Andreia Soares1, Filipe Martins2, Paulo Costa3 e Teresa Martins4

Resumo: Pensar a Igualdade de Género como componente do exercício da cidadania global é um dos intuitos do projeto É de Género?. Este artigo explora uma reflexão sobre os resultados, em concreto da Formação de Agentes Juvenis em Igualdade de Género, Diversidade e Cidadania Global.

A articulação entre estas temáticas num contexto de Educação Não Formal deu corpo a um processo formativo com, pelos e para os/as jovens. São as temáticas, mas sobretudo a reflexão sobre os próprios comportamentos e atitudes que os/as participantes na Formação de Agentes Juvenis, consideram ser as grandes aprendizagens que resultam do processo.

Palavras-chave: Igualdade de Género; Educação para a Cidadania Global; Diversidade Cultural; Educação não Formal; Aprendizagem experiencial; Participação Juvenil.

Abstract: To take into consideration Gender Balance as a crucial part of global citizenship is one of the proposes of project É de Género?. This article presents an analysis of the results, in particular of the Training of Youth Agents on Gender Balance, Diversity and Global Citizenship.

The linkages between these subject areas within Non-Formal Education came together as a development process with, by and for the young people. Both the subject areas itself and the reflection on their own behavior and attitudes were considered by the participants of the training as the most relevant learning outcomes of the process.

Keywords: Gender Balance; Global Citizenship Education; Cultural Diversity; Non-Formal Education; Experience learning; Youth Participation.

Resumen: Pensar la Igualdad de Género como componente de cualquier ejercicio de ciudadanía global es la intención  del proyecto É de Género?. Este artículo refleja sobre los resultados, en concreto de la Formación de Agentes Juveniles en Igualdad de Género, Diversidad y Ciudadanía Global.

La articulación de estas temáticas en un contexto de educación no formal dio estructura a un proceso formativo con, por y para las y los jóvenes. Son las temáticas, pero sobre todo la reflexión sobre los propios comportamientos y actitudes que los participantes en la Formación de Agentes Juveniles consideran ser sus grandes aprendizajes que resultan del proceso.

Palabras-clave: Igualdad de Género; Educación para la Ciudadanía Global; Diversidad Cultural; Educación No Formal; Aprendizaje Experiencial; Participación Juvenil.

Introdução: apresentação e enquadramento do projeto É de Género?

Desde 2008 que a Rosto Solidário (RS) tem vindo a desenvolver várias iniciativas de Educação para o Desenvolvimento (ED). Em 2011, em parceria com a Rede Inducar, iniciou um processo de identificação de necessidades que levou a RS a assumir estrategicamente a opção de trabalhar em contextos de Educação Não Formal (ENF) e com públicos juvenis, no que se refere aos projetos de ED, potenciando a sua rede local.

Enquanto temática, o Género surge do cruzamento das outras áreas de intervenção da RS, tais como a Cooperação para o Desenvolvimento e o Apoio à Família. À data, em Angola estava a ser implementado um projeto de cooperação para o desenvolvimento com mulheres do Bairro do Papelão, na província do Uíge. Já em Santa Maria da Feira, reconhecia-se que a desigualdade e violência de género era um problema de facto, em particular nos contextos juvenis.

Partindo deste diagnóstico, a RS assumiu como prioritário o trabalho junto dos jovens no sentido de promover a sua participação cidadã. Com efeito, constatam-se atualmente, em várias geografias e contextos, “discursos e práticas que visam a inclusão participativa de crianças e jovens na esfera pública e no processo de desenvolvimento social” (Butler & Princeswal, 2012, p.107). Paralelamente, no senso comum, assiste-se hoje a uma aparente apatia em relação à política e à participação coletiva. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento dos meios de comunicação com base na internet tem criado novos espaços e oportunidades para a participação. Perante tal cenário, temos a participação juvenil que podemos denominar de “formal”, mais tradicional e tipicamente de caráter político, e “novas formas” centradas na sociedade civil. Torna-se fundamental não ignorar as diversas formas, além da organização politica, de que a participação juvenil se pode revestir desde as associações, os grupos informais, pontuais, ou mesmo virtuais.

A criação associativa “é impulsionada pelo sentimento de defesa de um bem comum.” (Chanial & Laville, 2009, p.21) e, nesse sentido, a associação é um espaço, de caráter interpessoal, entre redes de sociabilidades que ultrapassam o contrato individual, com base na ideia de solidariedade. Fortalece-se assim a importância do espaço da participação juvenil em espaços informais, e até no contexto da vida de cada pessoa, que resulta em implicações quotidianas que interligam o global e o local.

Foi neste enquadramento que, durante 2012 e 2013, se realizaram ações pontuais com dois grupos de jovens locais, pequenos testes piloto do projeto5 e foram ainda desenvolvidos dois produtos: um manual de formação e um documentário6. O Manual de Formação É de Género? foi desenvolvido pela Rede Inducar, especificamente para o projeto e para a intervenção com jovens nas temáticas da Igualdade de Género, Cidadania Global e Diversidade em contextos de ENF. Por sua vez, o Documentário Mamãs do Papelão foi realizado em parceria com a AO NORTE – Associação de Produção e Animação Audiovisual, e procurou retratar a realidade das mulheres do Bairro do Papelão, em Angola.

Nascia neste contexto o projeto É de Género? com o intuito de promover a formação e sensibilização de jovens para a Igualdade de Género (IG), Diversidade e Cidadania Global (CG)7. Capacitar grupos de jovens para a implementação de iniciativas de cidadania global e igualdade de género era o propósito do projeto, contribuindo assim para dois objetivos globais: 1) Promover o reforço da Cidadania Global em contextos de ENF; 2) Promover a capacitação dos/as jovens para a igualdade de género e a cidadania global. Para além da formação de agentes juvenis em IG, Diversidade e CG, o projeto previu a sistematização de um recurso pedagógico que suportasse o processo de aprendizagem experiencial proposto aos/às participantes. Este recurso é composto pelo manual e pelo documentário, acima mencionados.

Tendo por base “(…) que a educação tem de ajudar as raparigas e os rapazes a tornarem-se pessoas conscientes, equilibradas, respeitadoras dos outros e capazes de sentir empatia e respeito mútuo, a fim de evitar a discriminação, a agressão e a intimidação;” (Rodrigues, 2015, p.11), uma das opções estratégicas subjacentes ao projeto passou por privilegiar a aprendizagem entre pares. Assim sendo, três das atividades centraram-se na formação inicial e contínua de jovens – identificados/as como Agentes Juvenis no âmbito do projeto – que, por sua vez, assumiram o compromisso de transmitir a grupos e associações juvenis, igualmente envolvidas no projeto, conhecimento e competências relacionadas com as três dimensões do projeto: Cidadania Global, Diversidade e Igualdade de Género.

A reflexão que propomos ao longo deste artigo diz respeito ao perfil e motivações que levam estes/as Agentes Juvenis a colaborar voluntariamente no projeto e ter parte ativa no processo de transformação pessoal e dos/as seus pares no que se refere aos valores e atitudes perante o outro. Neste sentido, o artigo divide-se em três partes, sendo a primeira de apresentação do enquadramento teórico e da organização da primeira atividade de projeto – a  Formação de Agentes Juvenis – que será, numa segunda parte do artigo, analisada a partir da apresentação e discussão dos dados empíricos recolhidos sobre a mesma e terminando com algumas conclusões relativas a este percurso educativo.

 

As temáticas centrais da Formação de Agentes Juvenis

Enquadrada na missão das entidades parceiras do projeto (RS e Rede Inducar) e nos objetivos do projeto É de Género?, a formação de agentes juvenis assumiu como enfoque central a temática da Igualdade de Género (IG). Em toda a formação esta temática foi abordada enquanto pressuposto elementar de cidadania e de igualdade de oportunidades no quadro dos Direitos Humanos. Esta aproximação conceptual permitiu que a IG fosse refletida, discutida e compreendida em articulação com a diversidade de identidades, culturas e modos de vida das sociedades humanas e a partir do cruzamento e interdependência constante entre realidades locais e globais.

Assumiu-se a distinção entre os conceitos de sexo e de género como o primeiro passo para a compreensão do que significa a IG – bem como para a conseguir alcançar. É justamente a origem social – e por isso construída, mutável e diversa – do conceito de género (Amâncio, 1994) que permite pensar e lutar pela IG, procurando reconhecer a diversidade das identidades humanas sem, porém, permitir que essa diversidade possa justificar ou mascarar discriminações e desigualdades entre as pessoas em função do seu género. Deste modo, IG torna-se um conceito que significa, por um lado, que todos os seres humanos são livres para desenvolver as suas capacidades pessoais e fazer opções independentes dos papéis atribuídos a homens e mulheres (papéis de género) e, por outro, que os comportamentos, aspirações e necessidades de mulheres e homens são igualmente considerados e valorizados em toda a sua diversidade (CIDM, 2003).

Procurou-se que na formação de agentes juvenis se entendesse justamente esta diversidade, constituída por infindáveis diferenças identitárias entre as pessoas, como “(…) uma fonte de polaridades necessárias de onde a nossa criatividade possa surgir” (Andreotti, 2013), ou seja, como o maior potencial de qualquer comunidade, seja ela local ou global. Um potencial para se ser mais livre, para se questionar a realidade, para se ter mais escolhas, para se aprender mais, para a transformação pessoal e coletiva. Entendendo as diferenças identitárias humanas como dependentes dos contextos sociais e culturais em que ganham significado (Hall, 1997), a questão da diversidade colocou-se, por isso, no centro da própria discussão da cidadania ao longo de toda a formação, o que naturalmente levou à emergência do debate entre igualdade e diferença. Poderá a diversidade coexistir com a igualdade? Assumindo que o equilíbrio entre diversidade e igualdade será sempre controverso e aberto à mudança, emergiu no grupo a já célebre máxima de Boaventura Sousa Santos: “as pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza; e têm o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza” (1997, p.30). Com efeito, a valorização da diversidade não significa mitigar aquilo que une as pessoas e as torna todas detentoras da mesma dignidade. Por outro lado, valorizar a igualdade não significa ignorar aquilo que torna cada uma e cada um únicos/as e sujeitos da mesma liberdade. Como consequência, mais do que conservar ou aceitar tudo o que é supostamente “tradicional” ou “autêntico”, urge hoje entender as identidades (e as culturas) como dinâmicas e múltiplas e, por isso, sempre passíveis de serem questionadas, contestadas, negociadas e transformadas com o objetivo de promover uma cada vez maior “liberdade cultural” (PNUD, 2004): a oportunidade das pessoas poderem escolher como querem viver – a sua identidade – sem serem excluídas de outras opções e oportunidades sociais, económicas e políticas importantes para a sua vida pessoal e coletiva.

Neste enquadramento, procurou-se, na formação, pensar sempre realidades locais e globais constituídas por mulheres e homens, diferentes na sua biologia, mas todos seres livres de se desenvolverem e fazerem as suas escolhas e de participarem na gestão dos grupos e das comunidades a que pertencem, independentemente do conjunto de qualidades e de comportamentos que as sociedades esperam de cada um/a. Com efeito, a IG significa que todos/as são igualmente valorizados/as e que as suas necessidades, objetivos e comportamentos são considerados de igual forma. Este é, aliás, o fundamento da própria noção de cidadania: as necessidades individuais deverão ser assumidas como responsabilidades coletivas (Nogueira e Silva, 2001). Só assim se poderá garantir uma igualdade que reconheça e proteja a diversidade. Só assim se poderá assegurar a inclusão e a igualdade de oportunidades de todas e todos.

Porém, hoje pensar aquilo que garante a inclusão de qualquer cidadão ou cidadã e o seu acesso aos recursos de que necessita para os modos de vida que deseja, vai sempre para além da “cidade”. Na atualidade cada vez mais globalizada, a noção de comunidade alarga-se à escala mundial, a responsabilidade coletiva amplia-se e, consequentemente, a interdependência, a reciprocidade e a ação cidadãs têm de ser globais (Silva, 2008). Em coerência com este pressuposto, procurou-se desenvolver toda a formação a partir do cruzamento de referências e experiências locais (dos/as participantes e/ou introduzidas pela equipa do projeto) e referências de outros contextos geográficos e culturais (introduzidas pela equipa do projeto, particularmente a partir do documentário Mamãs do Papelão), orientando as reflexões e discussões para um quadro de Cidadania Global. A nível temático abordaram-se, segundo esta perspetiva local/global, os domínios considerados centrais para a promoção da IG entre jovens, nomeadamente as relações íntimas e familiares, a educação, a atividade profissional e a participação cidadã. Estes foram complementados pela exploração da evolução histórica das mentalidades e das políticas públicas no que toca à IG em contexto nacional e internacional, bem como pela identificação de mecanismos legais e institucionais de proteção e de estratégias de mainstreaming e ação positiva em prol da IG.

 

Capacitar agentes juvenis para a Igualdade de Género e Cidadania Global

“Solicita aos Estados-Membros que promovam a democratização da educação e as demais condições necessárias para que a educação, seja ela proporcionada pela escola ou por outros meios educativos, contribua para a igualdade entre os géneros, a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de solidariedade e de responsabilidade e para facilitar o progresso social e a participação democrática na vida em sociedade” (UNESCO, 2015, p.7)

Havendo muitas diferenças no que concerne ao conceito de Cidadania Global (CG), existe um entendimento comum de que este se refere menos a uma questão legal do que a “um sentimento de pertencer a uma comunidade mais ampla e à humanidade comum, bem como de promover um ‘olhar global’, que vincula o local ao global” (UNESCO, 2015, p.14), e a uma maneira de agir e relacionar-se com os outros e a natureza, em diferentes espaços e tempos, “com base em valores universais, por meio do respeito à diversidade e ao pluralismo” (UNESCO, 2015, p.14). A CG cria assim um espaço para a reflexão crítica e para a participação em múltiplos contextos, formais e informais, e até no contexto da vida pessoal, com implicações quotidianas que interligam o global e o local.

Estes espaços de participação, potenciando as relações de proximidade, solidárias e democráticas, podem ser encarados como espaços de educação não formal (Gohn, 2006), que se podem complementar com espaços de educação mais formais com base em abordagens holísticas de Educação para a Cidadania Global. Para tal, e especificamente no trabalho educativo com jovens, é particularmente profícua a articulação entre “abordagens formais e informais, intervenções curriculares e extracurriculares e vias convencionais e não convencionais para a participação (…) [promovendo] iniciativas, sob a liderança de jovens, que empregam uma ampla gama de abordagens”. (UNESCO, 2015, p.10).

Com efeito, qualquer trabalho educativo a realizar em prol da CG deve assegurar a própria coerência entre os pressupostos desta e a abordagem pedagógica que emprega. No caso da formação de Agentes Juvenis do projeto É de Género? foi justamente isso que se procurou, desenvolvendo um programa formativo que permitisse vivenciar, através da própria metodologia utilizada, os valores centrais da CG. Mais do que educar “para” a CG, ensaiou-se um percurso formativo que permitisse educar e aprender “na” CG (cf. Martins, 2015).

Neste sentido o trabalho de capacitações dos/as Agentes Juvenis que aderiram ao projeto enquadrou-se num contexto de Educação Não Formal. Tal posicionamento significa que, para além de não ter um enquadramento institucional escolar/formativo nem visar a atribuição de qualificações académicas ou profissionais, o processo de educação e aprendizagem desenvolvido ambicionou contribuir “(…) para a construção de valores e práticas de cidadania” (Morand-Aymon, 2007, p.14) através da “(…) construção de relações sociais baseadas em princípios de igualdade e justiça social” (Gohn, 2006, p.30).

Partiu-se do pressuposto metodológico de que as aprendizagens mais relevantes e mais sustentadas são aquelas que se relacionam diretamente com aspetos concretos da vida de quem aprende, com os seus contextos reais de interação, com os seus interesses e/ou com as suas necessidades (Mezirow, 2001). E partiu-se ainda de uma visão multidimensional e holística da aprendizagem, que pode acontecer quando as pessoas adquirem novos conhecimentos, quando modificam práticas e comportamentos, ou ainda quando alteram o modo como sentem ou se posicionam face a determinados aspetos da realidade. Porém, é quando estas três dimensões – o saber, o fazer e o ser – se articulam de modo coerente e se reforçam mutuamente que a aprendizagem se realiza de forma mais significativa e duradoura (Ferreira, 2003); é aí que verdadeiramente ocorrem mudanças nas pessoas.

Consequentemente, o percurso formativo desenvolvido com os e as Agentes Juvenis do projeto procurou criar condições para uma aprendizagem que conjugasse estas dimensões. Tal foi desenvolvido concretamente através da disponibilização de novas informações, mas sobretudo pelo contacto e experimentação de novas situações que “provocassem” o confronto entre diferentes conhecimentos, práticas e posicionamentos, entre pares, mas também internamente, em cada um/a dos/as participantes. Procurou-se uma abordagem integradora de saberes e competências diversas e que assentasse na experiência como eixo central da aprendizagem. Isto significou, concretamente, que a experiência foi sempre o ponto de partida para a aprendizagem, fosse ela a experiência real de vida dos/as participantes, frequentemente evocada e partilhada no grupo, fosse uma experiência provocada através de atividades pedagógicas e dinâmicas de grupo. Mas a experiência não se assumiu apenas como recurso de aprendizagem; ela foi também encarada como finalidade da própria aprendizagem, na medida em que se pretendeu que as aprendizagens construídas fossem úteis e práticas, com aplicabilidade concreta nos contextos e situações de vida dos/as participantes.

A estratégia formativa transversal a este percurso assentou assim no ciclo da aprendizagem experiencial (Kolb, 1984), partindo sempre da experiência vivida, que depois era reconstituída, analisada e sistematizada (em momentos alternadamente individuais e coletivos) e cujas conclusões eram orientadas para aplicação a experiências futuras, configurando-se assim um ciclo de contínuo aprofundamento da aprendizagem.

Por fim, procurou-se também desenvolver um percurso de aprendizagem coletivo que todos/as assumissem como seu, consequentemente corresponsabilizando-se por ele.

Nesta abordagem metodológica a figura do/a educador/a dilui-se obrigatoriamente e torna-se transversal a todas/os as/os que participam na formação, concretizando-se de facto a afirmação de Paulo Freire “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (1996, p. 12). O/A formador/a torna-se essencialmente um/a facilitador/a que terá a seu cargo a orientação, sempre flexível, do grupo de participantes através do ciclo da aprendizagem experiencial. Com efeito, o percurso de capacitação inicial dos Agentes Juvenis, que teve uma duração total de 64 horas ao longo de três meses (alternando momentos presenciais com momentos de e-learning), foi estruturado e dinamizado por uma equipa de duas facilitadoras e dois facilitadores experientes no campo da ENF e com formações e experiências diversas nos domínios da IG, CG e diversidade cultural. No entanto, de modo coerente com a metodologia utilizada, o papel desta equipa nunca foi o transmitir ou ensinar qualquer competência nova às/aos participantes, contrariando a oposição hierárquica tradicional entre o/a professor/a (ativo/a) e o/a aprendiz (passivo/a).

Tratando-se de um processo de formação de agentes que viriam, no seguimento do projeto É de Género?, a assumir papéis de promoção e de animação de iniciativas de educação para a CG e IG em contextos associativos e/ou comunitários, proporcionaram-se, em diversos momentos do percursos formativo, oportunidades de reflexão sobre a própria formação em curso. Estes visaram estimular a reflexividade dos/as participantes sobre o seu próprio percurso de capacitação, aferindo competências desenvolvidas e por desenvolver enquanto futuros educadores em contextos de ENF e redefinindo objetivos individuais de aprendizagem. Esta estratégia de formação para a ação foi desenvolvida concretamente através de momentos periódicos de avaliação individual e coletiva da formação e do desempenho dos/as facilitadores/as, de aferição individual de aprendizagens, de construção coletiva do perfil de competências do/da facilitador/a de IG e CG, de auto-avaliação de competências tendo em conta o perfil definido, bem como da preparação e dinamização de oficinas temáticas pelos/as participantes, seguidas de comentários críticos dos pares e dos/as facilitadores/as.

Através desta modalidade de formação de educadores, definida pela reflexividade, pela auto-regulação e pela cooperação, procurou-se, enfim, que os/as participantes aprendessem mais do que técnicas de formação; que acima de tudo desenvolvessem, enquanto educadores/as e enquanto cidadãs/ãos, a competência-chave de “aprender a aprender” (Kloosterman e Taylor, 2012), tornando-se capazes de

“…iniciar e prosseguir uma aprendizagem, de organizar a sua própria aprendizagem, inclusive através de uma gestão eficaz do tempo e da informação, tanto individualmente como em grupo. Esta competência implica também que o indivíduo tenha consciência do seu próprio método de aprendizagem e das suas próprias necessidades, identificando as oportunidades disponíveis, e que tenha a capacidade de ultrapassar os obstáculos para uma aprendizagem bem sucedida” (Comissão Europeia, 2007:8).

 

Enquadramento metodológico

Instrumentos

Os dados utilizados para a elaboração deste artigo resultam da análise documental das fichas de inscrição dos/as participantes, que continham um conjunto de questões de caracterização sociodemográfica, bem como questões relacionadas com a experiência dos/as participantes e conhecimentos sobre os conteúdos da formação, nomeadamente se tinham experiência na dinamização de atividades com jovens e/ ou formação de jovens, se tinham experiência prévia nas temáticas da formação e quais as competências e condições que consideravam reunir para atuar como formador/a de jovens nas temáticas abordados por este projeto. Para além destas questões perguntava-se também sobre os motivos para a inscrição nesta ação de formação de formadores/as, sobre o que sentiam necessidade de aprender mais para poder ter um papel relevante enquanto Agentes Juvenis nestes domínios e como gostariam de aprender. Por fim, perguntou-se ainda o que a pessoa esperavam ganhar, em termos pessoais e profissionais, com o seu envolvimento neste projeto e como pensava mobilizar as competências adquiridas, mesmo depois do projeto terminar.

As respostas aos questionários de avaliação da formação, preenchidos pelos/as participantes no final do percurso formativo constituem-se como uma outra fonte privilegiada de dados para este artigo. Neste questionário foi solicitada uma avaliação quantitativa (numa escala de apreciação de 0 a 100%, sendo que 0% remetida para uma apreciação negativa e 100% para uma apreciação positiva) e qualitativa da formação em diversos aspetos, nomeadamente se a formação correspondeu às expetativas que tinha inicialmente, se considerou adequada a estrutura geral do programa, se proporia alguma alteração e se a seleção dos temas/ conteúdos abordados foi adequada. Para além destas questões, perguntou-se também a opinião dos/as participantes sobre a adequação das metodologias/ dinâmicas de trabalho aplicadas, sobre o desempenho da equipa de facilitadores/as e questões organizativas relacionadas com o curso. Para se poder perceber como avaliam o impacto que a formação teve em si próprios/as, perguntou-se também se as pessoas consideravam que o curso contribuiu para as preparar para as etapas seguintes do projeto e em que medida, procurando-se perceber como avaliam a sua própria participação na formação, o seu contributo para o seu desenvolvimento e as principais aprendizagens que adquiriram. Havia ainda uma questão relativa à avaliação da participação do grupo e se este tinha contribuído para o processo pessoal de aprendizagem.

Ao longo da formação esteve sempre presente uma observadora externa, pelo que, desta observação resultaram várias informações que decorrem de notas que foram registadas em grelhas de observação previamente elaboradas e que foram reajustadas ao longo do processo de observação dos trabalhos. As notas decorrentes desta observação constituem também contributos empíricos para este artigo.

 

Procedimentos

A divulgação desta formação, e por conseguinte do projeto É de Género?, foi feita a partir dos canais de comunicação da Rosto Solidário, tendo chegado via e-mail e por meio de “passa palavra” a várias regiões do país. Para se candidatarem a participar na formação e no projeto as pessoas tinham que enviar a ficha de inscrição devidamente preenchida para a equipa de coordenação do projeto. Todas as pessoas que enviaram a sua ficha de candidatura foram admitidas para a formação ainda que algumas tenham acabado por não dar seguimento quando perceberam a dimensão e compromisso que o projeto exigia. Para este artigo consideramos apenas a informação recolhida junto das pessoas que frequentaram a formação.

A participação na formação foi voluntária, sendo todas as despesas associadas asseguradas pelo projeto É de Género?.

No final das várias etapas da formação foi pedido aos/às participantes que preenchessem um questionário de avaliação.

Os dados recolhidos através da ficha de inscrição e dos questionários de avaliação foram sistematizados num documento Excel, tendo sido objeto de uma análise de conteúdo. Os dados recolhidos através da observação foram também objeto de análise de conteúdo a partir das grelhas de observação nas quais foram organizados.

 

Participantes

O grupo de participantes que inclui a população total considerada para este artigo é constituído por 18 pessoas, oriundos/as da zona norte do país, nomeadamente dos concelhos de Santa Maria da Feira, Ovar, Matosinhos, Maia, Póvoa de Varzim, Barcelos e Viana do Castelo (10, 2, 2, 1, 1, 1, 1, respetivamente). No que diz respeito ao sexo dos/as participantes, o grupo constitui-se por n = 4 homens e n = 14 mulheres. A idade dos/as participantes varia entre os 18 e os 37 anos, tendo uma média de 25,33 anos e um desvio padrão de 6,21 anos. Em termos das habilitações literárias, n = 1 é detentora de um mestrado, 9 são licenciados/as e n= 8 têm o 12º ano, sendo que destes últimos 5, estão a frequentar uma licenciatura. As áreas de formação superior são diversas, indo da gestão de recursos humanos (n= 3), à engenharia mecânica e industrial (n=2), ao direito (n= 2), à higiene e segurança no trabalho (n= 2), à economia/ gestão (n= 2), história (n= 1), educação social (n=1) e matemática (n=1). No que concerne à situação perante o trabalho os/as participantes distribuem-se em três condições: a trabalhar (n=9), estudantes (n=6) e desempregados/as (n=3).

A maioria dos membros do grupo refere ter alguma experiência prévia no trabalho com jovens (n=15), mais concretamente no âmbito de grupos de jovens das suas comunidades (n=6), ou enquanto catequistas (n=4), também devido à sua atividade profissional (n= 4), por causa de atividades inerentes ao seu percurso académico/ escolar (n=2), ou ainda devido ao envolvimento voluntário em organizações que trabalham com a comunidade (n=2) e à atividade política (n=1). Algumas pessoas referiram mais do que um tipo de experiência.

Já em relação às temáticas centrais do projeto a maioria das pessoas diz não ter experiência anterior (n=10), 4 pessoas fazem referência à exploração destas temáticas ao longo do seu percurso escolar e outras já participaram ou estavam a frequentar ações de formação, nomeadamente no âmbito da igualdade de género (n=4). Uma pessoa do grupo refere a sua proximidade às temáticas como decorrente de experiências concretas de participação comunitária.

 

Resultados

Aquando do preenchimento das fichas de inscrição os/as participantes foram convidados/as a refletir sobre as suas motivações para participar e sobre as suas expetativas relativamente ao que iriam ganham com a formação. Boa parte referiu que as suas motivações passavam sobretudo por saber mais sobre as temáticas do curso, nomeadamente a Igualdade de Género, e por poderem ter um papel mais ativo na sociedade com vista à desmistificação de mitos e preconceitos. Um/a dos/as participantes referiu que “Motiva-me a possibilidade de aprender formas e fundamentos de como se poderá tornar uma sociedade mais rica em termos de igualdade de género nas suas diferentes aplicações de vida profissional, familiar, quotidiana, cívica no dia-a-dia”, enquanto que outro escreveu que as suas principais motivações se prendem com o facto de ser “um projeto de jovens onde iria poder aprender e conviver e mais tarde ter a possibilidade de ir passar conhecimento.”

No que respeita à expetativa de ganhos pessoais e profissionais, de um modo geral, as pessoas esperavam ganhar mais conhecimentos sobre as temáticas e nesse sentido ficar mais capacitadas para trabalhar nesta área, mas sobretudo esperavam que contribuísse para uma mudança pessoal, dos seus comportamentos, que pudesse também vir a ter implicação na mudança de outros/as. De algum modo a seguinte frase sistematiza as várias expetativas partilhadas: “Ganhar mais conhecimento e experiências; Poder desenvolver a minha capacidade de comunicação; Envolver-me ativamente na sociedade”.

Uma das primeiras questões colocadas aos/às agentes juvenis nos questionários de avaliação da formação prendia-se com as suas expetativas em relação à formação, ou seja, perguntamos se o curso tinha correspondido às suas expetativas. A média das apreciações quantitativas situa-se nos 89%, o que significa que tendencialmente a formação correspondeu às expetativas, sendo que nas observações alguns participantes referiram que o curso superou as suas expetativas. Noutros casos as pessoas assumiram que não tinham muito claras as suas expetativas e que “Não esperava nada de muito concreto, a não ser que fosse enriquecedor em termos de aquisição de conhecimentos, competências e uma visão esclarecida sobre a temática. Esperava sair da formação com inspiração, ideias e motivações para “arregaçar” as mangas. Nesse sentido, correspondeu às minhas expetativas”.

Quando questionados relativamente à avaliação que fazem do programa da formação e da sua estrutura geral, grosso modo, os/as participantes fazem uma avaliação positiva, que se situam em média nos 88%, referindo a maioria que o programa estava bem estruturado. Acrescentam, contudo, que poderia ter sido importante haver mais tempo para a formação, até para se poderem explorar mais e mais aprofundadamente algumas temáticas. Neste sentido, quando questionados/as sobre a adequação da seleção dos temas/ conteúdos, respondem que foi globalmente adequada (média de 88%), referindo que “a seleção dos temas/ conteúdos abordados foi adequada, porque é importante estar a par da realidade que se passa no mundo, e poder escutar diferentes opiniões dessa realidade.”. Contudo os/as participantes sentem que teria sido importante explorar mais alguns aspetos, como ilustram os seguintes comentários: “considero que seria interessante conhecer e explorar algumas raízes sociais que estão na origem de certas evidências.”; “há muitos mais temas que é importante abordar, mas é impossível em tão pouco tempo.”

Ao longo da formação os participantes foram referindo o facto de não terem sido exploradas temáticas que consideravam muito importantes numa formação com estas características, como a saúde sexual e reprodutiva ou a violência de género.

A abordagem metodológica que orientou a formação é entendida pelo grupo como muito adequada, comentando um/a dos/as participantes que “pareceu-me a metodologia ideal tendo em conta o público-alvo e a natureza das aprendizagens que se pretende promover.” É neste ponto que a média das avaliações do grupo é mais elevada (94,5%), remetendo a maioria dos comentários para o entendimento de uma metodologia facilitadora da aprendizagem e que ao mesmo tempo potencia a partilha e construção conjunta entre os membros do grupo, como os seguintes comentários ilustram: “Adorei as metodologias descontraídas e de forte aprendizagem ao mesmo tempo.”; “Aprender a aprender é realmente a melhor forma de transmitir e adaptar novas informações. A educação não formal desperta mais interesse e atenção para o que se está a trabalhar.” Esta avaliação das metodologias pode ser perspetivada em confronto com a resposta à questão lançada inicialmente na ficha de inscrição, sobre como gostariam de aprender nesta formação. Algumas pessoas referem que seria importante aprender algum conteúdo teórico, mas sempre em articulação com uma forte componente prática, fundamentada no trabalho com o grupo, como vemos nesta partilha em que a pessoa referiu que gostava de aprender “de forma prática e a interagir com os restantes formandos”, o que acabou por caracterizar a abordagem metodológica da formação na sua globalidade.

Ao longo da formação foram evidenciadas as mais-valias desta abordagem metodológica, sobretudo pelo potencial de construção conjunta que comporta, dando aqui especial ênfase ao facto de todos/as os/as participantes terem tido oportunidades várias de intervenção, tendo-se conseguido uma gestão equilibrada da participação dos membros do grupo.

Ainda no questionário de avaliação final da formação perguntamos como as pessoas avaliavam a contribuição do grupo para a formação. Aqui as avaliações foram também positivas (média de 89,4%), tendo permitido reflexões dos/as participantes em relação ao contributo dos/as colegas do grupo para o seu processo de aprendizagem, que consideraram como relevante (“A contribuição/ participação do grupo de formandos/as foi boa e enriquecedora, pois é com a troca de ideias e experiências que se aprende também”). Para além disto boa parte dos/as participantes reforçam a importância da diversidade do grupo para o seu processo de aprendizagem, como podemos ver no seguinte excerto: “O facto de escutar testemunhos e formas de pensar diferentes, ou produzidos por pessoas diferentes de mim, deu-me a capacidade de refletir segundo uma perspetiva bem diversa da minha, aumentando/ melhorando a minha aprendizagem.”

Ao longo das sessões de formação presencial a participação dos membros do grupo foi acontecendo de modos muito distintos, sendo clara a diversidade de posturas e formas de estar em contexto de formação. A forma como ao longo do tempo as pessoas foram reagindo às diferentes propostas de atividades que foram lançadas reforça esta diversidade que caraterizou o grupo. Se alguns/mas participantes assumiram rapidamente papéis de liderança em situações que o proporcionavam, outros/as mantinham um papel aparentemente menos interventivo. A título de exemplo podemos destacar a proposta de se realizar uma “Discussão silenciosa” após a visualização do documentário, que implicava escrever numa grande folha de papel de cenário colocada no chão o que tinham acabado de ver e as reflexões que o filme lhes tinha despertado. Observamos que neste exercício participaram de forma muito ativa (por escrito) pessoas que em exercícios anteriores praticamente nunca tinham falado.

Em alguns momentos verificou-se que quando se pedia no final dos exercícios para falarem sobre a experiência, eram os/as participantes que se tinham mantido em papéis mais “discretos” que conseguiam ter partilhas que englobavam uma visão mais pluriperspetivada do que tinha acontecido.

Tudo isto reforça o que escreveram os/as participantes em relação à abordagem metodológica, por um lado, já que a diversidade de propostas pedagógicas pode ser um fator facilitador de uma maior participação de pessoas com diferentes perfis, conseguindo assim envolver todas nas discussões que estão a decorrer, potenciando a aprendizagem de todos/as. Por outro lado, reforça também a ideia de que, à sua maneira, todos os elementos do grupo contribuíram para este processo de aprendizagem partilhada, o que tornou a formação em geral e os debates em particular mais ricos e potencialmente mais enriquecedores.

Neste seguimento fará sentido referir a avaliação dos participantes relativamente ao desempenho da equipa de facilitadores/as. Este ponto foi também avaliado de forma muito positiva (93,8%), podendo o seguinte comentário sistematizar as principais ideias que foram partilhadas pelos membros do grupo em relação à prestação dos/as facilitadores/as: “A equipa foi fundamental para o desenvolvimento deste projeto. O modo como abordam os temas, as dinâmicas fizeram a diferença e foram aplicadas de forma correta. Tiveram um bom desempenho”.

Considerando que a formação é um primeiro passo do projeto, importa perceber se o grupo sentiu que a formação os/as preparou para os passos seguintes, ou seja, para serem capazes de preparar e orientar sessões com outros grupos de jovens. Neste sentido, aquando da inscrição perguntou-se de que modo pensavam vir a rentabilizar as competências adquiridas nesta formação. A esta pergunta foram dando respostas diversificadas mas que se prendem essencialmente com a possibilidade de transmitirem a outras pessoas, sobretudo jovens, as aprendizagens decorrentes desta formação. Alguns exemplos de resposta a esta questão: “através da transmissão da informação recebida na formação, com campanhas de sensibilização e formações.”; “Fazer mais projetos idênticos, que abordem este tema ao mesmo tempo que dou formação.”; “Penso mobilizar na minha vida cívica, associativa, política através da aplicabilidade verbal e prática.”

No final da formação, quando questionados/as sobre a forma como esta formação terá contribuído para o seu desempenho nas próximas etapas do projeto, todos os membros do grupo confirmaram que a formação cumpriu este propósito, referindo que “foi fundamental, sem este curso não me sentiria com as capacidades necessárias para o fazer.” Contudo, boa parte do grupo referiu também que ainda que a formação tenha contribuído para esta preparação, têm ainda um caminho de preparação individual a desenvolver para poderem desempenhar com qualidade as propostas seguintes: “preparou-me para as próximas etapas do projeto É de Género?, mas será com a experiência ao longo do tempo, também, e com estudo, que virei a estar ainda mais preparada.”; “Preparou! Mas ainda existem competências técnicas e pedagógicas que só podem ser desenvolvidas com a experiência.”

A auto perceção da participação na formação/ contributo individual para a formação foi o tópico que teve uma avaliação mais baixa (média de 73%). Os/as participantes fazem uma avaliação positiva da sua participação, considerando que contribuíram para a formação com as suas opiniões e experiências (“Dentro das minhas possibilidades fui participativa. Penso ter contribuído com a minha experiência pessoal.”). Algumas pessoas reconhecem ainda que o facto de terem partilhado ideias e opiniões com o grupo ao longo da formação contribuiu para a aprendizagem do grupo, enquanto todo, e para a própria aprendizagem, o que fica visível na seguinte partilha: “Eu não sou uma pessoa muito de falar, de partilhar ideias/ opiniões, sou mais de guardar para mim, mas no entanto tentei de uma maneira ou de outra, fazê-lo. Contribui sempre nas atividades e isso foi-me ajudando.” Ainda assim, esta auto-avaliação mais baixa poderá prender-se com o facto dos/as participantes sentirem que poderiam ter contribuído mais para o processo de aprendizagem global: “Acho que aprendemos sempre uns com os outros, mas podemos dar sempre mais.”

Os/as participantes evidenciaram as suas aprendizagens sobretudo a dois níveis. Por um lado referem que aprenderam mais sobre os conceitos que foram explorados na formação e, por conseguinte, sobre as temáticas trabalhadas: “Os 3 grandes temas ficaram mais claros e sem a névoa inicial.” Por outro lado, reforçam a importância das aprendizagens que fizeram ao nível das atitudes e comportamentos, o que fica visível quando referem que se verificou um “Aumento da consciencialização e sensibilização das temáticas abordadas.”; “Aprendi que este tipo de formação faz todo o sentido, que as pessoas crescem com ela e que toda a gente devia ter esta experiência.”

De modo geral arriscamos dizer que as aprendizagens que o grupo diz ter adquirido vão ao encontro das necessidades de aprendizagem que evidenciaram antes da formação, uma vez que boa parte do grupo referiu que gostaria de “conhecer e aprofundar mais os temas em questão”, enquanto que outros/as reforçaram a importância de se explorar na formação dimensões mais ligadas ao desenvolvimento pessoal, como por exemplo “Aprender a desmontar os raciocínios e formas de estar que aprendi. Passar a ser um exemplo, ou no possível saber identificar quando sou anti.”

As aprendizagens referidas terão também ido ao encontro de expetativas evidenciadas inicialmente, que se relacionavam com esta possibilidade de desenvolvimento de uma “maior capacidade enquanto cidadã, de exercer os meus direitos e deveres, promovendo a igualdade e não a distinção entre géneros, raças (…)”, ou quando alguém referiu que esperava “ganhar uma cultura interior e cívica maior do que tenho atualmente de forma a pôr em prática toda a ligação entre as formas mais justas e semelhantes de tratamento na sociedade de diferentes géneros”.

Globalmente as apreciações feitas por escrito vão ao encontro do que as pessoas foram evidenciando ao longo da formação.

 

Conclusões

Uma das principais conclusões deste artigo prende-se com a constatação da importância da exploração das temáticas trabalhadas na formação, com destaque para a Igualdade de Género. O grupo evidenciou um forte reconhecimento da necessidade de pensar sobre um tema que, apesar de marcar as suas vivências quotidianas, para muitos/as nunca tinha sido objeto de reflexão de forma sistemática, concertada e organizada. Esta reflexão permitiu a tomada de consciência da necessidade de mudança de comportamentos individuais e da urgência de intervenção com outras pessoas, ou seja, de se assumirem efetivamente como Agentes de advocacia pelos direitos das pessoas, no que as diferencia e no que as aproxima enquanto seres humanos.

A sensação de necessidade de saber mais sobre as temáticas, que os/as participantes manifestaram durante e no final da formação, é um dos indícios de que ficaram alerta e motivados/as para poderem ter um papel ativo na desconstrução de preconceitos e estereótipos que continuam a ser obstáculo para uma efetiva igualdade de oportunidades, aumentando as possibilidades de virem a envolver-se ativa e conscientemente para mudanças de mentalidade que se perspetivam como urgentes e atuais.

Podemos constatar que o confronto e a complementaridade de perspetivas, desempenhos e reflexões entre pares foi um fator de constante enriquecimento do processo formativo, numa dinâmica de aprendizagem mútua e cooperativa. A combinação de métodos (expositivos, interrogativos e ativos), de recursos (plásticos, audiovisuais, bibliográficos, dramáticos e biográficos) e de modalidades pedagógicas (formação presencial em formato residencial e não residencial, e-learning, apresentações públicas, trabalhos individuais e grupais) permitiu uma exploração aprofundada e multiperspetivada dos temas abordados, bem como a adequação aos diferentes perfis, ritmos e interesses de aprendizagem presentes entre os membros do grupo.

O envolvimento ativo de todos os intervenientes – equipa de facilitadores/as, participantes e equipa técnica do projeto – na definição, no ajuste contínuo e na organização do percurso formativo, bem como nas diversas atividades pedagógicas propostas e realizadas, revelou-se essencial para a construção de uma aprendizagem participada e cooperativa num ambiente seguro, assente em relações de abertura à diferença, de confiança e de suporte mútuo.

Compreende-se assim que através da aprendizagem experiencial os/as participantes tornaram-se o centro do processo formativo e os resultados de aprendizagem atingidos foram os que os/as próprios/as construíram com base nas suas experiências, motivações, interesses e reflexões.

Em jeito de conclusão realçamos o potencial da ENF na mobilização de pessoas, neste caso, de jovens, não apenas para pensar sobre as temáticas propostas, mas também como contributo para que se fortaleçam como agentes de intervenção, ou seja, para que possam aprender sobre as temáticas enquanto parte dos sistemas em que se reproduzem, para que assim, nesta dinâmica constante que “aprender a aprender” permite, possam efetivamente encontrar espaços para agir em prol da mudança de modelos de dominação que se vão aceitando sempre como dados adquiridos e imutáveis. Por isso terminamos reforçando a ideia de que

A educação não- formal capacita os indivíduos a se tornarem cidadãos do mundo, no mundo. Sua finalidade é abrir janelas de conhecimento sobre o mundo que circunda os indivíduos e suas relações sociais. Seus objetivos não são dados à priori, eles se constroem no processo interativo, gerando um processo educativo.” (Gohn, 2006, p.29)

 


[1] Andreia Soares é licenciada em Animação Socioeducativa com especialização em Desenvolvimento Local pela Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra (2003) e frequenta o mestrado em Relações Internacionais: Estudos de Paz e Segurança na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Atualmente é técnica de projetos de Educação para a Cidadania Global na ONGD Rosto Solidário e facilitadora da Comunidade de Língua Portuguesa da Rede Interinstitucional para a Educação em situações de Emergência. cidadaniaglobal@rostosolidario.pt.

[2] Filipe Martins é doutorado em Antropologia (ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, 2013). É investigador do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, pólo ISCTE-IUL, e do InEd – Centro de Investigação e Inovação em Educação da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto. É professor na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto na área da Educação Social. É sócio, formador e coordenador de projetos educativos na Rede Inducar, crl. filipe.martins@inducar.pt.

[3] Paulo Costa é licenciado em Economia (FEP – Universidade do Porto, 2003), mestre em Desenvolvimento (ISCTE-IUL, 2011), pós-graduado em Gestão de Organizações de Economia Social (UCP, 2013) e especializado em Cooperação para o Desenvolvimento (INA, 2015). É coordenador de projetos de cooperação para o desenvolvimento, educação para a cidadania global, mobilidades de aprendizagem e voluntariado internacional na ONGD Rosto Solidário. cooperacao@rostosolidario.pt.

[4] Teresa Martins é licenciada em Educação Social pela ESE.IPP (2007) e Mestre em Gerontologia Social pelo ISSSP (2012). Frequenta atualmente o Programa Doutoral em Gerontologia e Geriatria do ICBAS/ UP e Universidade de Aveiro. É docente da UTC de Ciências da Educação da ESE.IPP e investigadora do InEd – Centro de Investigação e Inovação em Educação da ESE.IPP. É membro da Rede Inducar a partir da qual participa no Projeto “É de Género?” enquanto avaliadora externa. teresamartins@ese.ipp.pt.

[5] Estas ações foram financiadas por Iniciativas Jovem, no âmbito do Programa Juventude em Ação da Comissão Europeia.

[6] Quer a conceção do manual, quer a produção do documentário foram financiados por uma entidade privada. A publicação do mesmo documentário foi financiada pela Fundação Portugal-África. O Manual É de Género, o documentário Mamãs do Papelão e outros materiais pedagógicos de apoio estão disponíveis on-line no site.

[7]  Desde março de 2014 e até fevereiro de 2016 o projeto é cofinanciado pelo Programa Cidadania Ativa. Este programa é um mecanismo de apoio às Organizações Não Governamentais (ONG), cuja gestão está a cargo da Fundação Calouste Gulbenkian e cujo financiamento provém dos EEA Grants – Islândia, Noruega e Liechtenstein.

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