Carlota Quintão[1]Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto – CEAUP., Joana Costa[2]Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto – CEAUP., Marta da Costa[3]Manchester Metropolitan University, UK. & Sara Borges[4]Fundação Gonçalo da Silveira – FGS. Estudante do mestrado em Cooperação Internacional e Educação Emancipadora da Universidade do País Basco.

No ano em que se assinalaram os 50 anos da revolução de 25 de Abril de 1974, marco emblemático da transição democrática em Portugal, e perante um cenário político nacional, europeu e global marcado pelo avanço de extremismos, polarizações, guerras e ameaças ao bem comum, a Comunidade Sinergias ED fez um caminho de reflexão crítica sobre as suas práticas educativas e de produção de conhecimento em torno da democracia. Esse caminho, que incluiu uma dimensão experiencial e outra mais reflexiva e meta-reflexiva, conduziu-nos à construção deste texto.

Imagine que a democracia é uma canção tradicional que nos ensinam na infância e que, ao longo das nossas vidas, o nosso papel é saber interpretá-la. Por vezes a democracia é enérgica, soando forte e animada. Ao seu ritmo dançamos de mãos dadas, em roda, integrando os nossos corpos em sonhos partilhados de uma humanidade esperada. Mas, noutros casos, é apenas um lamento, um carpido lastimoso num hemisfério desnorteado e num hemiciclo desvirtuado. Aprendemos a interpretar, cantar e dançar a democracia a várias vozes e com vários ritmos, dependendo dos nossos contextos. Por vezes, até aprendemos a estranhá-la e a rejeitá-la no seu ritmo descompassado. E há momentos em que, talvez pela ausência daquela versão original que nos ensinaram e que ambicionamos para o nosso presente, ou mesmo pelo seu silenciamento, sentimos necessidade de aprender novas formas de a interpretar a partir de novos ritmos, arranjos e instrumentalizações. Este texto é o resultado de um processo de reaprendizagem da democracia, num diálogo descompassado entre experiências nascidas de práticas da Comunidade Sinergias ED ao longo de 2024 e 2025, teorias ligadas ao pensamento decolonial e uma vontade existencial de criar novas formas de podermos continuar a interpretar a canção da democracia nas vidas.

Primeiro arranjo e instrumentalização da canção

À oliveira democrática, o vento leva a flor
Ó i ó ai é tempo de celebrá-la
Ó i ó ai e defendê-la com fervor

Ao longo de 2024, na Comunidade Sinergias ED, enquanto comunidade de práticas colaborativas que junta membros de organizações da sociedade civil e da academia envolvidos na Educação para o Desenvolvimento e Cidadania Global (EDCG) em Portugal, orientamos as nossas práticas educativas e processos comunitários de produção de conhecimento, celebrando e questionando o conceito de democracia, no seu brilho e na sua sombra (Mignolo, 2018).

A construção colaborativa da chamada de trabalhos[5]Aceda à chamada de trabalhos na seguinte ligação: https://sinergiased.org/wp-content/uploads/2024/05/RS-17_Chamada-de-trabalhos.pdf para o número 17 da revista Sinergias – diálogos educativos para a transformação social[6]Esta é uma revista de cariz científico, com um processo de revisão por pares, que se pretende constituir enquanto plataforma internacional de discussão e reflexão concetual, metodológica e … Continue a ler, em maio de 2024, inaugurou este percurso. Propusemo-nos, com este número, levar a reflexão para além da democracia enquanto forma de governo, e mais enquanto forma de agência política que é plural. Sob o tema Democracia(s): transformando paradigmas opressivos de poder através da Educação para o Desenvolvimento[7](Aceda ao número 17 da revista Sinergias na seguinte ligação: https://sinergiased.org/revistas/democracias-transformando-paradigmas-opressivos-de-poder-atraves-da-educacao-para-o-desenvolvimento/, convocaram-se contributos que pudessem interrogar estruturas de poder, visibilizar alternativas e reconhecer a democracia como um processo dialógico em constante (re)construção. Com um olhar crítico e esperançoso, o número criado integrou textos escritos em português, espanhol e inglês de diferentes geografias, permitindo-nos pensar possíveis caminhos de reforço do papel da Educação para o Desenvolvimento e Cidadania Global (EDCG) na construção de sociedades democráticas mais justas, inclusivas e participadas.

Seguiu-se a edição de 2024 da Escola Comunitária Sinergias ED, realizada em julho na Golegã. Sob o tema Liberdades, Democracias e Polarizações: narrativas e posicionamentos num palco educativo transformador[8](Aceda ao documento de apresentação da edição de 2024 da Escola Comunitária Sinergias ED na seguinte ligação: https://sinergiased.org/wp-content/uploads/2024/05/EC-2024-Doc.-Apresentacao.pdf, pudemos experienciar um espaço residencial e imersivo, onde o Teatro Comunidade serviu como linguagem para dar corpo a vozes, emoções e tensões democráticas. Em autogestão e através da aprendizagem entre pares, envolvemo-nos coletivamente no diálogo e discussão em torno da participação e da polarização, materializamos dilemas, encenamos simbolicamente os palcos que desejaríamos habitar e questionamos qual o papel da EDCG e da Transformação Social em tudo isto. Para sistematizarmos as aprendizagens realizadas durante a escola comunitária, foi criado um podcast com três episódios[9]Aceda ao podcast criado na seguinte ligação: https://open.spotify.com/show/7nHR3JHrpwXVohd2xiMUPI.

Em outubro de 2024, a reflexão alargou-se ao contexto europeu, com a realização da mesa-redonda Democracy(ies) and Development Education – insights from European contexts, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Neste evento, promovido em colaboração com a Academic Network on Global Education & Learning (ANGEL) e o Global Education Network Europe (GENE), reunimo-nos com pessoas académicas de diversos países europeus e reforçou-se a importância da EDCG como resposta aos avanços autoritários e conservadores na Europa. Num espaço multilíngue e intercultural, foi sublinhada a necessidade de fortalecer as democracias através de práticas educativas que promovam justiça social, a escuta mútua e a literacia crítica.

Em novembro de 2024, realizamos um encontro da Comunidade Sinergias ED, em Lisboa, intitulado Democracia(s) e Educação para o Desenvolvimento. A partir das experiências das pessoas participantes, refletimos sobre qual o papel da EDCG na democracia. Começamos com um primeiro passo de reflexão individual, um segundo de leitura do artigo desinstalador da investigadora Marta da Costa (2022) “Ugly democracy: towards epistemic disobedience in development education” onde é apresentada a sua ferramenta performativa DEMOS, um terceiro de discussão deste artigo em pequenos grupos e um último de partilha em plenário. Este encontro deu origem a uma memória narrativa que integrou os registos deste dia de trabalho.

Conforme o ano de 2024 se aproximava do seu fim, tanto o contexto internacional como o nacional nos impeliam para continuar a trabalhar as questões e problemáticas que unem EDCG, transformação social e democracia. Assim, tendo como ponto de partida os vários documentos e recursos multimedia produzidos a partir das mesmas, enquanto equipa do projeto Sinergias ED, decidimos agregar num mesmo documento as várias ideias, reflexões e aprendizagens que haviam resultado das atividades levadas a cabo em 2024 dedicadas à democracia, por forma a podermos devolvê-las à comunidade e iniciar um processo de sistematização das mesmas a partir de diferentes dimensões.

Este documento agregador foi o ponto de partida para, em janeiro de 2025, em Comunidade Sinergias ED, nos voltarmos a reunir na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, num encontro dedicado ao tema Questionando a(s) Democracia(s) pelo olhar da Educação para o Desenvolvimento. Este encontro começou com um diálogo presencial com a investigadora Marta da Costa, que partilhou o percurso da construção do artigo anteriormente explorado. A sua abordagem crítica e decolonial à democracia, inspirada no conceito de “feia democracia”, desafiou-nos a questionar pressupostos e a imaginar novas possibilidades de ser, estar e fazer democracia. Num segundo momento, tendo como âncora a ferramenta DEMOS e a partir de três grupos de trabalho, revisitamos o documento agregador construído pela equipa do projeto e realizamos um exercício experimental de cruzamento das várias ideias, reflexões e aprendizagens existentes com as cinco dimensões daquela ferramenta. Mais do que um exercício de sistematização, este momento, que pecou por ter sido muito curto, foi vivido como um espaço de escuta ativa e reconstrução partilhada das aprendizagens, servindo de base para esta prática que agora apresentamos.

Este percurso de cerca de doze meses, que incluiu cinco atividades da Comunidade Sinergias ED, foi experienciado por várias pessoas em diferentes intensidades. Cerca de 50 pessoas estiveram envolvidas nos vários encontros que aconteceram e, como tal, os seus contributos, visões e reflexões foram integrados nos diversos produtos criados e plasmados no documento integrador que começou a ser discutido, à luz da ferramenta DEMOS. Contudo, a reflexão e análise que apresentamos nesta prática, é fruto de um processo menos participado, mas mais intenso e aprofundado, que envolveu apenas a equipa do projeto Sinergias ED e a investigadora Marta da Costa, entre janeiro e julho de 2025.

Segundo arranjo e instrumentalização da canção

À oliveira democrática, o sol queim’a formosura
Ai ai ai ai não há cá brilho sem sombras
Nem tão pouco democracia tão pura

Para aprofundarmos e sistematizarmos em diferentes dimensões as aprendizagens que trazíamos sobre democracia, encetamos um diálogo próximo com enquadramentos teóricos que nos permitiram pensar e questionar a democracia não como um fim idealizado, mas como um espaço de disputa, poder e possibilidade, onde se entrecruzam modernidade, colonialidade, epistemologias plurais e práticas educativas contra-hegemónicas.

Walter Mignolo (e.g. 2011, 2018, 2022; ver também Andreotti et al., 2018) argumenta que o pensamento eurocêntrico sustém a sua dominação através da implantação de um discurso que enfatiza os sucessos e promessas trazidos pelas formas de ser, estar, e pensar modernas (por exemplo, melhor qualidade de vida, sociedades democráticas, maior segurança, direitos humanos, avanços tecnológicos, etc.). Este discurso, a que o Mignolo chama de ‘brilho da modernidade’, não só promove o eurocentrismo, mas também encandeia a nossa perceção da realidade, inviabilizando os sistemas de opressão através dos quais as nossas formas modernas de ser e estar têm sido construídas (por exemplo, a escravatura, o racismo, o capitalismo, o heteropatriarcado…). Portanto, Mignolo argumenta que não há brilho sem ‘a sombra da modernidade’ (Mignolo, 2018). Recentemente, alguma literatura no âmbito da educação para a democracia tem começado a interrogar o ‘brilho’ da democracia, levantando questões sobre a sua ‘sombra’, por exemplo ao nível dos legados coloniais (e.g. Hytten & Stemhagen, 2021; Zembylas, 2022; da Costa et al., 2024).

Anker (2022) posiciona o adjetivo feia à frente de liberdade para interromper as assunções que o conceito acarreta, por exemplo a sua desejabilidade exclusiva e universal. Ao mesmo tempo, esta ferramenta estética aponta para ações e práticas que acontecem em nome da liberdade (algo que somos socializadas para perceber como belo), mas que, em vez de promoverem emancipação e harmonia, promovem o seu oposto – por exemplo, subjugação e violência. Em linha com a forma como Mignolo conceptualiza modernidade/colonialidade, a contribuição de Anker é importante para promover visões mais complexas sobre a liberdade (e a democracia, no caso deste trabalho) no sentido em que Anker não distingue ou separa liberdade de opressão. Em vez disso, considera estas práticas como estando intimamente entrelaçadas no contexto da modernidade/colonialidade. Neste sentido, pensar a democracia como feia foca o seu lado sombrio e oferece uma forma de ir além da relação entre democracia/violência ou liberdade/dominação, em que a presença de um elemento nega a presença do outro.

O conceito de feia liberdade desenvolvido por Anker tem também uma segunda valência que possibilita uma compreensão alternativa da liberdade (e da democracia), dando visibilidade a ações e práticas muitas vezes escondidas por concepções modernas de liberdade, enquanto ato político definido por um processo emancipatório, resultante de gestos grandiosos, puros e heróicos (Anker, 2022). Ao implicar a liberdade em formas de opressão, Anker mostra também que há possibilidades de praticar a liberdade dentro de sistemas de dominação. E, assim, promove um entendimento de atos políticos moralmente ambivalentes, emergentes de posições comprometidas, e dentro de um conjunto de tensões que podem não ser resolvidas, mas que podem ser reorientadas. Esta conceção do político é importante para pessoas educadoras que muitas vezes trabalham dentro de instituições modernas (por exemplo, escolas) onde a nossa ação educativa está implicada em, e muitas vezes reproduz, o sistema moderno/colonial.

É neste sentido que o trabalho de Marta da Costa (2023) adopta o conceito de feias liberdades de Elizabeth R. Anker (2022), propondo a ferramenta pedagógica DEMOS de reflexão acerca da feia democracia. Esta ferramenta define cinco dimensões que pretendem interrogar a democracia, apontando também para o enquadramento onto-epistemológico que enquadra e delimita essa mesma interrogação.

Desestabilizar a democracia: Que pressupostos informam a nossa conceção individual e/ou coletiva da democracia? Que histórias/conhecimentos/experiências dão forma a esta conceção? Até que ponto/de que forma as aprendizagens à volta da democracia reforçam/expandem ou desconstroem/resistem o conhecimento e pensamento Eurocêntrico? ​

Examinar ausências e alternativas: Até que ponto é que as aprendizagens refletem perspetivas vindas de contextos onde a democracia foi ‘imposta’? Como podemos identificar e responder a ausências de perspetivas e experiências no conhecimento produzido sobre a democracia durante o projeto? O que é que as nossas aprendizagens nos dizem sobre as perspetivas que dominam e aquelas que são marginalizadas? ​

Modernidade/colonialidade: é possível identificar nas nossas aprendizagens críticas uma construção feia da democracia (comprometida, cúmplice e implicada num sistema violento) ou as aprendizagens centram-se mais num discurso ‘brilhante’ sobre a democracia? Que ideias e questões se levantam quando refletimos sobre as aprendizagens a partir da sombra (em vez do brilho) da modernidade? ​

Oportunidades reflexivas: Até que ponto/de que forma é que as nossas aprendizagens refletem negações, recalcamentos, reforços ao sistema moderno/colonial? Quais são as nossas reações (emocionais, cognitivas, sensoriais) imediatas a um posicionamento da democracia como feia? O que é que estas reações nos dizem sobre a forma como a democracia está enraizada no nosso imaginário individual e coletivo?​

Sintetizar implicações para a EDCG: que novas questões se levantam quando refletimos sobre as aprendizagens através da díade brilho/sombra para a EDCG? Como podem estas questões/aprendizagens/reflexões ser trabalhadas em contextos de EDCG diferentes de forma a produzir respostas diferentes nos contextos em que desenvolvemos EDCG?

Assumida uma posicionalidade crítica, não-inocente e geradora de dissonância cognitiva face à democracia, realizamos então um esforço de categorizar as várias informações contidas no documento agregador das aprendizagens da Comunidade Sinergias ED de acordo com as cinco dimensões da ferramenta DEMOS (da Costa, 2023).

Terceiro arranjo e instrumentalização da canção

À oliveira democrática,
a chuva trará novas fontes de vida.
Na raíz do que somos,
Nos ramos do que pensamos,
Nos frutos que produzimos,
O i o ai o ai meu bem.

A partir do exercício coletivo de categorização realizado, fomos sentindo necessidade de avançar para um novo espaço metareflexivo que nos permitisse ir além das várias dimensões da DEMOS e que unificasse ideias que estavam simultaneamente presentes em várias das dimensões. Recorremos então à metáfora da oliveira da modernidade de Andreotti et al. (2018) como ferramenta agregadora.

A leitura da democracia enquanto feia aponta para a necessidade de interrogar o brilho/sombra da modernidade nos processos de educação para/sobre/através da democracia, através de uma meta-análise que aponte não só para estruturas metodológicas (ex. como podemos promover a democracia?), mas também epistemológicas (ex. quem controla a definição de democracia?) e ontológicas (ex. que outras formas de organização social e política estão disponíveis, mas ininteligíveis por pessoas profundamente socializadas em formas de ser eurocêntricas?).

Andreotti et al. (2018) definem três níveis de respostas à crise do sistema moderno/colonial para apoiar uma reflexão sobre a forma como estas respostas podem reforçar e/ou desafiar o sistema. O nível metodológico é representado pelas folhas e flor da oliveira. Este nível de respostas normalmente está preocupado em expandir o sistema atual e produzir resultados/frutos (azeitonas) de forma mais eficiente e com melhor qualidade. O trabalho neste contexto das folhas e flor tende a partir do princípio de que o sistema é estruturalmente bom, mas precisa de ajustes para funcionar melhor e para abranger um maior número de pessoas (Andreotti et al., 2018). Neste nível de resposta, perguntas comuns são:

Qual é o problema? Quem é afetado? Como podemos resolvê-lo? Como posso ajudar? O que devemos fazer? Como devemos fazê-lo? Que transformações já foram tentadas pelas pessoas e que lições podem ser aprendidas com esses esforços? Que estratégias são eficazes? Que resultados são esperados? Que desafios são enfrentados? Como funciona ou funcionará? Como melhorar a eficácia? Que conhecimento/especialização/dados estão em falta? Que políticas são necessárias ou não estão a ser implementadas corretamente? Como é que isto se compara com o que acontece noutros contextos? Que ferramentas, incentivos e formação são necessários para que agentes de transformação adquiram o entendimento necessário para promover transformações sociais bem-sucedidas e para abordar adequadamente os problemas que procuram resolver? Se o objetivo é progresso, desenvolvimento, equidade e inclusão, como apoiamos agentes de transformação em diversos papéis? Como pode a transformação social ser vista como um processo distribuído/interdependente em vez de um esforço centralizado/individualizado? (Andreotti et al., 2018, p. 26)

O nível epistemológico de respostas, representado pelos ramos, adiciona questões relacionadas com a produção de conhecimento, considerando não só o que fazemos (nível metodológico) mas também como sabemos e pensamos sobre os problemas e as respostas disponíveis (Andreotti et al., 2018). Respostas que emergem ao nível dos ramos partem do princípio de que as políticas de conhecimento e a hegemonia do pensamento moderno estão profundamente relacionadas com as desigualdades (ex. poder, riqueza, acesso) e exclusões (ex. sociais, culturais, políticas) existentes no sistema. Este nível de reflexão também reconhece que o sistema está enquadrado por uma epistemologia dominante, que delimita as nossas formas de saber e pensar, e invisibiliza formas de saber e pensar alternativas. Assim sendo, respostas que emergem ao nível dos ramos da oliveira estão mais preocupadas com o conteúdo e os mecanismos de produção de conhecimento a que estamos habituadas num contexto eurocêntrico, por forma a promover formas alternativas de construir e reconhecer outras perspectivas. Questões que emergem neste contexto são por exemplo:

Que corpos/vozes estão representados no que é percecionado como normal ou natural? Quem decide qual é a direção a seguir? Em nome de quem? Em benefício de quem? Porquê (isto é, que forças históricas/sistémicas estão em jogo)? Como são incluídas (ou não) as vozes dissidentes? Quais os termos de diálogo/inclusão que estão em operação? Que traumas coletivos estão presentes? Porquê? Quem foi historicamente e sistemicamente ferido? Que vulnerabilidades são visíveis/invisíveis? Que noções de autoridade, mérito, credibilidade, normalidade e direito estão em jogo? O que está a ser contestado e o que é proposto como alternativa? Como sou cúmplice no dano? Como estou a ler e a ser lido/a? Como posso praticar solidariedade ética? Que informação precisa de ser conhecida para implementar soluções adequadas ao contexto e à cultura? Que experiências e sensibilidades nos permitiriam aceder a essa informação? Como é que os desejos de domínio e heroísmo individual limitam a transformação social que, de outra forma, poderia ser orientada por uma preocupação com o impacto coletivo e com relações que valorizam a interdependência? (Andreotti et al., 2018, p. 28)

O nível ontológico de respostas, representado pelo tronco e raízes da oliveira, reconhece que os problemas de desigualdade e exclusão que enfrentamos são causados pelo próprio sistema (formas de viver centradas, por exemplo, no capitalismo e iluminismo) e que soluções articuladas dentro do sistema têm tendência a reproduzir os seus problemas. Este reconhecimento leva a questões relacionadas com a natureza da nossa existência e como essa existência é sustentada e limitada pelo sistema. A preocupação é então perceber as negações, algumas vezes inconscientes, que nos levam a reforçar e manter o sistema. Respostas ao nível do tronco e das raízes também estão focadas em explorar e aprender a partir de formas de viver, ser e estar alternativas (Andreotti et al., 2018). Exemplos de questões que podem informar este tipo de respostas são:

Qual é a natureza da realidade, do eu, da consciência, do tempo, do espaço, da transformação, da vida e da morte neste contexto? Que práticas cognitivas/afetivas/relacionais/educativas/de cura/sensoriais são possíveis a partir desta visão do mundo? Como é que a possibilidade do meu entendimento (saber/sentir), ou a sua ausência, é moldada e limitada pelas minhas posicionalidades? O que é que esta experiência (de não saber) me está a ensinar sobre a possibilidade de possibilidades que nunca teria imaginado antes? Que enquadramentos pedagógicos podem apoiar uma relação com o conhecimento que não se limite à descrição (tomar consciência dos problemas) seguida da prescrição (procurar ações apropriadas para os resolver), mas sim que permita sustentar e trabalhar com e através da complexidade e da incerteza? Como é que os desejos de “corrigir” e “resolver” podem limitar o que se pode imaginar como possível em termos de transformação social global? Que possibilidades de transformação social global são potenciadas por um compromisso não com a “correção”, mas com o desvendar das estruturas do nosso “ser”, e que possibilidades existem para além do que podemos conhecer? O que poderá implicar uma responsabilidade não normativa? Como podemos deslocar as tendências orientadas para a ação que atualmente dominam os discursos sobre EDCG e transformação social, afastando-nos de teleologias fixas e aproximando-nos do envolvimento com o que ainda-não-é-possível? (Andreotti et al., 2018, pp. 30-31)

Esta visão da oliveira da modernidade, tripartida entre ontologia, epistemologia e metodologia, permitiu-nos dar uma nova vida e uma nova interpretação à canção da democracia que vínhamos construindo em comunidade. Este último arranjo e instrumentalização, permitiu-nos ver três diferentes marcações musicais com ritmos e compassos bem definidos ao nível das aprendizagens da Comunidade Sinergias ED em torno da democracia.

Na marcação metodológica, foi evidente a valorização da democracia deliberativa, entendida como uma forma para envolver diferentes vozes, promover o diálogo e construir decisões mais partilhadas. Esta valorização sublinhou a importância de criar espaços de escuta e participação ativa, tanto em contextos educativos como sociais.

A escola foi referida como o espaço privilegiado para viver e aprender a democracia, ainda que, na prática, os seus modos de funcionamento nem sempre reflitam esses princípios. A educação foi reconhecida como uma ferramenta fundamental para a promoção da democracia, embora nem sempre se questione, de forma profunda, a ideia de democracia que está realmente presente. Surgiram ainda dúvidas sobre a eficácia de um ensino apenas conceptual: será que aprender sobre democracia é suficiente para gerar relações verdadeiramente democráticas?

“Para a geração jovem atual, a aprendizagem apenas conceptual é cada vez mais difícil e insuficiente.”

Contudo, também se assinalaram algumas ausências significativas: faltam linguagens mais diversas, outras formas de viver e imaginar a democracia, bem como alternativas concretas ao modelo dominante, geralmente assumido como legítimo e suficiente. Em termos gerais, continua a existir uma confiança implícita na validade do sistema democrático atual, mesmo reconhecendo as suas limitações.

“Democracia como modelo que mais justiça trouxe até ao momento. É um modelo injusto, mas dentro de tudo garante um mínimo de justiça na comunidade. No entanto tem muitas nuances e muita margem para progressão.”

Ainda assim, apesar das ausências, surgiram pistas promissoras que mostram uma vontade coletiva de ir mais além. Foram discutidos temas como: o papel da educação não formal na vivência de relações mais democráticas; os limites das aprendizagens puramente teóricas e conceptuais; a importância dos espaços digitais como formas de ativismo; e a necessidade de democratizar a produção de conhecimento em diferentes línguas e formatos, como tem sido feito na revista Sinergias. Também a Escola Comunitária surgiu como um laboratório vivo de experimentação em EDCG, onde se valorizam as diferentes vivências e saberes de cada pessoa, permitindo imaginar práticas democráticas mais críticas, colaborativas, horizontais e enraizadas na realidade dos participantes.

“A Escola Comunitária revelou-se como laboratório de experimentação. Há um tubo de ensaio com substâncias que são as pessoas, as suas áreas de ação, os seus inputs, mesmo ao nível da teorização da ED/ECG e até do que pode ser o próprio projeto Sinergias ED.”

Estas reflexões mostraram que, no plano metodológico, há vontade de fazer diferente. Ainda que muitas vezes se parta do sistema tal como está, há uma consciência crescente sobre os seus limites e sobre a necessidade de abrir espaço a novas perguntas, novas linguagens e novas formas de ação.

Existe também uma forte marcação epistemológica que emerge das reflexões e aprendizagens realizadas em torno do conceito de democracia. Para a Comunidade Sinergias ED, o questionamento da democracia a partir das suas sombras opressivas, abre portas ao questionamento de valores universais como o bem comum e permite o desenvolvimento de uma crítica eurocêntrica à modernidade.

De igual maneira, fomenta uma flexibilidade epistemológica que nos permite ver além do marco moderno e colonial que nos sustenta e reproduz e entrar em espaços conceptuais de busca de novos significados para a democracia. Contudo, abre também portas a uma tensão gritante entre a possibilidade de se construir algo novo e o receio de se fragilizar ainda mais o conceito de democracia, reforçando visões e mundividências autoritárias que estão em crescendo no contexto geopolítico atual.

“É importante afastar a Democracia das ideias que inicialmente a fizeram emergir. É uma tensão e um problema: como afastar um processo democrático do seu poder, resignificando-o no sentido de um bem comum, sob o risco de o fazer perder o seu significado e poder atual?”

Esta tensão remete-nos para um desconforto cognitivo e existencial que nos permite vislumbrar a ausência de várias vozes e corpos na discussão que encetamos em torno da democracia. A legitimidade para questionar a democracia e a possibilidade de participar em processos de questionamento da mesma são linhas de força que nos permitem vislumbrar essas ausências. É a partir de uma possibilidade de questionamento da democracia e das suas sombras, que se vislumbra uma forte crítica por parte da Comunidade Sinergias ED à democracia representativa, que é apresentada como solução perfeita, mas que é assumida como sistema verdadeiramente imperfeito. Esta perspetiva paralisante de uma democracia representativa que nos amarra numa visão de democracia como mal menor, deve ser alvo de fortes críticas e questionamentos, por forma a que consigamos buscar e construir formas alternativas de compreender, conceber e viver a democracia.

“É importante diferenciar Democracia, enquanto sistema político, dos valores democráticos que a sustentam, para que possamos pensá-la de forma crítica. Só temos a Democracia que temos, e que não questionamos, devido ao sistema de opressão que a molda. Existe o lado negro da Democracia e estabelecer uma distinção operativa para a compreender melhor é importante”.

É na construção destas alternativas conceptuais que a EDCG tem um papel fundamental a desempenhar. A partir da crítica à modernidade, à história da modernidade e da democracia, é possível criar espaços de coragem histórica para construir narrativas e visões que dêem corpo a novas conceptualizações e novas formas de pensar a democracia, num diálogo honesto, contudo disruptivo, com a modernidade eurocêntrica. E as escolas são espaços essenciais para promover estes processos educativos críticos. É importante tornar visíveis e caracterizar os laços conceptuais de interdependência que existem entre conceitos como Bem Comum, Desenvolvimento, Progresso, Justiça, Solidariedade e Democracia. O reconhecimento destas boas intenções, permite-nos alumbrar o inferno criado, nomeá-lo a partir das sombras e fazer caminho a partir de uma posicionalidade epistemológica que se arraiga numa horizontalidade existencial coletiva face aos processos históricos.

“‘Viver em e pela democracia’ de facto parece ser, parafraseando o poeta David Mourão-Ferreira, uma verdadeira duvidádiva. ‘Que dúvida, que dívida, que dádiva, que duvidádiva afinal a vida’.”

 Nas partilhas da Comunidade Sinergias ED, há ainda um conjunto de expressões e significados que podem ser enquadrados na marcação ontológica da canção tradicional da democracia. Mais concretamente, uma abordagem ao entendimento da democracia partindo de um pressuposto da necessidade de reconhecermos que, um exercício alicerçado nos princípios de EDCG e com profundas aspirações de ação transformadora, deve superar uma dimensão cognitiva.

“Nem sempre temos que dizer que o que estamos a fazer é “Democracia”. O essencial é vivê-la e experienciá-la”

Os princípios da democracia podem procurar ser exercidos intencionalmente e inundar os espaços e tempos do quotidiano a serem vividos, sentidos e experimentados de forma relacional. Fazê-lo é questionar os automatismos e universalismos formais e instituídos e criar espaços para que o que ainda não conhecemos e ainda não perspetivamos como possível, possa acontecer. Para que o debate sobre a democracia, frequentemente idealizada e não questionada, permita reposicionar os valores fundamentais que subjazem a este conceito perante os desafios globais para a sustentabilidade da vida que a humanidade enfrenta hoje.

“Abordar a Democracia de formas mais variadas, para lá da Democracia representativa, como instrumento do dia a dia de vida de todos. Como está e se pode exercer no dia a dia. A Democracia não é algo que se delega.”

Para a Comunidade Sinergias ED a democracia, mais do que uma estrutura formal e instituída é sobretudo também um ato relacional, um exercício diário e experiencial, inalienável da experiência de poder das relações humanas. A democracia é inalienável da experiência da vida individual e coletiva, e expressa-se por isso, também, de formas diversas em diversos territórios, e numa pluralidade de coexistências de diferentes formas de ser e estar, sobretudo quando expandimos a nossa análise à escala do planeta. Uma visão universalista e prescritiva de democracia não é por isso válida e questionar os automatismos da modernidade é fundamental.

“A Democracia é um exercício diário em todos os espaços sociais, na escola ou em qualquer outro contexto.”

Estes são papéis da EDCG agindo dentro ou fora dos contextos escolares. Os papéis de criar contextos pedagógicos para refletir criticamente e sobre as realidades envolventes, os meios de informação, a comunicação social, as redes sociais, a transparência nos processos de tomada de decisão, o diálogo pluralista, entre muitos outros temas. Mas também o papel da EDCG de facilitar, experimentar e vivenciar outras formas de ser e estar através de princípios inerentes ao que valorizamos na democracia idealizada. Criar espaço para que o novo possa emergir, para que a ação transformadora possa ocorrer de formas ainda não imaginadas, e, praticando assim, a esperança como ato político. Ato político no sentido de intencionalmente pedagógico, e portanto, de intencionalmente transformador da consciência dos e das participantes, e neste sentido emancipador, legitimando-se em última instância em si mesmo como exercício de liberdade, existência e, logo resistência, sobretudo quando os contextos são adversos.

“A ED pode ajudar, para além dos espaços coletivos, a abrir processos de reflexão e de sentir pessoal, nomeadamente desenvolver uma visão crítica das informações que se vão recebendo”

Na fronteira entre uma dimensão ontológica e epistemológica importa também destacar que o acionar de espaços de ser e estar em que se exercem princípios democráticos de formas experimentais e não hegemónicas, promove não só o surgimento de novas práticas, como, inerentemente, o surgimento de novas formas de expressão, reconhecimento, e conhecimento necessárias ao repensar da democracia e das utopias. Ou, simplesmente, formas capazes de enfrentar a complexidade do reconhecimento da interdependência dos fatores em jogo, dos paradoxos e das dissonâncias cognitivas e emocionais implicadas na análise das causas profundas dos problemas estruturais.

“Não temos respostas cognitivas coerentes para agir na realidade complexa que vivemos.”

Um olhar sobre o processo realizado

A meta-análise do processo de reflexão sobre as práticas do Sinergias ED em torno do tema da democracia aqui apresentada tem sido um processo generativo entre as quatro autoras que nos permitiu refletir sobre a forma como, enquanto Comunidade Sinergias ED, tendemos a pensar e conceptualizar a democracia. Um processo que metaforicamente apelidamos de reaprendizagem da canção tradicional da democracia, a partir de 3 arranjos e instrumentalizações diferentes. Como ponto de partida e a partir de inspirações teóricas diversas vindas do pensamento decolonial, assumimos uma posicionalidade de não-inocência que nos permitiu reconhecer o brilho da democracia, mas também as suas sombras, que sustentam o sistema opressivo moderno e colonial. Com o suporte da ferramenta DEMOS, compreendemos que o conceito que temos de democracia mantém um foco eurocêntrico e de defesa dos seus brilhos, não obstante dentro da comunidade existir uma forte crítica à democracia representativa, aos seus limites e à sua incoerência. Quando falamos de democracia, falamos de um mal menor que continua a ter que ser defendido, especialmente no contexto atual de crescimento dos autoritarismos a nível global. Por isso, a EDCG desempenha um papel importante no que poderá ser uma aprendizagem em torno do conceito de democracia, permitindo a criação de espaços alternativos de crítica ao seu eurocentrismo e experimentando formas de nos relacionarmos politicamente que vão além da lógica representativa. O conceito da democracia é compreendido e conjugado por nós, no nosso dia-a-dia, a partir de operações tripartidas entre a nossa ontologia, epistemologia e metodologia. Ontologicamente, reconhecemos a democracia como relacional e experiencial e como operação quotidiana. Esta sua caracterização permitiu-nos identificar ausências e exclusões de outros seres humanos que são afastados da democracia, da sua prática e da sua definição. Permitiu-nos ainda questionar as ausências de formas alternativas de nos relacionarmos e expressarmos que vão além da proposta da democracia representativa. A dimensão metodológica da democracia fez-nos pensar no papel preponderante que tem e/ou pode vir a ter a EDCG como ferramenta transformadora da realidade a partir do pensamento crítico. Existe uma necessidade de processos educativos que promovam a reflexão sobre a democracia, o seu brilho e as suas sombras, permitindo abrir espaço para novas ideias, novas linguagens, novos conceitos e novas formas de nos relacionarmos. Por último, a partir da dimensão epistemológica, é possível compreender que o conceito de democracia está intimamente vinculado a outros conceitos como bem comum, progresso ou desenvolvimento. Conceitos que assumem um pendor universalista e que devem ser criticados a partir de um olhar que nos permita ir além do saber eurocêntrico. Criticar a democracia a partir do seu lado feio e sombrio exige que tenhamos ferramentas cognitivas, emocionais e relacionais que nos permitam viver em dissonância cognitiva. Talvez as escolas, como instituições modernas, sejam locais importantes onde treinar esta dissonância e a construção de diálogos dissonantes. Apenas a partir deste ponto inicial de dissonância poderemos construir novas formas de ser, saber, estar e fazer democracia em conjunto. A nossa canção tradicional dedicada “À oliveira democrática” chega assim a uma versão final, após 3 diferentes arranjos e instrumentalizações que nos permitiram uma reaprendizagem coletiva. Agora é tempo de começarmos a interpretá-la com estes novos arranjos no nosso quotidiano e práticas educativas.

Num compasso final de fecho deste processo, as quatro autoras refletimos ainda sobre a forma como abordámos, facilitámos, e demos seguimento a este longo processo reflexivo, levantando questões que achamos pertinentes para guiar processos de colaboração futuros dentro e fora da comunidade.

A celebração dos 50 anos da democracia em Portugal, levou a que pela primeira vez na Comunidade Sinergias ED tivéssemos um foco temático (celebração e crise da democracia), que enquadrou um conjunto de atividades ao longo do ano. Este contexto foi bastante produtivo e generativo, porque em comunidade tivemos a possibilidade de aprofundar o tema em vários âmbitos, em vários formatos de encontro, com vários participantes nacionais e internacionais. Consequentemente este ano de atividades resultou num conjunto de aprendizagens bastante denso que nos permitiu ter um registo rico sobre o qual basear a atividade de reflexão que partilhamos nesta prática.

A preparação e facilitação da reflexão teve, contudo, algumas limitações e desafios que acabaram por conter as possibilidades embutidas no processo. Apesar das várias atividades existentes ao longo do ano à volta da democracia, os dois encontros dedicados à reflexão sobre as aprendizagens mostraram-se curtos em termos do tempo necessário para ler, digerir, e discutir o artigo e a ferramenta pedagógica usada para facilitar a reflexão (da Costa, 2022). Para além da falta de tempo, houve também a falta de uma maior estrutura de facilitação, incluindo etapas e atividades que pudessem auxiliar o processo de compreensão dos conceitos (e.x. ‘feia democracia’, ‘modernidade/colonialdade’) que enquadraram as atividades e informaram a ferramenta.

Uma etapa particularmente importante que não realizámos foi a de reconhecimento, reflexão e discussão sobre a posicionalidade individual de cada membro da comunidade, não só em relação ao enquadramento teórico, mas também em relação ao tópico, e estruturas histórico-sociais de opressão (e.x. classismo, patriarcado, racismo, etnocentrismo, etc.). Em vez disso, assumimos à partida que todas as pessoas partilham uma visão similar à nossa e, mais uma vez, não houve tempo para que se pudesse abertamente interrogar os conceitos partilhados nos encontros de Dezembro e Janeiro. Neste sentido, a perspetiva didática não foi alinhada com a densidade do conceito e com a sua articulação com outros conceitos/tradições.

Outro ponto de dissonância, desta vez em relação a um princípio-chave da comunidade – a horizontalidade na produção de conhecimento,  foi a imposição de uma ferramenta pedagógica pré-feita vinda do contexto académico e também a construção do documento agregador de aprendizagens que foi efetuada pela equipa que liderou o encontro de Janeiro. Esta abordagem inadvertidamente reforça a lógica da hierarquia do conhecimento a que tentamos resistir no Sinergias ED. Um processo mais horizontal, com início numa reflexão individual sobre as diversas posicionalidades e experiências de cada pessoa, teria oferecido uma oportunidade para uma ligação direta entre as experiências pessoais e os tópicos que pedimos depois para articular com a ferramenta DEMOS.

A reflexão sobre as limitações relativas a esta prática levou a uma consideração mais alargada sobre os processos de colaboração e aprendizagem no Sinergias ED. Achamos que a reflexão em torno das aprendizagens, apesar de ter promovido conversas críticas e profundas acerca da democracia, deveria incluir um momento específico de construção de pontes entre a reflexão teórica realizada e a possibilidade de construção de ação coletiva a partir deste processo reflexivo. A urgência da crise da democracia exige-nos uma praxis ativa e consequente e não deixamos espaço para que estas pontes pudessem começar a ser construídas. Esta é uma limitação que, no contexto atual, sentimos também estar presente noutras atividades que desenvolvemos no Sinergias ED e que achamos ser um importante passo a trabalhar enquanto comunidade.

Terminamos esta prática com a enumeração de diferentes questões que gostaríamos de colocar à Comunidade Sinergias ED, agora que damos por finalizado este processo de sistematização das nossas aprendizagens em torno da democracia:

  • Como podemos, em conjunto, desenvolver a(s) nossa(s) própria(s) ferramenta(s) de reflexão sobre práticas e conceitos, tendo em conta as nossas experiências e contextos de intervenção?
  • Como podemos, em conjunto, reflectir mais explicitamente sobre o posicionamento de cada pessoa e da comunidade, enquanto agente coletivo, face aos desafios globais atuais?
  • Como podemos, em conjunto, co-construir atividades que facilitem não só reflexão, mas que nos guiem através do ciclo reflexão-acção?

References
1, 2 Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto – CEAUP.
3 Manchester Metropolitan University, UK.
4 Fundação Gonçalo da Silveira – FGS. Estudante do mestrado em Cooperação Internacional e Educação Emancipadora da Universidade do País Basco.
5 Aceda à chamada de trabalhos na seguinte ligação: https://sinergiased.org/wp-content/uploads/2024/05/RS-17_Chamada-de-trabalhos.pdf
6 Esta é uma revista de cariz científico, com um processo de revisão por pares, que se pretende constituir enquanto plataforma internacional de discussão e reflexão concetual, metodológica e sobre a prática no campo da EDCG/Educação para a Transformação Social.
7 (Aceda ao número 17 da revista Sinergias na seguinte ligação: https://sinergiased.org/revistas/democracias-transformando-paradigmas-opressivos-de-poder-atraves-da-educacao-para-o-desenvolvimento/
8 (Aceda ao documento de apresentação da edição de 2024 da Escola Comunitária Sinergias ED na seguinte ligação: https://sinergiased.org/wp-content/uploads/2024/05/EC-2024-Doc.-Apresentacao.pdf
9 Aceda ao podcast criado na seguinte ligação: https://open.spotify.com/show/7nHR3JHrpwXVohd2xiMUPI
ARQUIVOS
[1]Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto – CEAUP., Joana Costa[2]Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto – CEAUP., Marta da Costa[3]Manchester Metropolitan University, UK. & Sara Borges[4]Fundação Gonçalo da Silveira – FGS. Estudante do mestrado em Cooperação Internacional e Educação Emancipadora da Universidade do País Basco. No ano em que se assinalaram os 50 anos" data-link="https://sinergiased.org/a-oliveira-democratica-o-vento-leva-a-flor/">

Compartilhe nas suas redes

References
1, 2 Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto – CEAUP.
3 Manchester Metropolitan University, UK.
4 Fundação Gonçalo da Silveira – FGS. Estudante do mestrado em Cooperação Internacional e Educação Emancipadora da Universidade do País Basco.