Ana Dubeux1

Resumo: O Brasil é um país de tradição colonial e, nesta perspectiva, sofre historicamente a influência de tendências, ideias e modelos dos países da Europa e dos Estados Unidos na implantação de modelos na economia, na saúde, na política e também na educação. Esses processos de “transplante” de ideias, nem sempre são bem-sucedidos pois nem sempre levam em consideração as características políticas, sociais, econômicas e culturais do país. A extensão universitária, é de certa forma uma ideia importada, mesmo se ao longo dos tempos, o conceito vai se transformando e sendo cunhado a partir da ótica e das questões relevantes da realidade brasileira. O presente artigo, visa, a partir de um histórico inicial da extensão universitária no Brasil, apresentar a evolução do conceito, indicando como, nos dias atuais, as concepções evoluíram de processos pontuais de intervenção na realidade para processos mais amplos de desenvolvimento territorial, provocados a partir da necessidade de democratização do acesso ao saber que é produzido no interior da universidade. Buscaremos, para além do conceito, esboçar aspectos relativos à evolução metodológica inerente a este processo, mostrando como a extensão universitária no Brasil tornou-se hoje um importante instrumento de transformação social desenvolvido pela universidade brasileira.

Palavras-chave: Extensão universitária; Universidade; Educação popular; Desenvolvimento territorial, Brasil.

Abstract: Brazil is a country of colonial tradition and thus it is historically influenced by trends, ideas and models of the countries of Europe and of the United States in the implementation of economic, health, political and education models. These processes of “transplantation” of ideas are not always successful, as they often fail to take into account the political, social, economic and cultural characteristics of the country. University extension is in some ways an imported idea, even if over time the concept is transformed and framed within the perspective and relevant issues of the Brazilian reality. This article presents a development of the concept based on the history of the university extension in Brazil, showing how nowadays the conceptions developed from sporadic processes of intervention in the reality for broader processes of territorial development, arising from the need to democratize access to the knowledge that is produced within the university. In addition to the concept, the article seeks to approach aspects related to the methodological evolution inherent in this process, showing how the university extension in Brazil has now become an important instrument of social transformation developed by the Brazilian university.

Keywords: University extension; University; Popular Education; Territorial development, Brazil.

Resumen: Brasil es un país de tradición colonial y, en esta perspectiva, sufre históricamente la influencia de tendencias, ideas y modelos de los países de Europa y de los Estados Unidos en la implantación de modelos en la economía, la salud, la política y también en la educación. Estos procesos de “trasplante” de ideas no siempre son exitosos, pues no siempre tienen en cuenta las características políticas, sociales, económicas y culturales del país. La extensión universitaria, es en cierto modo una idea importada, aunque a lo largo de los tiempos, el concepto va siendo transformado y siendo acuñado a partir de la óptica y de las cuestiones relevantes de la realidad brasileña. El presente trabajo, a partir de un histórico inicial de la extensión universitaria en Brasil, presenta la evolución del concepto, indicando cómo, en los días actuales, las concepciones evolucionaron de procesos puntuales de intervención en la realidad para procesos más amplios de desarrollo territorial, provocados a partir de la necesidad de democratización del acceso al saber que se produce en el interior de la universidad. Más allá del concepto, buscaremos identificar aspectos relativos a la evolución metodológica inherente a este proceso, mostrando cómo la extensión universitaria en Brasil se ha convertido hoy en un importante instrumento de transformación social desarrollado por la universidad brasileña.

Palabras clave: Extensión universitaria; Universidad; Educación popular; Desarrollo territorial, Brasil.

Resumé: Le Brésil est un pays de tradition coloniale et dans cette perspective, est historiquement influencée par des tendances, des idées et des modèles des pays d’Europe et par les États-Unis dans la mise en œuvre des modèles dans l’économie, la santé, la politique et aussi dans l’éducation. Ces processus de «transplantation» d’idées ne réussissent pas toujours car ils ne prennent pas toujours en compte les caractéristiques politiques, sociales, économiques et culturelles du pays. L’extension universitaire est, en quelque sorte, une idée importée, même si au fil du temps, le concept est transformé et inventé à partir des perspectives et des questions pertinentes de la réalité brésilienne. Cet article a pour but, à partir de l’historique de l’extension de l’université au Brésil, presenter l’évolution du concept, indiquant comment, aujourd’hui, il a évolué d’interventions ponctuelles dans la réalité à des processus plus larges de développement territorial, provoquant le besoin de démocratiser l’accès à la connaissance produite au sein de l’université. Nous cherchons, au-delà du concept, les aspects esquisse des développements méthodologiques inhérentes à ce processus, montrant comment l’extension universitaire au Brésil est aujourd’hui devenu un instrument important de la transformation sociale développée par l’université brésilienne.

Mots clés: Extension universitaire; Université; Education populaire; Développement territorial, Brésil.

1.   Introdução

O Brasil tem uma história universitária tardia. Até aos anos 30 praticamente, o país vive um modelo agroexportador onde a agricultura e o extrativismo eram a base, o que significava uma sociedade cujos níveis de escolaridade pouco elevados estavam atrelados ao projeto político econômico e social que se tinha para o país. Os primeiros cursos universitários, principalmente direito, filosofia e medicina, implantados no Brasil de maneira isolada no final do século XIX, serviam aos filhos da elite que não eram enviados à Europa para efetivar seus estudos. A colonização impôs ao país uma lógica excludente do ponto de vista do acesso da maioria da população à escolarização em geral e a universidade, neste período, não era uma prioridade.

Segundo Romanelli (1999), no período que vai de 1891 a 1910 foram criadas 27 escolas superiores, algumas delas futuras universidades, mas as primeiras universidades têm sua origem apenas no final da década de 20, o que significa que ainda não temos um século de história e vida universitária no país. No entanto, a condição de país colonizado e considerado como “subdesenvolvido” pela Europa e EUA, fez com que as universidades brasileiras fossem criadas com uma característica peculiar: a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão2. Isto significa que a perspectiva adotada desde a criação é que a universidade brasileira deveria prestar um serviço à sociedade, na perspectiva da democratização do conhecimento nela produzido, uma vez que a ausência de outras instituições educativas de porte lhe conferia um papel diferenciado no processo de desenvolvimento do país, que iniciava a criação de seu parque industrial3.

Assim, é nos anos 30 que o movimento “escolanovista” liderado por Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, dentre outros, inicia um movimento pela criação de escolas públicas e gratuitas no país, e, mesmo se este movimento estava direcionado à escolarização básica, gera também a necessidade de termos formação de profissionais de nível superior para atuar nas diferentes áreas do país em plena industrialização.

Além disso, é importante evidenciar que o sistema educacional brasileiro foi construído no avesso da maioria dos países. Isto porque a escolarização da população não interessava às elites e assim, vimos num primeiro momento a montagem do sistema universitário, que até aos dias atuais é gratuito e de qualidade, em detrimento da educação básica – num país de dimensões continentais, criar um sistema público de educação significava muito investimento e prioridade política, coisa que os dirigentes brasileiros não se interessariam até aos anos 80 quando de fato a educação passa a ser uma universalidade a partir de muitas pressões dos movimentos sociais do país. A prioridade foi então para a universidade, responsável pela formação dos filhos da elite dirigente, cujo número era bem inferior. O Brasil apresenta assim na atualidade uma pirâmide educacional invertida, onde a maioria da população que frequenta a educação pública que é gratuita, não consegue ingressar na universidade pública e gratuita que continua a ser frequentada majoritariamente pelos filhos da elite.

Neste sentido, a extensão universitária assume um papel muito importante, pois é através dela que grande parte da população conseguiu acessar durante muitos anos ao conhecimento produzido no interior da universidade. Esta realidade tem-se modificado a cada dia, com a introdução do sistema de cotas que privilegia, na maior parte dos casos, os estudantes da escola pública. Percebemos ainda a evolução do conceito, das metodologias e das práticas de extensão universitária no país, salientando que a mesma não representa uma prioridade efetiva nas políticas públicas de financiamento da ação da universidade, onde o ensino e a pesquisa ocupam lugares privilegiados, mas muitos avanços aconteceram no sentido do seu efetivo compromisso com a transformação social.

Neste artigo, buscaremos compreender os fenômenos que marcaram a história da extensão universitária no Brasil, entendendo como sua concepção deixa de ser difusionista e passa aos poucos a adotar um caráter de construção coletiva de conhecimentos numa perspectiva dialógica, ou seja, de construção coletiva de conhecimentos com os atores sociais. Esta última perspectiva, caminha na direção de construir nos territórios onde a ação universitária se faz presente uma outra lógica de desenvolvimento onde as demandas dos diferentes atores presentes no território são trabalhadas de forma articulada na direção da transformação social.

O presente artigo estará assim organizado em três partes principais. Na primeira delas, denominada Origens da extensão universitária no Brasil, buscaremos explorar as diferentes raízes e fontes que influenciaram a forma como a extensão universitária se organiza no Brasil. Influências europeias e americanas foram importantes neste sentido e buscaremos de forma sintética analisar estas origens, buscando compreender como a extensão universitária brasileira se impregna dessas diferentes fontes históricas.

Na segunda parte, Extensão Universitária brasileira: a evolução do conceito, buscaremos analisar como as origens da extensão universitária influenciaram a concepção inicial que se implanta nas universidades brasileiras. Esta concepção, se transforma ao longo do tempo, evidentemente a partir das transformações sociais, políticas, culturais e econômicas do país. Analisaremos esta evolução, buscando dar ênfase aos aspectos mais presentes na atualidade.

Finalmente, na terceira e última parte, intitulada Extensão universitária: do difusionismo ao desenvolvimento territorial, buscaremos analisar como a evolução do conceito e da concepção de extensão, a partir dos anos 90, influenciam as metodologias e práticas. Desde a sua implantação, muitos aspectos se modificam e saímos de uma concepção mais voltada para ações pontuais para uma concepção mais ampla, de longo prazo, onde a universidade chega na realidade numa perspectiva mais ampla de desenvolvimento territorial, buscando um trabalho transdisciplinar onde a interface com o ensino e a pesquisa são essenciais.

Os limites de um artigo dessa envergadura não nos permitirão abordar de maneira aprofundada cada um dos tópicos, mas esperamos poder oferecer ao leitor uma visão global de como a extensão universitária se organiza no Brasil a partir de uma concepção histórica que demonstra que, apesar dos poucos investimentos, o Brasil tem na extensão universitária um importante instrumento de democratização do saber produzido na universidade. Um saber onde o diálogo com a realidade permite, a construção do conhecimento significativo, onde as diferentes problemáticas do cotidiano ressignificam a ação dos diferentes atores da universidade que trabalham de maneira conjunta com os atores da sociedade.

2. Origens da extensão universitária no Brasil

Segundo Valois (2000), a extensão universitária tem suas origens nos processos de educação popular europeia coordenados pela elite, quando estas se encarregam de organizar atividades que permitem ao povo acessar às redes de construção do conhecimento existentes em cada época; e pode ser considerada como uma invenção inglesa. A historiografia da extensão inicia-se no final do século XVIII, mas sua divulgação, expansão, sistematização, e mesmo sua verdadeira implantação, só acontecem na segunda metade do século XIX, exatamente na época que em meio à grandes transformações socioeconômicas, aparece, pouco a pouco, a universidade moderna.

A partir de 1867, a Inglaterra, pioneira na revolução industrial, começa a sentir-se ameaçada pelos EUA e pela Alemanha e sente a necessidade de garantir custos de produção cada vez mais baixos para permanecer competitiva no mercado internacional5. Nesta época, após o desmonte do monopólio anglicano sobre o ensino superior, principalmente nas universidades de Oxford e Cambridge, “diversas pequenas universidades foram criadas para oferecer educação superior aos dissidentes da religião anglicana, como por exemplo o People’s College em Sheffield, o Workingman’s College em Londres, o Owens College em Manchester…” (Valois, 2000, p 27). A autora afirma ainda que em 30 anos (de 1854 a 1877), a universidade inglesa conseguiu fazer bem mais do que havia feito no século precedente.

Esta abertura da universidade democratiza o acesso ao ensino superior, não ainda para toda a população, mas para os jovens da burguesia, classe em plena efervescência na época. Entretanto, a inserção desses jovens no sistema de ensino superior vai-se repercutir em toda a sociedade inglesa. As primeiras experiências que correspondem à versão moderna da extensão universitária foram vivenciadas neste período quando tais jovens ofertavam “cursos noturnos” para a classe trabalhadora ávida por aceder à educação ofertada pela universidade. No entanto, é importante salientar que, apesar do público ser de trabalhadores, o tipo de atividade ofertada não se afastava do tipo de educação dispensada nas universidades inglesas da época, ou seja, uma educação muito afastada da realidade onde a retórica era a tônica. Apesar disto, o movimento se expande na Europa e, em quase todos os países, temos notícias de experiências similares. (Valois, 2000)

Dentre as diferentes iniciativas europeias, a experiência das universidades populares na França deve ser destacada, pois exercerá uma influência decisiva na forma como este tipo de iniciativa vai ser implantada no Brasil no início do século XX. A comuna de Montreuil, importante iniciativa operária francesa, gera um movimento “nômade” nos cafés, bares, praças, onde seus membros se encontram para realizar debates e reflexões sobre filosofia, ciências sociais, política e arte. Esta iniciativa irá gerar a criação, em 1899 da universidade popular em Paris, que influencia de maneira muito forte as primeiras ideias de extensão universitária no Brasil.

Finalmente, a terceira fonte histórica importante para a criação das primeiras experiências de extensão universitária no Brasil vem dos Estados Unidos6. Foi após a onda de desenvolvimento do século XIX que as ideias extensionistas ganham amplitude neste país. O sistema criado funda-se nas características do sistema inglês, mas é resultado de iniciativas não universitárias, num primeiro momento. Isto se dá sobretudo graças ao apoio político de Benjamin Franklin e ao apoio financeiro de filantropos como, por exemplo, John Lowell. A experiência mais emblemática foi a do American Lyceum que, por volta de 1840, tornou-se referência para a educação de adultos. Neste período foram criados aproximadamente 3000 liceus no país. Tais “escolas” tinham como propósito a “auto cultura”, processo educativo realizado à base de informações “racionais e úteis” e debates sobre os problemas do cotidiano (Dubeux, 2004).

E como essas três grandes fontes históricas chegam no Brasil? O movimento de expansão da educação popular europeu, primeiro embrião da extensão universitária, vivenciado na segunda metade do século XIX, chega no Brasil assumindo contornos que não estavam presentes nas ideias originais. A partir da última década do século XIX, segunda década da república, aparecem as primeiras experiências, mesmo que na época o país não dispusesse ainda de um sistema de ensino superior (Valois, 2000).

As primeiras experiências foram baseadas tanto no modelo americano de “university extension”, quanto no modelo francês de “universidades populares”. As experiências que se inspiraram do primeiro modelo foram organizadas a partir de normas institucionalizadas da sociedade burguesa capitalista, e integradas face à ideologia do grupo social hegemônico. Por outro lado, as experiências cuja fonte de inspiração foram as universidades francesas foram criadas e organizadas, na sua maioria, em contextos operários e com um objetivo emancipador, com a participação de intelectuais influenciados por ideias positivistas e anarquistas que, apesar de uma origem social diferente, estavam vinculados, ao menos pelo discurso, às problemáticas enfrentadas pela classe trabalhadora. Esta dicotomia persiste até os dias atuais, quando observamos as experiências de extensão universitária no contexto brasileiro. Neste período não observávamos de forma mais explícita os objetivos de transformação social presentes na extensão universitária na atualidade.

Segundo Valois (2000, p.131), foi no Rio de Janeiro que apareceu a primeira preocupação de “levar a universidade ao povo, mesmo antes que existissem universidade no Brasil”. Mas pouco tempo depois, foram criadas as “Universidades Populares”, que tinham como objetivo “oferecer instrução superior e educação social ao proletariado, através da difusão do saber e da beleza em todas as suas formas, principalmente pela oferta de cursos e conferências”. Uma segunda experiência foi a das Universidades Livres criadas por volta da segunda metade do século XX. Foram “universidades” criadas no Brasil após a instalação da república, para compensar a carência de oferta educacional do governo, a exemplo do que fizeram a universidade de Manaus, do Paraná e de São Paulo, entre outras. A grande diferença em relação à experiência francesa é que estas experiências já nasceram de maneira vinculada a uma universidade e, além disso, os cursos ofertados tinham um caráter elitista completamente desprovido do conteúdo político inerente à experiência francesa.

Por volta dos anos 20, iniciam-se as primeiras experiências de “University Extension”, baseadas no modelo inglês e norte-americano. Estas experiências, vinculadas à criação das primeiras universidades brasileiras, estavam mais em sintonia com o discurso hegemônico dos grupos dominantes da sociedade brasileira. Destaque-se que é exatamente neste período que começa o processo de industrialização brasileiro, país que, pela quantidade de terras que detém, possui grande tradição de oligarquias agrárias que têm guardado historicamente o comando político do país.

No período compreendido entre 1930 a 1964, o país viveu diversas transformações, mas a mais importante delas foi o início do processo de consolidação do estado brasileiro, acompanhado de várias perturbações internacionais, a exemplo da segunda guerra mundial e das crises econômicas por ela gerada. De 1930 a 1945, vivemos a era Vargas, onde se implantou o chamado estado novo, período onde diferentes reformas educacionais foram implantadas, inclusive no que se refere ao ensino superior. A reforma Francisco Campos de 1931 (decreto n° 19 851 de 11/04/1931), cria o primeiro estatuto das universidades brasileiras que dá pela primeira vez um caráter oficial à extensão universitária. O que se percebe na formulação do decreto é o caráter “difusionista” da extensão universitária que serve: a) para divulgar o saber; b) restrita a cursos e conferências; c) utilitarista; d) como controle ideológico para resguardar os interesses nacionais; e) voltada para o grande público; f) de amplitude definida. Ou seja, a extensão universitária neste período não serve aos interesses da população, nem tem objetivo de fomentar processos de transformação social, pois serve principalmente para difundir a cultura elitista existente.

Nos anos 50, a necessidade crescente de mão-de-obra qualificada aumenta a pressão popular pelo acesso à universidade para aceder aos novos empregos gerados pela industrialização. Neste período, as campanhas de alfabetização de adultos, os círculos de cultura, os movimentos de cultura popular organizados, e influenciados pelas ideias de Paulo Freire, se vinculam de certa forma à característica das universidades populares pois possuíam forte caráter político e buscavam garantir processos emancipatórios aos trabalhadores. No entanto, todas as iniciativas deste período foram aniquiladas após o golpe militar de 64, consideradas como subversivas no contexto político instalado após o golpe.

A influência anglo-saxônica na extensão universitária brasileira registra maior presença nas universidades rurais. Por exemplo, segundo Valois (2000, p.230), a Universidade de Minas Gerais, seguida pela Universidade de Viçosa, assinam acordos de cooperação com o governo norte-americano com o objetivo de “adaptar o ensino e à pesquisa ao modelo dos “Land Grant Colleges”, através, principalmente, da criação de programas de pós-graduação em ciências agrárias”. Estes acordos, criados num momento em que os EUA buscavam um maior controle político sobre a América Latina, incluíam a difusão de modelos e práticas de extensão rural a partir das universidades, a partir de projetos em parceria com os agricultores de seus respectivos territórios.

O golpe de estado de 1964, com suas pretensões de movimento revolucionário, transfere ao estado brasileiro um grande poder sobre a sociedade civil e as instituições sociais. Isto representa o fermento ideal para os segmentos alinhados com o regime político implantado, a fim de desenvolver um tipo específico de extensão ao mesmo tempo em que desarticulam as iniciativas e aspirações dos setores que vinham provocando um movimento de luta por direitos de igualdade e justiça social e que, evidentemente, não estavam ideologicamente em acordo com os “proprietários do poder”. A educação, em todas as suas manifestações é uma importante arma de transmissão de ideologia e assim, os novos governantes tratam de efetivar um conjunto de reformas educacionais7, entre elas a do ensino superior. Neste bojo, a extensão universitária assume uma perspectiva de desenvolvimento comunitário e serve de instrumento para difusão da ideologia promovida pelos militares no período, a exemplo do Projeto Rondon que enviou milhares de jovens em diferentes regiões do Brasil, com missões de educação para o desenvolvimento, a partir da ideologia militar.

Ao olhar para a evolução da extensão universitária no Brasil até a década de 80, quando começa o processo de redemocratização no país, percebemos que duas grandes correntes a influenciam. A primeira delas, com ideias vinculadas às universidades populares francesas, presentes sobretudo no período que antecede o golpe militar de 1964, que geraram muitos movimentos populares que se articulam com uma efervescência política de luta pelos direitos humanos e políticos no país. Estas iniciativas conviviam, ainda que de forma discreta, com outras iniciativas mais difusionistas, criadas a partir da influência anglo-saxônica de “university extension” erigidas sobretudo no momento pós-golpe. Mas o que nos salta aos olhos é a amálgama existente com a educação popular e sua utilização como instrumento de transmissão ideológica em ambos os tipos de experiência. A seguir, analisaremos a estrutura da extensão universitária, a partir do conceito e da metodologia que a mesma emprega, no cenário brasileiro a partir dos anos 90, inclusive com os ataques mais recentes que sofre na nova tentativa de golpe político que enfrenta o Brasil desde a destituição da presidenta Dilma Roussef por impeachment em 2016.

3. Extensão universitária: do difusionismo ao desenvolvimento territorial

3.1 Final dos anos 80, início da década de 90… uma nova concepção

A partir dos anos 80, o Brasil inicia o seu processo de volta a democracia. Um movimento na sociedade faz com que eleições diretas sejam decretadas no final desta década e a volta de exilados políticos e a retomada das instituições democráticas passam a indicar que um novo momento se inicia.

No período da ditadura, a organização da vida universitária havia sido muito alterada em função, principalmente, das mudanças estruturais realizadas com o objetivo de adaptar a universidade ao regime político e ideológico em vigor. Por exemplo, a criação do “sistema de créditos”, ideia originária das universidades americanas, desmantela grupos de estudantes e professores e cria uma certa cultura do individualismo, pois os estudantes determinam seu percurso e os professores não se vinculam mais a um curso, mas a um departamento, ofertando disciplinas em diferentes cursos. Os estudantes não pertencem mais a uma turma, eles devem “pagar” as disciplinas do sistema de créditos, sem necessariamente se vincular a um grupo universitário de um curso. Por outro lado, em uma mesma disciplina estavam por vezes alunos de diferentes cursos, o que impedia a proximidade entre professores e destes com os estudantes e a adaptação do conteúdo a um determinado perfil.

No entanto, pouco a pouco, a universidade é interpelada pela sociedade no sentido de participar ao movimento de redemocratização do país. Segundo Figueiredo (2000, p. 44) a universidade é

“…interpelada por setores mais críticos da sociedade (particularmente os movimentos de professores e estudantes que se fortalecem a partir da reabertura política), e é chamada a assumir sua responsabilidade social face às questões do mundo contemporâneo. ”

E assim, buscando contribuir para o movimento mais amplo da sociedade, torna-se fundamental que a universidade, com todo seu aparelho estrutural e científico, abra suas portas para que uma verdadeira troca com a sociedade aconteça, não apenas no sentido de trocar conhecimentos e saberes, mas também para, numa nova perspectiva e sentido do seu papel, exercer sua função primeira: a construção do conhecimento. Segundo Kwasaki (1997) é fundamental que as universidades possam desenvolver projetos articulados de ensino, pesquisa e extensão que estejam mais próximos das demandas sociais e econômicas da sociedade.

E, no processo de redemocratização do país, a universidade se vê obrigada ultrapassar seus muros para ir na direção da sociedade. Internamente, as instituições universitárias também passam a integrar o debate da redemocratização, lutando para que, a exemplo do que a sociedade clamava, a escolha de seus dirigentes também pudesse ser feita pelo voto dos segmentos que a compunham. A partir de meados dos anos 80, acontecem as primeiras eleições diretas para reitores de universidades brasileiras. Esta mudança provoca pelo menos duas consequências importantes sobre a extensão universitária. A primeira delas é a reação “em cadeia” que se dá entre professores e estudantes, pois seus organismos coletivos (sindicatos, organizações estudantis), que haviam perdido força no período do regime militar, são retomados por dirigentes mais democráticos que, por sua vez, também contribuem para a eleição de dirigentes mais engajados com os movimentos de professores, estudantes e técnicos. Uma segunda reação interessante é que o engajamento dos dirigentes eleitos ultrapassava os muros da universidade, pois, não somente eles respondiam aos interesses dos grupos que o elegeram, mas principalmente, se comprometiam de forma mais ampla com as demandas da sociedade. Este compromisso com a transformação social passa a ser um importante eixo de orientação estratégica da ação da universidade e a extensão começa a ser considerada como importante elemento articulador da pesquisa e do ensino, a serviço da sociedade.

Estas mudanças também estão vinculadas a um outro movimento mais amplo, de acirramento da crise paradigmática que atravessa a humanidade. Segundo Santos (1997, p. 223) “as múltiplas crises das universidades são afloramentos da crise paradigmática da modernidade e é por isto que só podem ser resolvidas no contexto de resolução desta última”. E, supondo que o projeto de modernidade atingiu seus limites, consequentemente o projeto de universidade construído nestas bases também os atingiu. O que se impõe para a universidade é, portanto, a necessidade de “(…) repensar suas funções tradicionais e descobrir no seu interior quais são as novas práticas que conduzem a uma ruptura e à transição paradigmática, isto é, um novo nível, no qual a inovação terá um papel muito importante.” (Braga et al., 1997, p. 27)

A fase de transição paradigmática da ciência moderna para uma ciência pós-moderna pressupõe rupturas e sobretudo, a necessidade de rever e ressignificar o modelo cartesiano e linear de construção do conhecimento, buscando construir um modelo mais holístico de relação com a vida num planeta mais sustentável. Neste sentido, Santos (1997, p.224) afirma que: “é difícil para a universidade de instaurar este compromisso, reunindo cidadãos e universitários em autênticas comunidades interpretativas, que pudessem superar as interações usuais nas quais os mesmos são sempre forçados a renunciar à interpretação da realidade social que lhes circunda.”

O propulsor destas rupturas é justamente a existência de debates e reflexões transdisciplinares sobre a crise paradigmática, para melhor compreender o período de transição em que se encontram, buscando definir os contornos de um futuro diferente. Tais debates, que devem emergir das universidades elas mesmas, estimula a formação de novos conceitos, metodologias e práticas pedagógicas e de construção do conhecimento, que possam servir de ponto de partida para debates ainda mais amplos, formando assim uma espécie de círculo virtuoso. Isto significa uma transformação nas bases epistemológicas do agir universitário onde o linear dá lugar ao complexo, onde o disciplinar abre as portas ao transdisciplinar, onde as interpretações da realidade possam ser articuladas no esforço coletivo mais amplo, pois o reducionismo positivista nos “cega” à complexidade das problemáticas existentes na realidade contemporânea.

E sobre os desafios colocados para o futuro da universidade, Santos (1997, p.230) afirma ainda que:

«(…) Numa sociedade desencantada, o re-encantamento da universidade pode ser uma das vias de simbolizar o futuro. A vida universitária cotidiana tem um forte componente lúdico que favorece a transgressão simbólica do que existe, e ela é racional porque existe. Da transgressão igualitária à criação e à satisfação de necessidades expressivas e ao ensino e aprendizagem concebidos como praticas ecológicas, a universidade organizará festas do novo senso comum. Essas festas serão configurações de alta cultura, cultura popular e cultura de massas. Através delas, a universidade terá um papel modesto, mas importante no re-encantamento da vida colectiva sem o qual o futuro não é apetecível, mesmo se viável. Tal papel é assumidamente uma micro-utopia. Sem ela, a curto prazo, a universidade só terá curto prazo.»

Observando os elementos descritos sobre o contexto brasileiro do início dos anos 90 e buscando refletir sobre o debate paradigmático da ciência atual, buscaremos compreender a nova perspectiva de extensão universitária que passa a se construir no Brasil a partir deste momento. Em 1987 é criado o Fórum de pró-reitores de extensão das universidades públicas brasileiras (FORPROEXT). Esta iniciativa é oriunda da eleição de reitores mais comprometidos com as causas da sociedade, que passam a escolher como pró-reitores de extensão pessoas engajadas e comprometidas com as mesmas, que por sua vez, lutam para que a extensão ocupe um lugar mais privilegiado nas universidades do que esteve até então, sobretudo no que se refere à sua concepção, institucionalização e financiamento.

Estes aspectos não podem ser discutidos de maneira separada, pois somente se avançarem numa mesma direção poderão provocar um verdadeiro impacto nas práticas de extensão. A primeira dificuldade, por exemplo, era a ausência de uniformidade das práticas, em função da falta de institucionalização. O FORPROEXT passa então a discutir a conceituação da extensão para que as práticas pudessem ser um pouco mais uniformes em termos das universidades brasileiras, sobretudo no que se refere ao fortalecimento da articulação com o ensino e a pesquisa. Desde sua criação, o fórum de pró-reitores reúne-se periodicamente a partir de temáticas centrais, das quais citamos algumas: Conceituação e institucionalização da extensão universitárias; A relação universidade e sociedade; Extensão, cultura e cidadania; além de muitas outras temáticas.

A partir daí o fórum reconceitualiza a extensão que passa a ser definida como “(…) o processo educativo que articula ensino e pesquisa de forma indissociável e que torna viável a relação transformadora entre universidade e sociedade(…) A extensão é não apenas a principal ferramenta para este processo dialético entre teoria e a prática, mas é também um trabalho interdisciplinar que favorece uma visão integrada do social no interior da universidade” (FORPROEXT, 1990, p.14). Entretanto, a tarefa mais difícil enfrentada pelo fórum continua até hoje sendo a institucionalização da extensão que passa também pela definição de políticas públicas mais efetivas de financiamento da mesma, a exemplo do que já ocorre com a pesquisa.

Com um conceito de extensão que supõe a existência de atividades com diferentes contornos, levando em conta a tradição existente na universidade brasileira, as atividades de extensão passam a ser classificadas como: a) Programas; b) Projetos; c) Cursos; d) Prestação de serviços; e) Eventos; f) Produtos acadêmicos8.

Finalmente, não poderíamos deixar de evidenciar que de 2003 a 2016 o Brasil teve o Partido dos Trabalhadores à frente do governo federal. Neste período, em função de sua proposta um pouco mais comprometida com a classe trabalhadora, a extensão se fortalece na universidade. Na perspectiva de aproximar a universidade da sociedade e, sobretudo, de ressignificar os rumos dos processos de construção do conhecimento em nossas universidades. Isto se faz principalmente a partir da criação de editais específicos de financiamento para a extensão universitária, que até então eram inexistentes, e, mais importante, da inserção da extensão mesmo em parte dos editais destinados ao financiamento de pesquisas.

3.2 A concepção que influencia no desenvolvimento territorial

A concepção de extensão universitária desenvolvida a partir dos anos 90 no Brasil, deixa de lado a perspectiva da difusão de conhecimentos e passa a ser concebida como um processo educativo onde o diálogo de saberes científico e popular é o cerne, mesmo se a concepção difusionista persiste em algumas ações. Nesta perspectiva a educação popular nos termos definidos por Freire (1970), passa ser importante instrumento de construção coletiva do conhecimento. Não basta à universidade pensar sua ação a partir de uma intervenção pontual, mas é preciso pensá-la de maneira articulada com uma estratégia de desenvolvimento territorial.

Compreendemos aqui o território não apenas numa perspectiva geográfica, mas sobretudo como espaço de construção de identidades coletivas. Concordamos assim com Milton Santos (2002, p.10):

“O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas. O território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida.”

Neste sentido, parece pertinente de se apoiar na visão do desenvolvimento territorial desenvolvida por Moulaert e Nussbaumer (2008) que, a partir de uma aproximação multidimensional, o definem a partir de uma “leitura ampliada das liberdades humanas e na capacidade dos humanos de satisfazer suas necessidades (…)”, leitura que “(…) proclama a satisfação das necessidades humanas pelas iniciativas de articulação de múltiplas parcerias, facilitada pela inovação nas relações sociais de desenvolvimento”.

Se observarmos as mudanças centrais entre as concepções difusionista e dialógica de extensão universitária, perceberemos alguns pontos como importantes elementos de comparação:

Quadro 1 – Comparando a extensão difusionista e dialógica

Elaboração da autora

 

E assim, a universidade se coloca na relação com a sociedade a partir de um novo lugar, muitas vezes servindo como grande articuladora de atores que lutam pela transformação social do território. Para desenvolver uma ação nesta direção, algumas mudanças importantes precisam acontecer, das quais algumas delas estão sistematizadas por nós a partir do trabalho desenvolvido junto à Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da UFRPE (INCUBACOOP-UFRPE)9 e de outras ações de extensão numa perspectiva de desenvolvimento territorial sustentável (Dubeux, 2013).

Destacamos como principais elementos para uma ação neste sentido:

  • A utilização de princípios de trabalho que respeitem a diversidade, garantindo a igualdade de gênero, o respeito ao meio ambiente, o respeito aos significados culturais das características étnico-raciais, entre outros;
  • A consciência coletiva (equipe da universidade e grupos que recebem as equipes) de que estamos trabalhando numa perspectiva contra hegemônica de desenvolvimento que vai na direção da construção de um outro paradigma;
  • A militância pela construção de uma ciência com outro significado, onde todos são partícipes dos processos de construção do conhecimento, sobretudo que considere a complexidade da realidade a partir de princípios como a transdisciplinaridade e a pluralidade metodológica;
  • A mudança da relação com o saber, de uma perspectiva mais linear para outra mais complexa;
  • A implicação de diferentes níveis de ensino, com estudantes e professores que criam círculos de aprendizagem entre si;
  • A co-construção de saberes com os movimentos sociais no processo de aprendizagem coletiva sobre o território;
  • A formação diferenciada de estudantes, comprometidos com as causas sociais;
  • A mudança nos tempos de acompanhamento, de ações pontuais para ações a longo prazo;
  • A sistematização de experiências, como elemento de organização coletiva do diálogo de saberes e dos resultados da pesquisa-ação.

Para que estes elementos sejam uma realidade, muitos desafios ainda se fazem presentes. O principal deles é a ausência de apoio institucional, com políticas claras de financiamento da extensão universitária, processo que sempre está atrelado à presença de um governo mais ou menos comprometido com as causas populares no poder. Mas, para além disso, os desafios colocados pelo FORPROEXT na década de 90 ainda continuam presentes e a institucionalização da extensão constitui um outro elemento importante.

Um outro desafio importante é a visão da sociedade sobre a universidade, pois sempre se espera que a universidade tenha um papel de difusão do saber. As pessoas não se sentem partícipes do processo de construção do conhecimento pois sempre apresentam uma visão distorcida deste último, no sentido de que apenas a universidade é capaz de produzir ciência. Transformar a autoestima dos participantes, para que possam compreender que também são capazes de produzir conhecimentos é uma problemática a se enfrentar de maneira sistemática e, portanto, prevista na metodologia.

4. Conclusão

Um olhar sobre a origem e a história da extensão universitária no Brasil nos permite analisar alguns aspectos importantes. As influências presentes na construção da concepção brasileira, vindas das experiências de universidade popular na França e da University Extension na Inglaterra, consolidaram dois modelos de extensão: um difusionista e outro dialógico (Freire, 1983). Até hoje, as duas concepções co-existem, apesar do avanço da concepção nacional em direção a uma extensão dialógica. A tendência que vemos nas universidades brasileiras é que os professores que estão mais ligados às ciências exatas e da natureza tendem a ter uma ação mais difusionista enquanto que os que são vinculados às ciências humanas e sociais optam mais frequentemente pela opção dialógica, que vem tomando cada vez mais corpo.

Um segundo elemento de conclusão, é que estas origens, assim como a condição de país colonizado, fizeram com que a extensão universitária se consolidasse, em articulação com o ensino e a pesquisa, como um dos eixos do tripé da universidade brasileira, característica bem particular que não está presente em todos os países. Apesar disso, a distância entre a universidade e a sociedade ainda se faz presente e muito ainda precisa ser feito para que a democratização do acesso à universidade e dos processos de construção do conhecimento aconteça.

A concepção de ciência que orienta a ação universitária é uma outra problemática a ser enfrentada se quisermos pensar numa universidade mais próxima da sociedade. O paradigma linear e positivista que orienta os processos de construção do conhecimento na universidade possui características que vão na direção oposta da construção de uma extensão universitária dialógica. A organização disciplinar, a falta de diálogo entre professores e destes com seus estudantes, em função de um modelo educativo vertical, a prioridade para uma pesquisa voltada para interesses distantes das problemáticas sociais, a inexistência de uma estrutura curricular onde a extensão esteja incluída como ponto de partida de imersão no território para compreensão dos problemas mais globais, entre tantos outros problemas, ainda estão distantes de serem resolvidos.

Finalmente, apesar da concepção de extensão universitária brasileira ter avançado na perspectiva dialógica, a concepção, a ausência de políticas claras de financiamento e a falta de institucionalização ainda são um problema. Refletir e debater essas três questões no âmbito interno da universidade não são suficientes. É necessário criar um ambiente mais amplo de debate na sociedade, e sobretudo no diálogo com o governo federal, para conseguirmos avanços nessa área. Necessário destacar que considerar as demandas dos movimentos sociais é elemento essencial para que esta nova concepção de ciência se instaure pouco a pouco.

Por fim, gostaríamos de tecer algumas considerações finais acerca da relação entre extensão universitária e desenvolvimento territorial. O que orienta a lógica do desenvolvimento no planeta é o modelo capitalista, que pressupõe uma ciência conectada com o mercado e afastada das demandas sociais. Pensar uma ciência conectada com a sociedade implica necessariamente a articulação entre ensino, pesquisa e extensão pensando o território como locus de desenvolvimento da proposta de construção de conhecimento. Para tanto, é necessário termos clareza do caráter contra-hegemônico desta escolha, e dos desafios que estão nela colocados. Só assim a universidade será capaz de organizar as novas “festas do senso comum” citadas neste texto da obra de Santos (1997), para podermos imaginar um futuro mais interessante para as próximas gerações.

 


[1] Professora do Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco, membro do Núcleo de Agroecologia e Campesinato (NAC-UFRPE).

[2] Consideramos importante definir de maneira rápida a extensão universitária para que os leitores dos países onde ela não se faz presente possam se dar conta do seu significado, embora esta questão seja abordada nos momentos subsequentes do texto. Compreendemos como extensão universitária a atuação da universidade junto às diferentes camadas da população, seja através de ações pontuais, seja através de ações de longo prazo, contribuindo para a democratização do saber produzido em seu interior.

[3] Efetivamente, o modelo agroexportador até então em vigor, onde o Brasil importava produtos industrializados e exportava produtos agrícolas e riquezas naturais, a exemplo dos minérios, sofre um impacto profundo com a primeira guerra mundial e o país se vê obrigado a construir seu próprio parque industrial no sentido de ser autônomo em relação aos países industrializados.

[4] Grande parte do que apresentaremos neste tópico, é conteúdo da nossa tese de doutorado em sociologia “Education, Travail et Economie Solidaire: le cas des Incubateurs Technologiques de Coopératives Populaires au Brésil”, defendida em fevereiro de 2004 na Université de Paris I – Panthéon – Sorbonne.

[5] O país possuía na época operários menos qualificados e sua classe média era a menos escolarizada da Europa. Esta é a razão para que no país o panorama educacional se modifique de forma considerável no final do século XIX, motivado pelo princípio de que uma democracia não pode ser construída sem uma população instruída e bem informada.

[6] Este pais, nascido em pleno liberalismo e inspirada por este último, tinha como princípios fundamentais: uma fé profunda no indivíduo, a crença na eficiência do saber, a vontade de ofertar uma educação igualitária, a busca incessante por um saber liberal e técnico e o apoio de iniciativas públicas e privadas.

[7] A grande maioria das reformas educacionais implementadas neste período, sofrem forte influência dos acordos MEC/USAID, celebrados a partir de 1965. A influência norte americana neste período é muito evidente e era a USAID quem determinava em grande parte as grandes estratégias para a educação nacional. No caso específico da reforma do ensino superior, o seu objetivo principal era de melhorar sua eficácia, modernizando-a, flexibilizando sua organização administrativa e formar recursos humanos de alto nível para o país.

[8] É assim que é organizado em 2001 o primeiro Plano Nacional de Extensão (PNE) que representa um importante avanço na organização da extensão nas universidades brasileiras. O plano vai influenciar de maneira importante, por exemplo, o que se esperava dos estudantes, considerados como futuros “profissionais cidadãos”, recusando o caráter assistencialista, paternalista e moral dado à extensão em momentos históricos anteriores. Um outro elemento importante do plano é a organização da extensão a partir de eixos estratégicos e temáticos, a exemplo de desenvolvimento sustentável; promoção da saúde e qualidade de vida; educação básica; cultura; direitos humanos; entre outros.

[9] As Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares são laboratórios vivos de articulação entre ensino, pesquisa e extensão existentes nas universidades brasileiras, que trabalham desde a perspectiva da economia solidária o desenvolvimento de ações articuladas em um determinado território, capazes de promover o bem viver para as populações envolvidas. Na UFRPE, desde 1999 foi criada a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (INCUBACOOP) que vem desenvolvendo desde então um trabalho de extensão universitária apoiado na lógica do desenvolvimento territorial.

 

 

Referências Bibiográficas

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