugal: aprendendo com a primeira edição do Conselho de Cidadãos de Lisboa”[29]Falanga, R. (2023). Democracia deliberativa em Portugal: aprendendo com a primeira edição do Conselho de Cidadãos de Lisboa. In Camerlo, M., Pimenta, D., Lima, J. G. de, Hanenberg, L. (Eds.) … Continue a ler, onde Roberto Falanga analisa as práticas e desafios das ACs no contexto português, enfatizando a necessidade de institucionalizar estas práticas para garantir a sua eficácia e impacto.

Falanga, mencionado anteriormente em iniciativas conjuntas do ICS-ULisboa com o Fórum dos Cidadãos, desempenha um papel central na promoção e investigação da democracia deliberativa no país. Tem participado em projetos nacionais e internacionais que exploram inovações democráticas, com foco na inclusividade e interseccionalidade, e tem-se dedicado ao estudo e implementação de mecanismos como ACs e orçamentos participativos. Sob a sua coordenação, o ICS-ULisboa foi uma entidade externa convidada a produzir avaliações[30]Conselho de Cidadãos de Lisboa:  https://lisboaparticipa.pt/pt/conselho-cidadaos/documentos. do Conselho de Cidadãos de Lisboa (CCL).

7. Conselho de Cidadãos de Lisboa

O Conselho de Cidadãos de Lisboa (CCL), iniciado em 2022, teve um papel importante na divulgação e valorização da democracia deliberativa em Portugal, funcionando como um marco simbólico e prático da introdução institucionalizada das ACs no país. Trata-se da primeira iniciativa de ACs regulares promovida por uma autarquia portuguesa, o que confere visibilidade ao modelo junto de decisores políticos, meios de comunicação e da sociedade civil. Assim, o CCL funcionou como um catalisador de debate público e académico sobre a viabilidade e o valor democrático das assembleias cidadãs. A sua realização estimulou outras entidades, incluindo universidades, fundações e organizações da sociedade civil, a discutir e explorar formas deliberativas de governação.

Entretanto, a 1ª edição suscitou reações diversas, refletindo tanto entusiasmo quanto ceticismo em relação à sua eficácia como instrumento de democracia deliberativa e enfrentou críticas significativas. Partidos da oposição, como o PS, PCP, BE, Livre e o movimento Cidadãos Por Lisboa, questionaram a transparência do processo, a representatividade dos participantes e a efetiva implementação das propostas resultantes das deliberações. Além disso, alguns participantes expressaram sentir-se utilizados para “marketing político”, alegando que as suas contribuições não foram consideradas nas decisões políticas subsequentes[31]Público: https://www.publico.pt/2023/03/15/local/noticia/membros-conselho-cidadaos-lisboa-dizemse-usados-marketing-politico-2042407.. Críticas adicionais apontaram para o sorteio dos participantes ter partido de uma base de inscrições voluntárias, o que poderia comprometer a representatividade e abrir espaço para a influência de grupos organizados. A falta de remuneração dos participantes também foi destacada como uma barreira à inclusão de cidadãos de diferentes contextos socioeconómicos[32]Observador: https://observador.pt/opiniao/algumas-criticas-ao-conselho-de-cidadaos-de-lisboa/..

Inspirado em modelos deliberativos adotados em cidades como Paris e Madrid, o CCL teve edições temáticas anuais: “Alterações Climáticas” (2022), “Cidade dos 15 Minutos” (2023) e “Como construir uma Lisboa que cuida?” (2024). A 4ª edição, “A Lisboa do dia a dia” (2025), em ano eleitoral, ocorreu nos dias 24 e 31 de maio, incidindo numa enormidade de áreas – mobilidade, segurança, espaço público, higiene urbana e cultura & imigração – o que o coloca novamente sob suspeita de “marketing político”.

No artigo “Democracia deliberativa em Portugal: aprendendo com a primeira edição do Conselho de Cidadãos de Lisboa”[33]Falanga, R. (2023). Falanga reconhece que o CCL representou uma inovação positiva ao introduzir um modelo de democracia deliberativa em Lisboa, envolvendo cidadãos comuns na tomada de decisões sobre políticas climáticas. Apesar de partir de um universo auto-selecionado, entende que a seleção aleatória e certa diversidade dos participantes contribuíram para uma representação mais justa da população. Além disso, entende que o processo estruturado com apoio de facilitadores e especialistas, garantiu um ambiente relativamente informado e equilibrado para o debate e que essa abordagem reforçou a confiança dos participantes nas instituições e na sua própria capacidade de contribuir para o bem público.

Entre os aspetos negativos, o capítulo destaca a dificuldade de integração das deliberações do CCL nas estruturas políticas tradicionais. A ausência de garantias claras sobre o impacto efetivo das recomendações gerou incertezas quanto à utilidade prática do processo. Essa limitação pode comprometer a perceção pública de legitimidade e eficácia, especialmente se os participantes perceberem que suas contribuições não influenciam decisões concretas. Houve também desafios na comunicação dos resultados e no acompanhamento posterior, o que enfraqueceu a continuidade e o potencial transformador da iniciativa. Outro ponto crítico referiu-se à sustentabilidade do modelo: a realização pontual do CCL não assegura um mecanismo estável de participação cidadã ao longo do tempo. O autor sugere que, para além do entusiasmo inicial, é necessário institucionalizar esse tipo de prática, garantindo recursos, apoio político e rotinas administrativas. Sem esse compromisso, o risco é que o CCL permaneça uma experiência isolada, com impacto limitado na cultura democrática portuguesa[34]O que são, o que não são e o que podem vir a ser as assembleias de cidadãos. Uma reflexão sobre o Conselho de Cidadãos de Lisboa: … Continue a ler.

A avaliação da segunda edição[35]Conselho de Cidadãos de Lisboa:  https://lisboaparticipa.pt/pt/conselho-cidadaos/documentos. não difere muito nos pontos positivos e negativos. O tema escolhido foi considerado pertinente, mas demasiado abstrato, tendo sido subdividido em cinco blocos temáticos. A coordenação interna e a colaboração entre as entidades envolvidas foram consideradas globalmente positivas, mas houve limitações no tempo de preparação e na coordenação com serviços técnicos da Câmara Municipal de Lisboa (CML). A deliberação decorreu ao longo de dois dias e as dinâmicas participativas foram bem recebidas, com elevada taxa de retenção de participantes. Contudo, o impacto da experiência sobre mudanças de opinião foi modesto, e a confiança interpessoal ou o interesse pela política não sofreram variações estatisticamente significativas. Finalmente, o relatório sublinhou a importância de assegurar mecanismos de seguimento das propostas, destacando o papel inovador dos “embaixadores” eleitos entre os participantes para manter o diálogo com a CML.

A avaliação da terceira edição parece mais condescendente. Há o dado positivo de que o envio de cartas-convite personalizadas a uma amostra aleatória de residentes, com base em dados demográficos, resultou na mobilização de grande parte dos participantes. O sorteio foi estratificado por género, idade, localização e situação socioeconómica, o que o relatório considerou “diversificado e representativo”. Entretanto, dos 50 participantes, 31 eram do género feminino, a média das idades foi de 52,9 anos e a maioria tinha formação a nível do ensino superior, com destaque para licenciaturas e mestrados, o que não reflete os dados demográficos de Lisboa. A maioria dos participantes indicou disposição para participar novamente em eventos semelhantes, mas revelou dúvidas sobre a influência do CCL na tomada de decisões públicas. As sugestões tiradas incluem mais informações sobre os temas debatidos antes do início das sessões deliberativas e maior duração destas sessões. Não houve mudanças significativas na confiança institucional em relação a partidos e políticos, apesar de um ligeiro aumento na confiança na CML, relativamente a um nível inicial baixo.

Numa avaliação conjunta das três edições, o CCL revela avanços na promoção da democracia deliberativa em contexto local, mas também limitações persistentes que comprometem o seu impacto estruturante. A progressiva sofisticação metodológica e o esforço por garantir diversidade e inclusão evidenciam uma aprendizagem institucional positiva. No entanto, questões como a representatividade efetiva, a duração limitada das deliberações, a escassa integração dos resultados nas decisões políticas e a ausência de mecanismos de continuidade minam o potencial transformador da iniciativa. Para que o CCL não se limite a um exercício simbólico, torna-se imperativo institucionalizar práticas deliberativas com recursos estáveis, vontade política e ligação orgânica a outros instrumentos de participação, assegurando que as vozes dos cidadãos não apenas sejam ouvidas, mas efetivamente consideradas na governação da cidade.

8. Iniciativas de Participação Climática

Na sequência do CCL sobre “Alterações Climáticas”, a “Iniciativa de Participação Climática”, promovida pela Fundação Calouste Gulbenkian em 2023-24, promoveu o envolvimento de forma mais direta e significativa dos cidadãos na ação climática, com especial enfoque nos níveis local e comunitário. Assente na premissa de que os desafios ambientais contemporâneos exigem não apenas soluções técnicas, mas também formas mais democráticas e inclusivas de decisão política, a iniciativa procurou criar condições para a experimentação e institucionalização de práticas participativas. Com esse objetivo, a fundação lançou um concurso público que resultou na seleção de 11 projetos, escolhidos entre 139 candidaturas e valorizou a criação de processos participativos que integrassem cidadãos, autarquias, organizações da sociedade civil e instituições científicas.

Entre os projetos selecionados, o de Vila Franca de Xira (citado anteriormente) e o de Póvoa de Varzim propuseram a criação de uma Assembleia de Cidadãos para o Clima, ambos no contexto da elaboração do Plano Municipal de Ação Climática (PMAC). Em Póvoa de Varzim, vale mencionar o papel do Centro do Clima[36]Centro do Clima: https://centrodoclima.pt/., então liderado por Pedro Macedo, que mediante diferentes metodologias já buscava envolver a população na definição de estratégias municipais de mitigação e adaptação climática. A assembleia foi selecionada a partir de inscrições e organizada em grupos de trabalho temáticos[37]Câmara Municipal de Póvoa de Varzim: https://www.cm-pvarzim.pt/comunicacao/noticias/povoa-de-varzim-recebe-assembleia-de-cidadaos-para-o-clima/.. Outro projeto que propôs ACs foi o da Associação para a Defesa do Ambiente do Concelho da Lourinhã[38]Lourambi: https://sites.google.com/view/lourambi/projetos/guarda-rios-lourinh%C3%A3., que promoveu a Assembleia de Cidadãos Guarda-Rios Lourinhã, contando com o apoio do FUTURO[39]FUTURO: https://www.futurodemocratico.pt/#eventos. na sua organização.

Sem ligação com a Fundação Gulbenkian, mas ligada à participação climática, houve recentemente a “Assembleia de Cidadãos do Bairro C: Compromisso Carbono Zero” promovida pela Câmara Municipal de Guimarães, em parceria com o Laboratório da Paisagem e a RdA, no âmbito do programa europeu NetZeroCities. Realizada entre julho de 2024 e fevereiro de 2025, esta assembleia teve como objetivo envolver os cidadãos na definição de estratégias locais para a descarbonização urbana[40]Laboratório da Paisagem: https://labpaisagem.pt/noticia/assembleia-de-cidadaos-do-bairro-c-compromisso-carbono-zero/.. Composta por até 100 participantes, selecionados a partir de inscrições por critérios de género, idade e origem geográfica dentro do concelho, a assembleia decorreu em três sessões que trataram de propostas para energia, mobilidade, resíduos, economia circular, áreas verdes e biodiversidade.

Todas estas iniciativas apontaram para a criação de espaços deliberativos inovadores, muitas vezes para atender a exigências de participação cidadã da Constituição Portuguesa ou de programas da Comissão Europeia, mas não dispuseram de recursos suficientes ou do compromisso político para cumprir todas as características que definem uma assembleia cidadã.

9. Características das Assembleias Cidadãs

Mencionei na Introdução que a bibliografia sugere quatro características principais para uma assembleia cidadã: 1) Seleção aleatória e representatividade descritiva, 2) Processo deliberativo, 3) Independência e transparência e 4) Impacto político, que podem servir de critérios para avaliar a legitimidade e a eficácia das experiências ocorridas na última década em Portugal. A estas características podemos adicionar a existência de órgãos e processos elencados no The Extinction Rebellion Guide to Citizens’ Assemblies[41]The Extinction Rebellion Guide to Citizens’ Assemblies: … Continue a ler:

  • ÓRGÃOS
    • Grupo de Coordenação
    • Conselho Consultivo
    • Painel de Especialistas / Partes Interessadas
    • Equipa de Facilitação
    • Painel de Supervisão
    • Grupo de Acompanhamento
  • PROCESSOS
    • Definição do tema e dos órgãos
    • Convite Aleatório
    • Amostragem Estratificada
    • Fase de Aprendizado / Materiais de Instrução
    • Fase de Consulta
    • Fase de Deliberação
    • Fase de Decisão

Quanto às características principais, pode-se dizer que:

  1. Ainda não houve em Portugal nenhum processo onde o universo dos participantes não surgiu de um grupo auto-selecionado por inscrições. Mesmo com convites enviados aleatoriamente e amostragem estratificada, sempre a participação esteve aberta à influência de grupos de interesse, foi composta desproporcionalmente por cidadãos privilegiados e nunca espelhou satisfatoriamente o perfil demográfico das jurisdições.
  2. Ainda que as dinâmicas de participação tenham agradado os membros das assembleias, na maioria dos casos questionou-se a suficiência da informação disponibilizada, o enviesamento dos especialistas (frequentemente do corpo técnico dos promotores), a abrangência dos temas e a curta duração dos processos.
  3. A organização, mesmo contando com entidades independentes, esteve sempre condicionada pelos promotores, na maioria das vezes Câmaras Municipais. Em geral faltou transparência às decisões que antecederam os processos, bem como faltou publicização das informações que foram fornecidas às assembleias.
  4. Em nenhum caso as recomendações foram vinculativas e não encontrei registos de terem sido implementadas integralmente, inclusive porque as curtas durações das fases de aprendizado e deliberação levaram normalmente a recomendações genéricas.

Quanto aos órgãos e processos, comumente o papel da entidade independente no Grupo de Coordenação tem se resumido à amostragem estratificada das inscrições e, às vezes, à indicação da Equipa de Facilitação, ficando a cargo dos promotores o enquadramento dos temas e a indicação do Painel de Especialistas. Por exemplo, o tema do CCL é definido pelo Presidente da CML (Câmara Municipal de Lisboa). Nos casos relatados, não encontrei registos de Conselhos Consultivos a estabelecer critérios para a produção de material de aprendizagem e escolha de especialistas de forma equilibrada. Somente no CCL encontrei um Painel de Supervisão independente, ainda que na 1ª e 2ª edições formado por apenas uma instituição. Também somente no CCL encontrei um Grupo de Acompanhamento, a partir da última edição. Assim, mesmo que sujeito a questionamentos quanto à sua legitimidade e eficácia, o CCL foi a experiência mais estruturada de ACs na última década em Portugal.

10. Conclusão

A revisão desenvolvida evidencia que, apesar do entusiasmo crescente em torno das assembleias cidadãs em Portugal entre 2015 e 2025, a sua consolidação enquanto instrumento deliberativo institucional permanece frágil e marcada por limitações estruturais. As iniciativas mapeadas, embora diversas em formato e promotor, falharam frequentemente em satisfazer princípios como a representatividade descritiva via convite aleatório e amostragem estratificada, a deliberação sustentada por informação plural e fiável, a independência organizacional e o impacto político efetivo.

Casos emblemáticos como o CCL demonstraram algum avanço metodológico, mas mantiveram lacunas significativas em termos de impacto político e de inclusão efetiva de setores socialmente sub-representados, dada a persistência de modelos de participação baseados em inscrições voluntárias. Experiências mais recentes, como as assembleias realizadas no contexto da Iniciativa de Participação Climática da Fundação Calouste Gulbenkian ou o projeto “Bairro C” em Guimarães, reforçam a tendência de apropriação institucional do modelo, embora continuem limitadas pela ausência de estruturas regulatórias e pela dependência da vontade política local.

Importa reconhecer que o valor democrático destas experiências não reside unicamente nos seus resultados normativos, mas também na sua função pedagógica e simbólica. Ainda assim, o risco de estas assembleias se transformarem em dispositivos meramente consultivos — ou mesmo de marketing político — deve ser levado a sério. Sem dispositivos legais que garantam estabilidade, autonomia e integração institucional dos resultados, as assembleias cidadãs poderão tornar-se experiências episódicas com impacto marginal no funcionamento do sistema político.

A institucionalização robusta destas práticas exige, portanto, uma dupla transformação: por um lado, a criação de enquadramentos normativos e operacionais que assegurem a sua legitimidade democrática; por outro, a reconfiguração da cultura política dominante, ainda fortemente centrada na delegação representativa e na tecnocracia decisional. A médio prazo, assembleias cidadãs bem concebidas e efetivamente integradas nos ciclos políticos poderão contribuir para superar o défice de participação, restaurar a confiança cívica e aprofundar a qualidade da democracia portuguesa.

References
1 Membro dos coletivos XRPT (Extinction Rebellion Portugal) e GTAC (Grupo de Trabalho para Assembleias de Cidadãos em Portugal). Mestre em Habitação e Urbanismo pela Architectural Association (Open University, Reino Unido).
2 Por exemplo, John Gastil and Erik Olin Wright (2019), Legislature by Lot: Transformative Designs for Deliberative Governance. London: Verso e Terrill G. Bouricius (2013), Democracy Through Multi-Body Sortition: Athenian Lessons for the Modern Day. Journal of Public Deliberation: Vol. 9 : Iss. 1 , Article 11.
3 Arriaga, M. (2015). Reinventar a democracia: 5 ideias para um futuro diferente. Lisboa: Editorial Presença.
4 Visão: https://visao.pt/atualidade/politica/2015-05-07-e-se-os-politicos-fossemos-nosf818902.
5 Expresso: https://expresso.pt/internacional/2023-02-02-Populismo-As-coisas-correram-mal-quando-identificamos-democracia-com-eleicoes-bce6162c.
6 Observador: https://observador.pt/opiniao/as-assembleias-de-cidadaos-podem-salvar-a-democracia.
7 Açoriano Oriental: https://www.acorianooriental.pt/noticia/forum-acoriano-promove-debate-sobre-o-ativismo-publico-343565.
8 Fórum dos Cidadãos: https://www.forumdoscidadaos.org/.
9 A Democracy in Practice é uma organização sem fins lucrativos sediada na Bolívia que se concentra em desafiar as abordagens tradicionais de governança, com foco especial na reinvenção do governo estudantil. https://democracyinpractice.org/.
10 Arriaga, M., Falanga, R., Militão, S. (2023). Como Organizar uma Assembleia de Cidadãos para o Clima. Fórum dos Cidadãos/ICS-ULisboa/ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável. https://zero.ong/wp-content/uploads/2023/10/Folheto-informativo_Assembleia-de-cidadaos-para-o-clima.pdf.
11 Fundação Calouste Gulbenkian: https://gulbenkian.pt/clima-e-oceano/iniciativa-de-participacao-climatica/.
12 Arriaga, Manuel (2014). Rebooting Democracy: A Citizen’s Guide to Reinventing Politics. Disponível em: https://www.rebootdemocracy.org.
13 Sortition Foundation: https://www.sortitionfoundation.org/.
14 Livre: https://partidolivre.pt/eventos/13-outubro-assembleias-cidadas.
15 Arquivo Climáximo: https://arquivo.climaximo.pt/internacional/.
16 Plano de Desarmamento e Plano de Paz: https://www.climaximo.pt/plano/.
17 Página do coletivo no Facebook: https://www.facebook.com/AssembleiasDeCidadaosPortugal.
18 Playlist de vídeos do coletivo no Youtube: https://www.youtube.com/@assembleiasdecidadaosportugal/playlists.
19 Também houve reuniões com partidos sem assento no parlamento: Nós Cidadãos, VOLT, Livre e PDR.
20 RTP: PAN quer “assembleia de cidadãos” sem filiação partidária a controlar fundos. https://www.rtp.pt/noticias/economia/pan-quer-assembleia-de-cidadaos-sem-filiacao-partidaria-a-controlar-fundos_n1321554.
21 Na comunicação social houve menções a “assembleias de cidadãos” por: Rafael Pinto (PAN) e Teresa Mota (Livre), em Braga; Diamantino Raposinho (Livre) no Porto; David Iguaz (Movimento Cidadãos por Aveiro); Jorge Monteiro (Cidadãos Por Coimbra); Filipe Honório (Livre) em Leiria; Sofia Afonso Ferreira (Nós, Cidadãos), Manuela Gonzaga (PAN), Carlos Moedas (PSD) e Tiago Matos Gomes (Volt) em Lisboa; Miguel Dias (PAN) no Montijo; Maria João Sacadura (PAN) em Lagos; Mafalda Gonçalves (PS) em Santa Cruz; Paulo De Mendonça (PAN) em Oeiras; António Souza (Volt) em Alvalade; Vasco Silva (Livre) em Barreiros.
22 Moedas, C. (2021). Programa Eleitoral – Lisboa. https://lisboa2021.psd.pt/.
23 A Mensagem: Conselho de Cidadãos de Moedas avança, mas com críticas da oposição como a “falta de representatividade étnico-racial”: https://www.am-lisboa.pt/101000/1/018037,052022/index.htm.
24 FUTURO Democrático: https://www.futurodemocratico.pt/.
25 Manifesto Mais Democracia: https://www.manifestomaisdemocracia.org/.
26 https://www.ua.pt/dcspt
27 Os 230, Comissões de Cidadãos: https://www.os230.pt/comissao-dos-cidadaos/.
28 Os 230, Proposta de Assembleias de Cidadãos: https://www.os230.pt/wp-content/uploads/2025/01/Proposta-01_03-Assembleias-de-Cidadaos.docx.pdf.
29 Falanga, R. (2023). Democracia deliberativa em Portugal: aprendendo com a primeira edição do Conselho de Cidadãos de Lisboa. In Camerlo, M., Pimenta, D., Lima, J. G. de, Hanenberg, L. (Eds.) (2023). Democracia em Portugal 2022 – Caderno do Observatório da Qualidade da Democracia, pp. 89-104. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais (Coleção Observatórios).
30, 35 Conselho de Cidadãos de Lisboa:  https://lisboaparticipa.pt/pt/conselho-cidadaos/documentos.
31 Público: https://www.publico.pt/2023/03/15/local/noticia/membros-conselho-cidadaos-lisboa-dizemse-usados-marketing-politico-2042407.
32 Observador: https://observador.pt/opiniao/algumas-criticas-ao-conselho-de-cidadaos-de-lisboa/.
33 Falanga, R. (2023).
34 O que são, o que não são e o que podem vir a ser as assembleias de cidadãos. Uma reflexão sobre o Conselho de Cidadãos de Lisboa: https://ambienteterritoriosociedade-ics.org/2023/02/01/o-que-sao-o-que-nao-sao-e-o-que-podem-vir-a-ser-as-assembleias-de-cidadaos-uma-reflexao-sobre-o-conselho-de-cidadaos-de-lisboa.
36 Centro do Clima: https://centrodoclima.pt/.
37 Câmara Municipal de Póvoa de Varzim: https://www.cm-pvarzim.pt/comunicacao/noticias/povoa-de-varzim-recebe-assembleia-de-cidadaos-para-o-clima/.
38 Lourambi: https://sites.google.com/view/lourambi/projetos/guarda-rios-lourinh%C3%A3.
39 FUTURO: https://www.futurodemocratico.pt/#eventos.
40 Laboratório da Paisagem: https://labpaisagem.pt/noticia/assembleia-de-cidadaos-do-bairro-c-compromisso-carbono-zero/.
41 The Extinction Rebellion Guide to Citizens’ Assemblies: https://extinctionrebellion.uk/wp-content/uploads/2019/06/The-Extinction-Rebellion-Guide-to-Citizens-Assemblies-Version-1.1-25-June-2019.pdf.
ARQUIVOS
[1]Membro dos coletivos XRPT (Extinction Rebellion Portugal) e GTAC (Grupo de Trabalho para Assembleias de Cidadãos em Portugal). Mestre em Habitação e Urbanismo pela Architectural Association (Open … Continue a ler Resumo: Este artigo trata da presença das assembleias cidadãs em Portugal na última década. Como surgem e crescem na discussão" data-link="https://sinergiased.org/assembleias-cidadas-em-portugal-2015-25/">

Compartilhe nas suas redes

References
1 Membro dos coletivos XRPT (Extinction Rebellion Portugal) e GTAC (Grupo de Trabalho para Assembleias de Cidadãos em Portugal). Mestre em Habitação e Urbanismo pela Architectural Association (Open University, Reino Unido).