Sinergias – Diálogos educativos para a transformação social. Nº 15
“Imagine Peace” – A Educação para o Desenvolvimento e a construção da Paz*
O título apropria-se da obra artística de Yoko Ono “Imagine Peace”, que da vanguarda do pensar e agir contra a guerra do Vietname até ao presente se vem reinventando como voz pela Paz, tema que ganhou hoje novas atualidades.
Da guerra do Vietname à guerra na Ucrânia; das marchas através do continente Americano às travessias do Mediterrâneo na busca de uma vida segura; das muitas guerras quase esquecidas no continente Africano aos conflitos infindáveis no Médio Oriente, o mundo nunca conheceu um dia de Paz. E confrontamo-nos hoje, ainda mais, com desafios morais sobre os quais cabem responsabilidade pessoais e educativas.
No estouro de uma bomba, no assombro de uma notícia, constatamos realidades longínquas ou sustos tão próximos. Perante a imagem da guerra, perguntamo-nos “Porquê?”. Perante a imagem da guerra, esperamos a Paz. Ligamos uma ideia a outra em oposição entre ambas, mas pode não ser bem assim. Falta Paz na falta de guerra; há guerra onde há Paz. Poderá haver Paz onde há guerra. Que nos falta para imaginar a Paz?
Em 1970, a artista-ativista Yoko Ono gritava repetida e desesperadamente “Why?” (Porquê?) numa canção acompanhada por insanas guitarras de rock n´roll, na busca de respostas impossíveis. Em 2018, Ono repôs “Why” no álbum “Warzone”, entre sintetizadores e ruídos bizarros, num misto de vocalizações rancorosas, serenas e angustiantes que repetem insistentemente a pergunta “Porquê?”.
“Why”- Yoko Ono/Plastic Ono Band, 1970: Yoko Ono – Why – Bing video
“Why”- Warzone, 2018: Yoko Ono – Why – YouTube
Em 1971, Yoko Ono e John Lennon, inspirados em poemas da artista, lançaram “Imagine”, um dos mais icónicos hinos pela Paz. Em “Imagine”, Yoko e John incitam as pessoas de todo o planeta a viver uma vida em Paz. Imaginam uma palete de utopias pincelando o mundo sem países, sem fronteiras, sem ambições nem raivas…no sonho verdadeiro de um mundo a uma só voz.
You may say I’m a dreamer
But I am not the only one
I hope some day you will join us
And the world will be as one.
(“Imagine”, John Lennon e Yoko Ono)
Do génio da artista e da habilidade do seu companheiro John Lennon, a ideia espalhou-se em canção e arte visual, reveladoras da capacidade de antecipar a utopia para, ao mesmo tempo, nos confrontarmos com uma nova realidade política, num mundo globalmente preenchido de contradições e complexidades.
Pertinentemente, ao longo de décadas, Yoko Ono foi usando “Imagine” para nos desafiar a imaginar uma Paz, a partir do olhar para uma obra de grandes dimensões, e bastante replicada em merchandising, intitulada “Imagine Peace”. Em 2022, em reação à invasão da Ucrânia pela Rússia, a artista regressou aos espaços públicos de grandes cidades com uma reposição de “Imagine Peace”, peça que a tem definido como artista pela Paz. Em março desse ano, Londres, Tóquio, Nova York, e outras cidades estearam em suas praças gigantescos painéis luminosos de fundo branco e letras pretas, nos quais se lia: “IMAGINE PEACE”.
Em 2022, tornou-se urgente recuperar a utopia. Mas, também, muito necessário promover a reflexão e análise sobre eventos que emergem de fenómenos cuja compreensão resulta de grelhas de análise que cruzem diferentes escalas espaciais e temporais.
Para uma Revista que tem por ambição constituir-se como uma plataforma de reflexão e estudo sobre as práticas no campo da Educação para o Desenvolvimento, era imperioso deixar-se influenciar por uma série de acontecimentos que mostram a evidência de como as ações do presente são a História de amanhã.
Entre a aspiração da utopia e a reflexão sobre a realidade, lançámos o desafio para imaginarmos e construirmos a Paz a partir da Educação para o Desenvolvimento, de um olhar particular sobre a Educação para a Paz, mas também dos pressupostos de que, para além das guerras visíveis, há guerras invisíveis que produzem desigualdades estruturais, e de que a Paz não é só a ausência de guerra.
Inspirados pela resiliência artística de Yoko Ono na prossecução dos mesmos ideais, e tendo testemunhado a sua força criativa em Serralves (Porto, 2020), ousámos apropriarmo-nos do título desta obra pertinente e imprescindível para desafiar imaginações educativas.
Neste número da Revista Sinergias – Diálogos Educativos para a Transformação Social, apresentamos contribuições focadas na investigação e/ou na prática, em contextos educacionais formais e não-formais, no Sul e Norte globais, utilizando várias expressões e linguagens, focadas no papel que a Educação para o Desenvolvimento tem e/ou pode ter na construção de uma Paz que transforme a utopia em realidade.
*Mário Montez – Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Coimbra (ESEC-IPC); membro da Comunidade Sinergias ED.
A base para este texto foi a Chamada de Contribuições para o nº 15 da Revista Sinergias – Diálogos Educativos para a Transformação Social, de autoria de Mário Montez e de Alfredo Dias, a quem deixamos um agradecimento profundo pela companhia militante de anos no Sinergias ED, e um esperançoso “até à vista!”.
