Carola Lanatà[1]Estudante de Antropologia e colaboradora no acolhimento e integração de estudantes sob proteção internacional na Universidade de Turim (Itália). É ativista pela justiça social.& Graça Rojão[2]Doutorada em Sociologia e diretora executiva da CooLabora.
Resumo:
Este texto procura sistematizar a experiência do laboratório “o bairro que sonhamos”, uma iniciativa de dinamização da participação cívica de crianças realizada na Covilhã, com uma turma do quarto ano de escolaridade.
Na primeira parte apresentamos o processo de construção dos encontros deste laboratório, seguindo-se uma secção sobre o retorno dado pelas crianças. Em seguida fazemos uma leitura à luz de alguns conceitos que facilitam a análise desta prática e terminamos com uma reflexão sobre os espaços de participação.
Palavras-chave: Democracia; Participação; Crianças, Educação.
Abrindo a janela
Pensar a democracia nos territórios é um exercício complexo pois em cada local cruzam-se interesses diversos, por vezes contraditórios ou até opacos. O Estado central e os municípios estão frequentemente capturados por pretensões alheias aos princípios que norteiam a procura do bem-comum. A participação das pessoas, especialmente num momento em que crescem forças extremistas e não democráticas, pode ser fundamental para fazer face a essa fragilidade, para contribuir para repensar os locais que habitam e para criar maior transparência nas decisões. A ação coletiva, ao ser potenciada, amplia também a conexão entre «as pessoas e os lugares» (Lejano, 2023, p. 56), já que valoriza os seus anseios, visibiliza os interesses em confronto e torna a construção de compromissos e de tomada de decisões mais transparentes (Vestergren et al., 2019).
Se as cidades e os seus bairros podem incorporar de forma negociada os anseios, interesses e necessidades das pessoas que os habitam, esses processos correm o risco de deixar de lado alguns grupos sociais, em função da idade, origem étnica, condição social, entre outros (Blaug, 2002). Em Portugal, os números da participação eleitoral relativos aos últimos anos revelam que a abstenção é, de um modo geral, elevada. Os dados da Pordata indicam que 40% das pessoas que poderiam votar não vão às urnas.[3]https://www.pordata.pt/pt/resumos/digest/cinco-decadas-de-democracia. No caso das crianças, a participação é ainda mais rarefeita, não só porque não têm possibilidades de votar, mas porque as suas perspetivas são escassamente ouvidas ou, quando o são, o respetivo impacto na tomada de decisão tem-se revelado reduzido (Seixas, 2022).
As escolas podem ser um local privilegiado para a aprendizagem e vivência da democracia. Foi no sentido de experimentar um processo de participação das crianças numa iniciativa que a CooLabora[4]A CooLabora é uma cooperativa de intervenção social, com sede na Covilhã. É a entidade promotora do projeto Nós Vamos, realizado em parceria com o Grupo Recreativo Vitória de Santo António, … Continue a ler tem em curso na Covilhã que surgiu “o bairro que sonhamos”. O projeto no âmbito do qual se inscreve o laboratório educativo que aqui analisamos decorre em dois bairros periféricos da cidade da Covilhã, um concelho com vastas áreas que podem ser enquadradas no conceito de “desertos cívicos”[5]Utilizamos aqui o conceito de “desertos cívicos” seguindo o estudo “Mapping Civic Deserts”, isto é, lugares onde há a perceção de escassas ou nenhumas oportunidades de participar … Continue a ler, dada a escassez de oportunidades de participação. Um dos bairros escolhidos é Santo António e é nele que se situa a escola onde teve lugar o laboratório objeto deste texto.
Esta atividade insere-se no projeto “Nós Vamos!” que visa aprofundar metodologias de participação cívica inclusivas, com base numa intervenção assente num território e numa comunidade, identificando as suas potencialidades e limites. Para isso, procura mobilizar a diversidade de vozes e interesses presentes, com especial destaque para os grupos sociais menos audíveis, através de estratégias participativas e de formas de expressão plurais, que não se limitam à verbalização em contexto de assembleia.
O laboratório teve como ponto de partida o olhar crítico das crianças sobre o bairro onde fica a sua escola. Procurou conhecer os seus interesses, anseios e projetos através de um exercício de mapeamento físico-emocional e social e da construção de propostas de mudança para que este pudesse ser “o bairro que sonhamos”.
1. Construção dos encontros / O Laboratório
O laboratório “o bairro que sonhamos” realizou-se entre maio e junho de 2024 e acolheu o desejo de algumas voluntárias da CooLabora em renovarem o seu compromisso e o seu ativismo social em torno da consolidação de uma vida mais democrática, baseada na escuta e no confronto de ideias e de participarem ativamente no quotidiano da cidade da Covilhã. Especificamente, o laboratório procurou intervir em espaços e comunidades mais afastadas dos processos de tomada de decisão por razões diversas como a fragilidade socioeconómica, o nível de literacia, entre outras, reconhecendo que há pessoas que, dia após dia, passam pelos espaços que habitam sem nunca se sentirem verdadeiramente protagonistas das suas histórias pessoais e comunitárias (Rossi & Vanolo, 2012).
Por estas razões e recusando distinções académicas clássicas e dicotómicas entre a teoria e a prática, decidimos escrever este artigo híbrido, precisamente com uma partilha concreta do percurso que nos levou, primeiro, a experimentar uma forma transformadora de democracia no contexto escolar e, depois, a refletir sobre ela com ferramentas teóricas. Estas experiências mostram que são numerosos os casos em que a prática e a teoria se imbricam tão profundamente que as fronteiras entre uma e outra se esbatem e as raízes que as sustentam mutuamente se tornam indistinguíveis. De facto, se em lugares de construção do conhecimento por excelência, como a universidade, por exemplo, as práticas, nas suas múltiplas identidades e atualizações, são por vezes vistas e consideradas como potenciais ameaças à teoria estática e hegemónica, o nosso objetivo com este texto é partilhar uma experiência que, na sua pequenez, evidencia que a própria teoria é, afinal, uma prática a par das outras (Stepney & Thompson, 2020). Como afirma Paulo Freire (1975b) a teoria separada da prática é puro verbalismo e a prática desvinculada da teoria é ativismo cego, concluindo que não há práxis autêntica fora da dialética entre ação‑reflexão, prática‑teoria.
Foi esta separação inefável que caracterizou desde o início as oficinas com alunos e alunas do quarto ano da escola básica de Santo António. De facto, a equipa promotora que se reuniu na CooLabora era diversa em experiências, idades e propostas. Entre as pessoas envolvidas estavam duas jovens finalistas do ensino secundário, que haviam participado num outro projeto de educação para a cidadania global, que lhes despertou o desejo de renovar o seu compromisso com a transformação social. Juntou-se ainda uma estudante de Serviço Social, na altura estagiária na CooLabora, uma estudante universitária italiana em Erasmus, voluntária na CooLabora e uma técnica de intervenção social sénior da equipa da CooLabora. As duas últimas são as co-autoras deste texto.

Fotografia 1 – Seleção pelas crianças da ideias consideradas prioritárias.
Reunimos, portanto, um conjunto de perspetivas plurais, partilhadas de forma horizontal, porque acreditamos que “o pessoal é político” e todas as nossas vozes contam. Para além da equipa, participaram no laboratório 19 crianças da turma de quarto ano (10 meninas e 9 meninos), a professora e, ocasionalmente, a diretora da escola e uma professora de apoio.
A agência das crianças existe e deve ser reconhecida, o que geralmente não acontece (Mosé, 2013). Pensámos que era precisamente essa possibilidade de participação que queríamos promover através das oficinas, da observação do bairro à volta da escola, com um olhar livre e liberto das desigualdades sistémicas que podem silenciar a voz de identidades consideradas inadequadas ou inaptas para falar nos lugares de decisão (Blaug, 2002) e precisamente na “coisa pública” (res publica). Por isso, o desafio que decidimos lançar coletivamente e, ao mesmo tempo, partilhar com os meninos e meninas do bairro de Santo António foi o de pensar sobre as presenças e ausências – por vezes tão ausentes que se tornam visivelmente presentes – nas ruas e rotundas, e imaginar como seria o bairro dos seus sonhos.
A série de oficinas desenvolveu-se ao longo de quatro encontros, que permitiram ir trabalhando e afinando as ideias desenvolvidas através de atividades educacionais não formais. De facto, no encontro inicial foram lançadas as bases de todo o percurso que seguimos coletivamente. Começámos com uma apresentação interativa e dinâmica através de um jogo em que cada pessoa tinha de dizer o seu nome e identificar uma atividade que gostasse de fazer. Este momento representou já uma transformação na relação usual das crianças com as pessoas adultas pois permitiu-lhes terem um papel ativo, falarem de si próprias, definindo o quadro da sua própria identidade, como pessoas únicas e especiais, mesmo num contexto coletivo. Além disso, esse jogo permitiu-nos começar a apreender as suas personalidades e atitudes e a entrar nas dinâmicas enraizadas e naturalizadas no grupo. A atividade seguinte foi um passeio crítico pelo bairro com o objetivo de observarem o que mais gostavam e também o que gostariam de mudar, retirar ou acrescentar. Saímos da escola e as crianças, munidas de papel e lápis, espalharam-se pelas ruas e praças, ocupando espaços e reapropriando-se dos seus lugares quotidianos, começando logo a tirar notas e a registar ideias, sem ser necessário que alguém as viesse incentivar. No regresso deste passeio de mapeamento físico-emocional e social do bairro, as meninas e os meninos apresentaram as suas ideias. Seguidamente, escolheram e transcreveram as suas propostas prediletas para post-its coloridos, cujo conteúdo foi lido em voz alta. Após esta partilha, agrupámos os vários post-it em nuvens temáticas, diversificadas mas suficientemente amplas para poderem conter múltiplas sugestões. De seguida, pedimos às crianças que manifestassem a sua preferência quanto ao tema que gostariam de aprofundar e, a partir desta afinidade, formámos as equipas. Cada equipa discutiu e representou numa tela as ideias para o bairro dos seus sonhos.
O esboço dos trabalhos criativos e a sua concretização em telas exigiu um regresso cíclico à escola nas semanas seguintes, até à sua conclusão e à subsequente organização de uma exposição que teve lugar no pátio da escola, não apenas para apresentar os trabalhos, mas também e sobretudo para amplificar a voz e fazer ouvir – a quem habitualmente não ouve – as propostas cuidadosa e ponderadamente concebidas ao longo de várias semanas por estas crianças.
Um dos aspetos que mais nos impressionou durante o projeto foi o elevado interesse, curiosidade e participação dos alunos e alunas, eventualmente porque tínhamos também incorporado os estereótipos segundo os quais as crianças podem não ter uma opinião válida sobre questões sensíveis. O entusiasmo e empenhamento das crianças deveram-se possivelmente a esta oportunidade de diálogo horizontal, em que todas as contribuições e todas as vozes tiveram valor. Por isso, o facto de, no final do processo, ter surgido também o interesse de órgãos de comunicação social e da Câmara Municipal da Covilhã que foram visitar a exposição e ouvir as crianças, tornou a experiência ainda mais significativa para as meninas e os meninos, já que constituiu um momento em que vivenciaram uma verdadeira cidadania ativa e uma efetiva participação democrática.

Fotografia 2 – Foto de grupo, no dia da visita da RTP e do Vereador do município à exposição dos trabalhos das crianças.
2. O retorno das crianças
No primeiro dia, quando saímos da sala de aula, as crianças começaram de imediato a tirar notas e mostraram-se muito compenetradas. Tivemos cerca de uma hora de passeio crítico, durante o qual também nos cruzámos com residentes e familiares das crianças. Nesta caminhada, pelas observações que fomos escutando, intuímos a diversidade presente neste grupo, nomeadamente em termos de contextos sociais de origem. Enquanto algumas crianças, maioritariamente residentes no bairro, evidenciaram provir de famílias relativamente mais modestas, outras apresentavam sinais de pertença a um estrato socioeconómico mais abastado.

Fotografia 3 e 4 – Passeio crítico das crianças pelo bairro de Santo António.
Quando regressámos à escola, todas as crianças traziam muitas ideias, que foram anotando durante o percurso e que apresentaram em pequenos grupos de 3 a 4 membros. Em seguida, como já referimos, pedimos a cada criança que, individualmente, escrevesse num ou em dois post-it as ideias que mais gostaria de ver implementadas no bairro. Os resultados foram muito interessantes, pela criatividade das propostas, pela sua relevância, e sobretudo por terem procurado responder ao interesse coletivo, como é possível ver no quadro seguinte.
Jogos lúdicos para dar um dia melhor a quem precisa | Fazer jardim | Mais passeios para prevenir acidentes | Haver mais bebedouros | Horta comunitária |
Jogos na rua | Plantar árvores | Fazer passeios | Bebedouros | Fazer estradas de bicicletas ao lado das estradas |
Jogos para animar o dia | Plantar mais árvores | Melhorar as casas | Tornar o bairro com muitas luzes diferentes | Haver parques de bicicletas |
Fundar um clube de desporto | Plantar árvores | Arte urbana | Haver mais iluminação, como no Dubai | Ter transportes públicos como comboios e metros |
Haver mais piscinas | Mais árvores | Haver menos grafittis | Haver menos cigarros no chão | Carros elétricos e não carros a gasóleo |
Bancos ao pé da natureza, para se observar | Já que o bairro é alto, construir um miradouro | Desenhos urbanos nas paredes | Menos lixos | Criar postos elétricos e trotinetes elétricas para toda a gente e para quem não tem transporte poder deslocar-se |
Bancos na rua para as pessoas relaxarem | Haver miradouros | Mais lagos | Destruir os quilómetros de painéis solares e colocá-los em cima das casas para poder plantar árvores | Construir instituições para ajudar as crianças sem casa |
Quadro 1 – Ideias selecionadas pelas crianças e registadas nos post-ts.
Com lugar de destaque surgiram as propostas relativas à criação de espaços verdes e de lazer. A plantação de árvores e a criação de jardins foi assinalada por 6 crianças, num bairro onde não há um jardim público. Os bancos de jardim “para as pessoas relaxarem” tiveram 2 referências. Uma menina reforçou a ideia explicando que “também há crianças que se sentam nos passeios e aquilo está tudo sujo”.
A criação de miradouros teve 2 referências, a que não será alheio o facto de o bairro ficar a uma cota significativa e com amplas vistas para a Cova da Beira. Os espaços para jogar e brincar tiveram 4 referências, especialmente os jogos pintados no chão, por exemplo, a macaca, a risca branca (passadeira), entre outros. Uma menina concretizou que era preciso haver “jogos lúdicos para dar um dia melhor a quem precisa”, ou seja, para toda a gente e não apenas para pessoas de uma determinada idade. Um menino referiu que era bom haver um clube desportivo, tendo logo outras crianças adiantado que poderia ter vólei, futebol, basquetebol e yoga. Para que pessoas e animais possam beber água na rua, surgiram ainda 2 propostas de criação de bebedouros porque, como afirmou uma menina, “assim todas as pessoas que lá passarem podem beber água, tal como alguns animais”. Uma piscina e um lago são também duas propostas refrescantes, apontadas pelas crianças.
Com relevo, surgiram sugestões relativas à melhoria das habitações e do espaço público. A necessidade de passeios foi apontada por 2 crianças. Melhorar as casas, arte urbana, desenhos nas paredes e menos graffiti fazem parte das propostas das crianças. Uma menina sublinhou que “os graffiti estragam a paisagem e a arte urbana não, porque ela inspira as pessoas”. Na zona mais antiga do bairro há habitações degradadas, algumas abandonadas há muitos anos, que preocupam as crianças.
A iluminação (como no Dubai) ou luzes com cores diferentes foram também propostas para o espaço público. As crianças mostraram ainda algum incómodo com o lixo fora dos contentores e com as pontas de cigarro no chão.
A mobilidade e os transportes foram assinalados com relevo, ainda que estas crianças cheguem à escola em automóvel privado ou, as que residem mais perto, a pé. Nenhuma delas usa transportes públicos. Entre as 5 propostas apresentadas neste âmbito surgiram a criação de ciclovias, parques coletivos de bicicletas, trotinetes elétricas e carros elétricos. Houve uma proposta de levar o comboio e o metro até ao bairro, defendida por uma criança fascinada com a passagem dos comboios, que vê ao longe, através da janela da sala de aula.
Uma criança defendeu com afinco que seria bom existir uma horta comunitária “para haver mais comida, mais alimentos para as pessoas que precisam. Nós também precisamos, mas há certas pessoas que precisam mais que nós e nós também podemos contribuir para isso”. Houve uma proposta de criação de uma instituição de apoio a crianças sem casa e ainda uma referência “aos quilómetros de painéis solares” que estão a ser instalados na região, sugerindo que estes sejam colocados na cobertura das casas, libertando espaço para árvores.
A alteração dos grupos de trabalho usuais na sala de aulas, já estes que foram formados de acordo com interesses temáticos, foi reportada como muito positiva, como refere esta criança: “o que eu mais gostei foi desenhar na tela com amigos com quem nunca tinha trabalhado em grupo”.

Fotografia 5 – Pormenor de um grupo de crianças a pintar na tela as propostas para o “bairro que sonhamos”.
Depois da pintura das telas seguiu-se um focus group de avaliação da atividade, ainda antes da montagem da exposição final, na qual houve a oportunidade de as crianças apresentarem as suas ideias ao vereador da Câmara Municipal e à RTP, que fez a reportagem no local.
Quando perguntámos quais foram os aspetos de que mais gostaram e que mais solicitaram as suas reflexões críticas neste laboratório sobressaíram as questões que expomos em seguida.
A expressão da própria opinião e a possibilidade de contribuírem para um bairro melhor foi bastante sublinhada no focus group, como refere uma menina: “se nós queremos melhorar a nossa (…) vida temos que partilhar, temos que dar a nossa opinião sobre o que nós achamos no nosso bairro. Se nós queremos melhorar certa coisa, nós não podemos deixar ela ficar nesse estado, temos que fazer o maior possível”. Uma outra adianta “as crianças devem ser ouvidas porque devem ter uma opinião diferente das outras pessoas e porque as crianças também gostam de se exprimir, gostam de se explicar”.
Surpreendeu-nos que a maioria das crianças nunca tivesse pintado numa tela. Este suporte foi percecionado como valorizador do trabalho e das ideias e trouxe uma motivação adicional. No focus group foram expressas frases como “eu gosto muito de fazer trabalhos de expressão plástica”, ou “[o que mais gostei] foi pintar as telas porque eu nunca tinha pintado assim naquelas telas” e ainda uma outra criança “pintar nas telas até acabar de fazer tudo isto foi espetacular”.
A caminhada foi uma atividade que as crianças apreciaram de forma significativa. Uma delas refere no focus group: “o que eu gostei mais foi da caminhada que nós fizemos, foi muito fixe, com pessoas que nós tínhamos acabado de conhecer” e uma outra afirmou: “logo mesmo no primeiro dia, caminhar é uma coisa boa para nós, vermos as coisas que nós devemos melhorar no bairro”.
Uma das ideias fortes que resultou deste laboratório e que está presente na avaliação das crianças mas também de todas as pessoas adultas envolvidas é a importância da implementação de algumas das ideias que surgiram, algo que neste momento ainda não podemos avaliar, embora as nossas expectativas sejam positivas. Uma criança afirmou “na minha opinião, o que nós gostávamos que acontecesse a seguir, era que o bairro fosse melhorado, que fosse melhor do que já é” e uma outra corrobora esta ideia: “eu gostava que este bairro fosse mesmo melhorado e, se for possível, queria que isso acontecesse, ver as nossas ideias todas espalharem-se pelo bairro”.
Quando perguntamos às crianças os aspetos que menos apreciaram neste laboratório foram apontadas duas questões. A primeira diz respeito ao número de participantes na reportagem que iria ser feita pela RTP nos dias seguintes. A RTP tinha indicado que iria filmar toda a turma mas só entrevistaria até quatro crianças e não a totalidade, como algumas crianças gostariam. A segunda sugestão tem a ver com o momento mais adequado para a realização desta oficina. Uma menina explicou que “isto não devia ser feito no quarto ano porque para o ano já não estamos cá e não podemos ajudar a pôr as nossas ideias no bairro, por exemplo a pintar os jogos” e uma outra acrescentou “para o ano deviam fazer esta atividade na Pêro, para podermos continuar a dar ideias”. A Pêro é a escola “Pêro da Covilhã”, com o segundo ciclo, que fica situada numa outra zona da cidade. É nela que estas crianças preveem ingressar no ano letivo 2024/25. Estas considerações sobre o momento ideal para uma participação das crianças fizeram-nos refletir sobre a possibilidade de no ano letivo 2024-25 repetir a experiência envolvendo crianças de outros anos de escolaridade.
3. Chaves de leitura
A ideia de “direito à cidade”, cunhada por Lefebvre em 1961 (Lefebvre, 2001) destaca a relação entre a participação cidadã e o aprofundamento da democracia. As iniciativas que envolvem cidadãs e cidadãos na gestão dos bens coletivos materializam e ampliam o direito à cidade, já que implicam a redistribuição de poderes. Consequentemente, decisões mais democráticas contribuem para reforçar a comunidade, nomeadamente o sentimento de pertença e as relações de vizinhança e criam ainda uma cultura cívica que empodera grupos e pessoas. Os cidadãos e as cidadãs em situação de maior vulnerabilidade têm níveis de participação política relativamente baixos (Mota, 2013). A desilusão face ao funcionamento da democracia e das suas instituições, a falta de transparência dos processos de decisão, a descrença na possibilidade de gerar mudanças, a proliferação de ideias que associam a política à corrupção e a escassez de espaços de participação na vida coletiva podem contribuir para afastar as pessoas da democracia (Falanga, 2019). Há, porém, grupos sociais cujas vozes ainda são menos audíveis, especialmente pessoas em situação de vulnerabilidade económico-social, com níveis de escolaridade baixos, pessoas imigrantes, pessoas cuja idade é desvalorizada de um ponto de vista político, sejam mais idosas, crianças ou adolescentes (Blaug 2002), e, dentro de cada um destes grupos, transversalmente há também uma menor participação das mulheres e raparigas, assente em processos de socialização e estereótipos de género que criam obstáculos ao seu envolvimento na vida política.
Nos processos de intervenção comunitária, a inexistência de uma ação positiva especificamente orientada para assegurar a participação dos grupos sociais menos audíveis pode levar a que sejam reproduzidas relações de poder e padrões de hierarquização: as mulheres, as pessoas idosas, as crianças, etc. continuam a ser representadas indiretamente, sobretudo pelos “chefes de família”. A escassa capacidade de agência destes grupos e também das suas comunidades, torna mais distante a possibilidade de verem os seus problemas e anseios considerados nos processos decisórios a nível local. O afastamento das decisões locais reforça o desinteresse pela política em geral e aumenta a desconfiança nas instituições.
As crianças são frequentemente consideradas cidadãs de amanhã, o que protela os seus direitos para o futuro, porém, elas também são cidadãs hoje e não apenas na idade adulta, como assinala a iniciativa “a cidade das crianças” lançada em 1996 por Francesco Tonucci (1996), que deu origem a uma rede internacional, hoje com mais de 300 cidades, e que em Portugal conta com experiências relevantes, nomeadamente na cidade de Valongo[6]https://brincarnacidadeeducadora.pt/projetos/cidade-das-crianas/.. Para Tonucci a cidade moderna é hoje “uma cidade cujo espaço público não é cenário de encontro e entretenimento, mas sim uma realidade impregnada de graves problemas de trânsito, congestionamento, insegurança e poluição”[7]https://www.francescotonucci.it/francesco/proposte-politiche.. As propostas de Tonucci passam por “ouvir as crianças, questionar seu ponto de vista, ouvir as suas ideias, protestos e propostas, para fazer com que as políticas públicas sejam imbuídas da singularidade e força do pensamento infantil”[8]https://www.francescotonucci.it/francesco/proposte-politiche.. Também a UNICEF tem insistido na importância de as crianças estarem representadas nos processos de tomada de decisão, defendendo que “uma Cidade Amiga das Crianças incorpora a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) ao nível local, o que na prática significa que os direitos dos cidadãos mais jovens estão refletidos nas políticas, programas e orçamentos do concelho”[9]https://www.unicef.pt/o-que-fazemos/o-nosso-trabalho-em-portugal/programa-cidades-amigas-das-criancas/.. O programa Cidades Amigas das Crianças da UNICEF pretende “contribuir para a realização dos direitos da criança, mediante a adoção de políticas de âmbito local que promovam o bem-estar de todos os cidadãos e em particular das crianças, e o desenvolvimento das comunidades, tanto no presente como no futuro”[10]https://www.unicef.pt/media/3546/cac-guia-tecnico-2022.pdf. (UNICEF, p. 6).
Quando falamos de participação, importa saber a que nos referimos. Utilizamos aqui o termo no sentido político, isto é, como processo de partilha de poder. Sherry Arnstein em 1969 apresentou a Escada da Participação Cidadã sobre a participação pública democrática e as suas propostas não perderam pertinência. Sublinham que a participação cidadã requer sempre a redistribuição de poder. Sem isso, pode ser instrumentalizada de forma a permitir que quem detém o poder possa alegar que teve em conta todas as partes, quando, na realidade, manteve o status quo. Arnstein (1969) sublinha que a participação cidadã é a redistribuição de poder que permite que as pessoas excluídas dos processos políticos e económicos sejam deliberadamente incluídas.
As propostas de Sherry Arnstein levaram à posterior adaptação da Escada da Participação às crianças e jovens por Roger Hart (1992).

Imagem 1 – Escada da participação das crianças. Ilustração original de Roger Hart (1992).
No 1º degrau temos a manipulação, no 2º a decoração, no 3º o tokenismo. Estes três degraus não correspondem a formas de participação. No 4º degrau as pessoas adultas decidem e informam, no 5º as pessoas adultas consultam e informam, no 6º as pessoas adultas iniciam e partilham as decisões com criança ou jovens, no 7º as crianças ou jovens iniciam e dirigem e no 8º as crianças iniciam e partilham as decisões com as pessoas adultas.
No laboratório “o bairro que sonhamos” a participação das crianças foi efetiva, se a analisarmos à luz da escada da participação de Roger Hart. Podemos situá-la no 6º degrau, em que as pessoas adultas iniciam a atividade e partilham as decisões com as crianças. Ficam de fora os degraus 7º e 8º uma vez que a iniciativa partiu das pessoas adultas e foi dirigida por elas, ainda que muitas decisões tenham sido tomadas em conjunto com as crianças.
A escada não é um modelo fechado, é antes um ponto de partida que ajuda a pensar a participação em projetos e a problematizar a participação das crianças, no sentido da redistribuição de poder. Uma das limitações que lhe são apontadas reside no facto de a complexidade dos processos participativos tornar desadequada a ideia de hierarquização dos níveis que uma escada sugere. Em determinadas situações, poderá mesmo ser mais apropriado informar apenas os membros de uma comunidade sobre decisões tomadas e não envolver uma participação mais intensa. De qualquer modo, a metáfora da escada é muito forte e constitui um instrumento que facilita uma leitura mais complexa dos processos participativos.
São aqui oportunos os contributos de Paulo Freire (1975), nomeadamente as suas propostas de uma pedagogia capaz de estimular o sentido crítico e a reflexividade alicerçada na participação efetiva. Freire salienta que a realidade não corresponde apenas a dados ou factos mas também à perceção que os indivíduos têm deles, daí a importância de uma educação dialógica, que promova a problematização e a postura crítica face à realidade vivida.
Parece-nos de extrema relevância a noção freireano de «inédito viável», que o autor aborda primeiramente na Pedagogia do Oprimido (Freire, 1975a). O “inédito viável” consiste em algo que ainda não é claramente conhecido mas, mais do que um sonho, é uma possibilidade. Anima-nos também neste laboratório a ideia de utopia concreta, como postulou Ernst Bloch (1977), que recusa o pessimismo paralisante mas também a utopia abstrata. A ideia de utopia concreta é transversal no laboratório “o bairro que sonhamos” porque, também aqui partimos da possibilidade de realizar as ideias das crianças, de provocar mudanças, de ousar esta experiência e batalhar no sentido de concretizar outros futuros.
A nossa abordagem pode ser enquadrada nos momentos pedagógicos propostos por Freire: a problematização, que nos leva a (re)conhecer a realidade, a tematização que nos ajuda a ganhar consciência sobre o vivido, e a aplicação do conhecimento, já que partimos da realidade vivida pelas crianças, através de uma caminhada pelo bairro, que permitiu olhá-lo criticamente, com base nas suas vivências, ou seja, na identificação do modo como elas vivem a sua própria realidade.
Neste processo tivemos em conta que as crianças são diversas e que importa ouvi-las diretamente. Numa abordagem que partisse de uma ideia universal e abstrata de “ser criança”, generalizando e uniformizando pela pertença ao mesmo grupo etário, bastaria ouvir uma criança, naturalizando-se a partir dessa suposta representante, as diferenças de género, de contexto social e culturais. Aqui ouvimos as crianças na sua diversidade e na sua singularidade, mas também enquanto turma e coletivo, o que permitiu criar um espaço de expressão mais livre.

Fotografia 6 – Exposição das pinturas feitas pelas crianças com as propostas para o “bairro que sonhamos”.
A aprendizagem cívica que incentivámos não partiu de uma conceção de socialização como condição necessária para que as crianças desta escola se integrem mais facilmente no contexto sociopolítico futuro, antes pretendeu ser uma oportunidade de aprendizagem e realização cívica hoje. As crianças não são redutíveis aos “cidadãos do futuro” elas devem ser reconhecidas como cidadãs, no aqui e agora (Seixas, 2022).
Considerar as crianças como pessoas inteiras implica recusar a imagem de uma suposta criança ideal, num território também ele pensado como ideal, e reconhecer as diferentes formas de viver, as especificidades de cada contexto sociocultural e também os respetivos problemas sociais.
4. Reflexão sobre os espaços da educação
Este Laboratório partiu do reconhecimento de que as crianças têm conhecimentos e opiniões relevantes, que devem ser escutados e atendidos e que a sua capacidade de agência na defesa e concretização de propostas deve ser reconhecida (Gill, 2021). A iniciativa que aqui referimos ocorreu no momento de arranque do projeto e diz respeito às crianças do quarto ano de escolaridade da escola do bairro e visou promover a inclusão da diversidade dos seus interesses no debate sobre a vida no bairro, incorporando em igualdade política as suas propostas e proporcionando-lhes oportunidades para adquirirem por via desta experiência competências e capacidades democráticas. Pretendeu-se que a participação das crianças constituísse uma experiência positiva e também ela demonstrativa da sua capacidade de agência.
Ao propormos uma experiência deste tipo, quisemos também treinar a capacidade de imaginar o território de vivência, o que ficou bem ilustrado pelas anotações e comentários das crianças sobre a falta de espaços verdes, a necessidade de criar jogos lúdicos ou de pensar o bem-estar da comunidade.
Este exercício é também um estímulo à reflexão sobre os espaços que habitamos. Para quem são concebidas as cidades em que vivemos? Para quem são as ruas, as paisagens urbanas, os passeios e as paragens de autocarro que encontramos nos percursos que percorremos todos os dias, frequentemente sem sequer prestar atenção? Podemos tentar visualizar conscientemente a resposta a estas perguntas através de um exercício de imaginação.
Este exercício ajuda a constatar que muitas das vozes que dão vida às ruas, aos bairros, às cidades que povoamos, podem não ser ouvidas. São vozes e palavras que podem estar silenciadas, marginalizadas, oprimidas e esmagadas no anonimato pela massa de cidadãos e cidadãs cujas identidades e desejos não são tidos em conta (Blaug, 2002).
É evidente que há propostas que aspiram a ser dominantes e hegemónicas: de onde vêm? Como escreve Leslie Kern, referindo-se a uma revista de antigos estudantes da Universidade de Toronto dedicada à geografia urbana, “todos os artigos eram escritos por um homem branco de meia-idade” (Kern, 2021, p. 17)[11]Kern, L. (2021). La città femminista. La lotta per lo spazio in un mondo disegnato da uomini. Treccani.. O sujeito desta última frase poderia ser substituído por qualquer outro substantivo gramatical ou projeto político-cultural e muito provavelmente o significado conotativo permaneceria o mesmo. Partilhando o sentimento de resignação expresso por Kern no seu livro, nenhuma destas frases utilizadas como exemplos é surpreendente. Segundo a escritora e académica Sara Ahmed, que Kern também menciona, “quando falamos de «homens brancos» estamos a descrever uma instituição. Os «homens brancos» são uma instituição. (…) Uma instituição refere-se tipicamente a uma estrutura persistente ou a um mecanismo de ordenação social que governa o comportamento de um conjunto de indivíduos numa dada comunidade” (Feministkilljoys, 2014)[12]Feministkilljoys, V. a. P. B. (2014, November 7). White men. Feministkilljoys. https://feministkilljoys.com/2014/11/04/white-men/.. E assim, esse corpo coletivo, que se tornou hegemónico nas dimensões sociais, culturais, políticos e económicos, e que se consolidou como uma instituição fossilizada nos seus próprios labirintos de significado, passou a excluir outras formas de subjetividade que não se conformam e aderem às suas expectativas.
Estas incluem pessoas migrantes tipicamente oriundas de países do Sul global e frequentemente caracterizadas por diferentes traços fisionómicos, cor da pele e contas bancárias. Mas diferentes de quê? Mais uma vez, diferente da norma colonial branca, caucasiana e europeia que reivindica e auto-atribui um estatuto superior devido a características físicas ou herança monetária de um determinado tipo.
O laboratório “o bairro que sonhamos” estimulou uma observação crítica do bairro, proporcionando às crianças a oportunidade de se interrogarem e se sentirem protagonistas da idealização de um espaço capaz de responder às suas necessidades e desejos.
Uma intelectual de referência neste domínio é bell hooks (2020). Entre as palavras que fluem nas memórias da sua juventude, cita Paulo Freire e o monge budista Thích Nhất Hạnh apresentando-os como grandes guias e fontes de influência no seu trabalho como professora, orientada para uma revolução amorosa dos estilos pedagógicos hierárquicos estabelecidos. Ao fazê-lo, ela convida-nos, onde quer que nos encontremos no percurso educativo, pessoal e profissional, não só a posicionarmo-nos, mas a posicionarmo-nos com “consciência crítica e compromisso” (hooks, 2020, p. 68)[13]hooks, b. (2020). Insegnare a trasgredire: L’educazione come pratica della libertà. Mimesis..
Este posicionamento situado é precisamente o que temos procurado através das oficinas “o bairro que sonhamos”, de forma adequada às nossas personalidades e aos interesses das crianças que lá encontramos, porque as metodologias nunca são únicas, nem estáticas, mas estão constantemente a enfrentar mudanças, de acordo com aqueles e aquelas que envolvem, de forma a serem estimulantes e a reconhecerem as peculiaridades das pessoas – igualmente importantes mas com experiências e vidas sempre diferentes – com que nos confrontamos.
Por isso, tendo presente que “é difícil para qualquer pessoa mudar de paradigma, e que o ambiente deve permitir que as pessoas expressem os seus medos, falem sobre o que estão a fazer, como o estão a fazer e porquê” (hooks, 2020, p. 70), é necessário pensar a escola como um espaço caracterizado por dinâmicas que são mutáveis, por isso, como a casa “do êxtase: tanto prazeroso como perigoso” e como um “lugar político”, subvertendo as interpretações que fizeram dela um lugar para “aprender a obediência à autoridade” (hooks, 2020, pp. 33-34).
5. Conclusão
As crianças, apesar de hoje haver esforços significativos no sentido da promoção da sua participação, ainda não são suficientemente ouvidas no planeamento do espaço público o que não se deve ao seu desinteresse mas sim à escassez ou mesmo ausência de mecanismos adequados para poderem participar. Seixas sublinha que “tanto a promoção de iniciativas que envolvam a consulta infantil no âmbito do desenvolvimento de lugares saudáveis, como o atendimento às suas necessidades e particularidades em contexto urbano ainda não são suficientemente relevantes do ponto de vista académico e político” (Seixas, 2022, p. 4).
A oportunidade de expressão proporcionada por este laboratório constituiu um momento de reflexão e de aprendizagem para todas as pessoas que participaram. Teve impacto nas crianças, na equipa da CooLabora que promoveu a iniciativa e teve também impacto na escola, já que as professoras acompanharam de perto a iniciativa, sobretudo como observadoras, mas também apoiando a equipa com grande interesse.
As propostas das crianças irão mais tarde juntar-se às propostas de outros grupos sociais que estão a participar no projeto de que esta atividade faz parte. Apesar da dispersão causada pelo final do ano letivo, com as crianças a integrarem outras escolas fora do bairro, já que terminam o 1º ciclo do ensino básico, o facto de terem sido criados trabalhos plásticos e textos, permite que a exposição venha a ser apresentada nos debates previstos com a comunidade local, e, desta forma, que as suas ideias possam estar presentes.
Estamos cientes do risco de enfrentarmos um nível de implementação destas propostas baixo. No que diz respeito ao impacto da participação de crianças e jovens, Kirby & Bryson (2002), citados por Seixas (2022, p. 37) referem que em 27 projetos analisados o impacto das crianças na tomada de decisão foi reduzido. As ações participativas não conseguiram traduzir-se no processo de tomada de decisão. A falta de concretização das ideias das crianças poderá levar a que as expectativas criadas sejam defraudadas e assim contribuir para as afastar dos processos de cidadania, havendo o risco de causar impactos no futuro. O envolvimento neste projeto de entidades parceiras como a Câmara Municipal e o interesse já expresso em aprofundar conhecimentos sobre metodologias de promoção da participação cívica, bem como da Universidade da Beira Interior e das duas coletividades de cultura e recreio, uma de cada bairro, permite que tenhamos expectativas de conseguir, como diria Freire, concretizar “inéditos viáveis”, porque, mais do que um sonho, as propostas das crianças são uma possibilidade.
Referências
- Arnstein, S. R. (1969). A Ladder Of Citizen Participation. Journal of the American Institute of Planners, 35(4), 216–224. https://doi.org/10.1080/01944366908977225.
- Blaug, R. (2002). Engineering democracy. Political studies, 50 (1), 102-116.
- Bloch, E. (1977). El principio esperanza I-II-III. Editorial Aguilar.
- Caetano, L., Crespo, J. L., & Paraizo, R. C. (2020). Os movimentos cívicos como impulsionadores da democracia de proximidade. 135-142. In Atas da Conferência Internacional “Comunidades e Redes para a Inovação Territorial” https://ria.ua.pt/bitstream/10773/31470/1/CeNTER_Conferencia-de-Encerramento_Livro-de-Atas.pdf.
- De Marco, G. (2024). La città come comunità educante: riflessioni socio-pedagogiche e nuove prospettive empiriche per uno sguardo interdisciplinare sullo spazio urbano. Cartografie sociali. Rivista di sociologia e scienze umane, 17, 195-214. https://www.mimesisedizioni.it/libro/9791222313153.
- Lefebvre, H. (2001). Droit à la ville.
- Lejano, R. P. (2023). Caring, Empathy, and the Commons: A Relational Theory of Collective Action. Cambridge University Press.
- Falanga, R. (2019). Processos Participativos nas Políticas Públicas em Portugal. Inteligência Territorial-Governança, Sustentabilidade e Transparência, 441-459.
- Feministkilljoys, V. a. P. B. (2014, November 7). White men. Feministkilljoys. https://feministkilljoys.com/2014/11/04/white-men/.
- Freire, P. (1975a). Pedagogia do Oprimido. Afrontamento.
- Freire, P. (1975b). Educação política e conscientização. Sá da Costa.
- Gill, T. (2021, July 2). ‘Urban Playground’ makes the case for child-friendly cities. Child in the City. https://www.childinthecity.org/2021/07/02/urban-playground-makes-the-case-for-child-friendly-cities-tim-gill/?gdpr=deny.
- Hart, R. A. (1992). Children’s participation: From tokenism to citizenship. Inoccenti Essays, n.4. UNICEF. https://www.researchgate.net/publication/24139916_Children’s_Participation_From_Tokenism_To_Citizenship
- Holliday, O. J. (2007). Sistematização de Experiências: aprender a dialogar com os processos. CIDAC. https://www.cidac.pt/files/4513/8497/5266/Aprendizagens_1_v_ligth.pdf.
- hooks, b. (2020). Insegnare a trasgredire: L’educazione come pratica della libertà.
- Kern, L. (2020). Feminist City: Claiming space in a Man-Made world. Verso Books. https://openlibrary.org/books/OL28317827M/Feminist_City.
- Lucchi, C. (2024, July 27). Senza casa, tossici, migranti: Parigi “fa pulizia” in vista delle Olimpiadi. La Città Invisibile | per Unaltracittà | Firenze. https://www.perunaltracitta.org/homepage/2024/07/27/senza-casa-tossici-migranti-parigi-fa-pulizia-in-vista-delle-olimpiadi/.
- Mosé, V. (2013). A escola e os desafios contemporâneos. Editora José Olympio.
- Mota, J. C. (2013). Planeamento do Território: Metodologias, Actores e Participação. Tese de Doutoramento, Universidade de Aveiro.
- Rossi, U., & Vanolo, A. (2012). Urban Political Geographies: A Global Perspective.
- Seixas, D. (2022). A participação das crianças no planeamento do território: O projeto à procura do meu lugar (Tese de Mestrado, Universidade de Aveiro). https://ria.ua.pt/handle/10773/35623.
- Slavkova, L., Petrova, D., Sichtermann, L., & Moshelova, M. (2022). From ‘civic deserts’ to civic cohesion. https://mappingcivicdeserts.com/from-civic-deserts-to-civic-cohesion/.
- Stephan, J. (2024, July 22). «Phase finale du nettoyage social» avant Paris 2024: comment les autorités multiplient les évacuations pour leur «Paris carte postale». L’Humanité. https://www.humanite.fr/societe/jeux-olympiques-paris-2024/phase-finale-du-nettoyage-social-avant-paris-2024-comment-les-autorites-multiplient-les-evacuations-pour-leur-paris-carte-postale.
- Stepney, P., & Thompson, N. (2020). Isn’t It Time to Start “Theorising Practice” Rather than Trying to “Apply Theory to Practice”?: Reconsidering our Approach to the Relationship between Theory and Practice. Practice, 33(2), 149–163. https://doi.org/10.1080/09503153.2020.1773420.
- (2016). Guia para a construção de Cidades Amigas das Crianças. Comité Português para a UNICEF. Lisboa. https://www.unicef.pt/media/3546/cac-guia-tecnico-2022.pdf.
- Vestergren, S., Drury, J., & Chiriac, E. H. (2019). How participation in collective action changes relationships, behaviours, and beliefs: An interview study of the role of inter- and intragroup processes. Journal of Social and Political Psychology, 7(1), 76–99. https://doi.org/10.5964/jspp.v7i1.903.
1 | Estudante de Antropologia e colaboradora no acolhimento e integração de estudantes sob proteção internacional na Universidade de Turim (Itália). É ativista pela justiça social. |
---|---|
2 | Doutorada em Sociologia e diretora executiva da CooLabora. |
3 | https://www.pordata.pt/pt/resumos/digest/cinco-decadas-de-democracia. |
4 | A CooLabora é uma cooperativa de intervenção social, com sede na Covilhã. É a entidade promotora do projeto Nós Vamos, realizado em parceria com o Grupo Recreativo Vitória de Santo António, Liga dos Amigos do Bairro dos Penedos Altos, Município da Covilhã e Universidade da Beira Interior e financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian. Mais informação em www.coolabora.pt. |
5 | Utilizamos aqui o conceito de “desertos cívicos” seguindo o estudo “Mapping Civic Deserts”, isto é, lugares onde há a perceção de escassas ou nenhumas oportunidades de participar ativamente e aprender sobre a vida cívica devido especialmente a dois fatores: nível de literacia da população e debilidade da estrutura física e organizacional necessária para a participação cívica (por ex. grupos informais, redes, instituições, centros comunitários, bibliotecas, museus, escolas, etc.). Mais informação em https://mappingcivicdeserts.com/from-civic-deserts-to-civic-cohesion/. |
6 | https://brincarnacidadeeducadora.pt/projetos/cidade-das-crianas/. |
7, 8 | https://www.francescotonucci.it/francesco/proposte-politiche. |
9 | https://www.unicef.pt/o-que-fazemos/o-nosso-trabalho-em-portugal/programa-cidades-amigas-das-criancas/. |
10 | https://www.unicef.pt/media/3546/cac-guia-tecnico-2022.pdf. |
11 | Kern, L. (2021). La città femminista. La lotta per lo spazio in un mondo disegnato da uomini. Treccani. |
12 | Feministkilljoys, V. a. P. B. (2014, November 7). White men. Feministkilljoys. https://feministkilljoys.com/2014/11/04/white-men/. |
13 | hooks, b. (2020). Insegnare a trasgredire: L’educazione come pratica della libertà. Mimesis. |