Mário Montez 1
Resumo: Activate é um programa educativo de capacitação de atores locais para o desenvolvimento das suas comunidades, promovido pela Universidade de Glasgow (Escócia) em conjunto com organizações locais. Num cruzamento entre educação ao longo da vida, educação não formal e educação para o desenvolvimento, desenrola-se num registo de mediação e de animação socioeducativa em diversas comunidades da região de Glasgow. O texto explora o Activate, suas características e potencialidades, através de uma narrativa pessoal complementada pelas vozes de quem desenvolveu, lidera, dinamiza e participa neste programa.
Palavas-chave: Activate Program; Educação para o Desenvolvimento; Desenvolvimento Comunitário; Educação Não formal.
Abstract: Activate is an educational program promoted by the University of Glasgow (Scotland) in partnership with local organisations to train local actors for the development of their communities. It takes place in different communities in the Glasgow region and it is delivered in the crossroads of lifelong education, non-formal education and development education, using mediation and social-educative community development as main approaches. The text explores Activate, its characteristics and its potential, through a personal narrative complemented by the voices of those who developed, lead, animate and participate in this program.
Keywords: Activate Program; Development Education; Community Development; Non-Formal Education.
Introdução
O Activate é um programa educativo de capacitação de atores locais para o desenvolvimento das suas comunidades, promovido pela Universidade de Glasgow em conjunto com organizações locais. Desenrola-se num registo de mediação e de animação socioeducativa em diversas comunidades da região de Glasgow, num cruzamento entre educação ao longo da vida, pelos pares, educação não formal, e educação para o desenvolvimento e cidadania global. Este texto explora o Activate enquanto prática de sinergia criada entre instituições os ensino superior e organizações da sociedade civil. Apresenta as suas características e potencialidades através de uma narrativa pessoal de quem “descobriu”, acompanha, admira e empreende a sua adaptação ao contexto português. Complementa-se a narrativa pelas vozes de quem desenvolveu, lidera, dinamiza e participa neste programa de aprendizagem para o desenvolvimento e cidadania, nas comunidades. Por isso optou-se também por manter, e até articular, a língua portuguesa com a língua inglesa, procurando transmitir da melhor forma o ambiente e os sentires do Activate.
Na primeira parte descobre-se o Activate a partir das descobertas do autor no seu contacto com este programa. A segunda parte explica os processos, estratégias e recursos inerentes ao seu desenvolvimento, enquanto que na terceira parte se partilham casos e narrativas pessoais. As notas finais apresentam os aspetos mais relevantes ao nível do impacto do programa e tecem considerações sobre a sua eventual adaptação ao contexto português.
1. Activar, acreditar e transformar: da ala prisional ao salão nobre da universidade
O salão nobre da Universidade de Glasgow, na Escócia, leva-nos a uma viagem no tempo, revivendo especialmente o imaginário Harry Potter assim que se vislumbra a emblemática torre da universidade. Lá dentro, uma pesada porta de madeira envelhecida abre-se magicamente a quem, seguro de si, dares to walk through. Depois, uma escadaria perde-se de vista num melancólico hall forrado de um tecido azul celestial. Só uma luz incide em algo, trazendo à vista uma fulgurante silhueta da emblemática personalidade daquela universidade: Adam Smith. E seguimos os degraus, antes que a iluminada estátua nos sinta, até se abrir defronte de nós uma espaçosa e moderna sala de atos. The Senate Room. Nela estavam, na noite de 22 de janeiro deste ano, pessoas comuns contrastando com o austero ambiente anterior, eventual reminiscente de um secreto ritual de passagem. As pessoas eram participantes do Activate Programme e naquela noite recebiam o certificado de conclusão do curso, na companhia dos seus familiares, amigos e vizinhos (figura 1). Para a maioria era a primeira vez a pisar o chão de uma instituição de ensino superior, apesar de o curso em questão ser organizado pela universidade de Glasgow. E para muitos poderá ser a primeira vez de um novo futuro. A porta mágica da universidade abrira-se realmente a quem se atreveu aproximar e a escadaria celestial era, efetivamente, como um ritual de passagem de um estado para o outro da vida.
As várias dezenas de pessoas que nessa noite receberam o diploma, pela mão da diretora da Escola de Educação daquela universidade, partilharam connosco a sua vivência de dez semanas de uma experiência enriquecedora, de aprendizagem ao longo da vida e de educação para o desenvolvimento. Pouco tinham a ver com Adam Smith ou com a natureza das homenagens habitualmente prestadas a esta figura do liberalismo económico. A magia vivida pelos participantes no Activate, teria muito mais a ver com o universo de Harry Potter; yet, sem capas, varinhas ou hierarquias. A celebração dessa noite, no mais solene salão de uma das mais prestigiadas universidades do mundo, homenageava gente comum, a sua transformação pessoal e o seu novo poder de agir nas suas comunidades em prol de uma sociedade mais justa.
“Activate is a way of developing community capacity by giving the students an opportunity to reflect on their practice in the light of basic community work values and principles. It builds on the experience of those who work in the community, in either a paid or unpaid capacity. Although the teaching and learning is informal and participative, it challenges students to think more deeply and critically about their community” (Fraser&Martin, 2017: 5).
Mas o salão nobre de uma universidade contrasta em grande com o ambiente tenso da prisão de Greenok, onde conheci pela primeira vez (2017) o programa Activate, pelas mãos de uma wonderful and lively community worker, Janette Devlin. Encontrei-me certa manhã diante de um enorme e respeitável portão daquele estabelecimento prisional, rodeado de uma infinidade de sacos de plástico que Janette levava, repletos de comidas e bebidas várias: de frutas a chocolates, de refrigerantes a água mineral. Alguém abriu o portão e segundos depois estávamos a passar sacos e comida por um detetor de metais. Numa característica pronúncia escocesa Janette explicou-me que era for the girls. Referia-se às reclusas participantes num curso Activate realizado naquele estabelecimento prisional. They’re expecting me, they are expecting food, completou Janette, explicando que esta troca fazia parte da participação das girls no curso. Com pequenos grandes gestos criou uma relação especial na qual elas esperavam de Janette algo diferente para as suas realizações pessoais, enquanto Janette poderia esperar delas entrega pessoal e compromisso na aprendizagem. E concluiu: It’s a treat and they deserve it.
A comida sumiu durante a sessão; a maior parte desapareceu durante as apresentações. Eram mulheres grandes e impulsivas, condenadas por diversos crimes, e todas elas com vontade de regressar aos seus bairros e aí poderem passar a realizar algo diferente. A sessão começou com cada participante entoando a canção que naquele dia lhe trauteava a mente, e depois falou-se de desenvolvimento, da organização da Europa, das políticas, e de projetos futuros. Naquele momento percebi estar perante algo muito especial; muito forte, indeed. Não somente o abraço possante das reclusas, mas a intensidade e o poder transformativo do programa. Pelo modo como tudo respira em conjunto: do acolhimento de cada organização local e da competência de facilitação, à entusiástica participação dos formandos. A perceção confirmou-se mais tarde noutras sessões, dessas vezes, em Clydebank, nas cercanias de Glasgow.
“Activate students may be viewed as “non-traditional” learners, in the sense that they are all adults, who come from and live in so-called disadvantaged areas and are thus likely to have experienced a range of personal, social, economic and educational disadvantages related to their circumstances. Because they are also adults who have decided to become involved in their communities to actively bring about change to those circumstances, they are learners who are highly self-motivated in everyday life, but are not necessarily academically astute. Many have more support needs than traditional learners, but they also know how to make demands on providers and educators to ensure that the learning is relevant to them and has wider social purpose; they also know how and to create opportunities for their own self-development. This combination of practical courage and intellectual uncertainty calls for a dynamic pedagogy that is continuously negotiated between learners, tutors, and university and community-based partners” (Idem: 4).
Ao apresentar o Activate num capítulo do livro Regional Perspectives on Learning by Doing: Stories from Engaged Universities around the World, editado em 2017 pela Michigan State University Press, Helen Martin, coordenadora do programa, e Margaret Fraser, tutora e técnica da ng homes (North Glasgow Homes – associação local para gestão da habitação social), partilham a estória de vida de Rosie. Como muitas outras mulheres e homens participantes neste programa, Rosie viu a sua vida inteiramente mudada, tanto pelas competências adquiridas e desenvolvidas com o curso, como pelo papel a partir daí desempenhado na sua comunidade.
Reflecting on her new way of thinking and being in the world, Rosie said:
“I began to value other things in life, my ambitions changed and my love of people grew. I’ve seen beyond the disability, the clothes people wore, the first impressions. I began to value everyday interactions, sharing and learning with people, small achievements more than I valued being able to buy the most recent fashion item. I measured success in a completely different way where I valued small changes as much as major ones and people over things.
Rosie graduated from the University of Glasgow with a Bachelor of Arts in Community Development in 2010. She is now the project manager of a local community and heritage centre not far from where she lives. (…)
I think I have sent a really powerful message out to my son and other family members that education is for the likes of us also” (Idem: 2-3).
É com esta estória que estas duas atoras-chave no desenvolvimento do Activate abrem o texto acerca do programa que orientam juntamente na área de Glasgow, mas que se desenrola também em várias regiões da Escócia, a pedido das organizações locais. Realizado com grupos de cerca de dezassete participantes, linked to the community, cada curso é lecionado por uma facilitadora, não docente, num registo de educação não formal, e sempre in loco, num espaço da comunidade.
O Activate é um curso promovido pela Universidade de Glasgow para capacitação de agentes locais que nunca se realiza nesta instituição de ensino…senão quando da entrega solene dos diplomas. E a partir desse momento de consagração a universidade passa, para alguns e algumas participantes, a ser um local mais frequentado, trazendo novas oportunidades às suas vidas, das suas famílias e das suas comunidades. Foi o que sucedeu também a quem agora coordena o programa, e à maioria das cinco mulheres que facilitam as sessões. A estória de Rosie são estórias de Rosies, de Rosas, quase sempre mulheres, do despertar da sua consciência, e da sua emancipação num mundo onde ao nascer jamais poderiam sonhar em fazer a diferença nas suas próprias vidas, e muito menos nas suas comunidades. Yet, they do!
Figura 1 – Sessão solene de entrega de certificados dos cursos Activate, em janeiro 2020.
Foto: Janette Devlin.
2. Imaginar, desenvolver e dinamizar em parceria: das experiências de vida e das necessidades locais ao programa Activate
Segundo Helen Martin (em entrevista-vídeo de junho de 2019) o Activate, tal como se desenvolve agora, começou em 2002/2003 com um pedido de uma organização privada de desenvolvimento social e local a uma equipa educativa da Escola de Educação da Universidade de Glasgow como experiência no anterior Community Work Foundational Course. A ideia era a conceção e implementação de um programa de sessões que animassem um grupo culturalmente diversificado de moradores, tornando-os conscientes e pró-ativos em relação aos problemas socioculturais, económicos e educativos da sua comunidade. No fundo, ativando-os como agentes de desenvolvimento. Neste curso estiveram frente a frente habitantes de grupos distintos da comunidade, muitas vezes rivais. Moradores originais de quando o bairro era esquecido, operários, emigrantes, refugiados, e recém-moradores empregados do setor terciário. A partilha, o confronto e o conhecimento mútuo num ambiente educativo foram a chave para a transformação pessoal.
“The Activate course exemplifies the university’s mission to provide a learning environment that benefits society. The idea for Activate, in a way, began in 1997 when the West of Scotland Accreditation and Training group was established, primarily made up of community practitioners and academics. Its purpose was to provide learning opportunities for communities in greatest need. In response, the Community Development team – those charged with overseeing the Bachelor of Arts Community Development programme at the university designed and delivered the Community Work Skills Foundational course. After five years of teaching the course, the Community Development team and tutors met to review it based on feedback provided by previous students and tutors. This process quickly revealed the tutors commitment and drive, over and above the normal duties required of academic staff, to bring Activate to local communities. Their enthusiasm to create and deliver a course that would offer new opportunities for those engaged in community action explains, in a large part, why the Activate program emerged and continues to grow” (Fraser&Martin, 2017: 3).
O desenrolar do primeiro curso foi pura “carolice”, de certo modo à revelia da universidade. Contudo, para a entrega de diplomas convidaram os representantes da direção que perante o ambiente vivido e os testemunhos escutados não hesitaram em apoiar e abraçar o futuro do programa. A universidade reconhecia ali a importância de uma ação de extensão, não extrativista, de complemento à ação das organizações e do conhecimento local, para capacitação das pessoas que compõem as comunidades.
“Located in the College of Social Science’s School of Education, the Activate course engages some of the most marginalised communities in Glasgow and surrounding regions in Scotland, especially those who are working to bring about change in their local communities. These community activists and volunteers have campaigned tirelessly to put an end to top down initiatives as well as putting up with a “make do and mend” attitude from those in positions of power, they now want to see a shift in moving beyond “treating symptoms” to collective community action” (Idem: 4).
Contudo, segundo Helen Martin (em entrevista-vídeo de junho 2019), para que tudo resulte conforme as expetativas, é imprescindível o envolvimento das organizações locais: “Activate wouldn’t work if ti doesn’t have community partners.” São elas quem solicita os cursos e quem paga o serviço à Universidade. O valor desta oferta mantém-se igual desde o início do programa (4.500 Libras), sendo coberta por várias possibilidades, desde a utilização de fundos estatais, apoios financeiros de parceiros privados e ainda parte de subsídios para formação, concedidos pelo governo escocês aos cidadãos em situações de desemprego e de outras vulnerabilidades sociais. Contudo, segundo Helen Martin, a falta de capacidade de pagamento por parte de uma organização local nunca é motivo para não se promover o curso na comunidade.
“Since its official launch in 2002, Activate has seen a variety of different partnerships develop, some on an ad-hoc basis, and others more sustained as is the case with ng homes. The process begins, crudely speaking, when local organisations approach the university to “buy in” Activate. In some cases the organisation will directly meet the costs and, in other cases, costs will be met through by Scottish Government sources or charities” (Idem: 12).
“Successful partnerships are built on shared values such as respect, trust, and reciprocity (Putman 2001). When partners operate out of a set of shared values, both sides have common ground upon which to exchange ideas, experience and resources. Being “on the same page” is crucial to the development and sustainability of the partnership. A common sense of purpose enables people to journey without fear of “otherness,” to see each other as part of a greater whole. Furthermore, strong partnerships foster growth and expansion by attracting new partners to come on board” (Idem: 12).
“Through ng homes and Activate, people who would not normally have the opportunity to “share space together,” now study Community Development and “explore community matters from a diverse range of perspectives.” Through its partnership with ng homes, Activate has engaged 77 people across 15 local organisations. Three of these participants will soon earn a Bachelor of Arts in Community Development at University of Glasgow. Others are studying at Glasgow Kelvin College for the national qualification in Community Development, while some have increased their volunteering role within the community. The university views the role of ng homes as being crucial to the success and growth of Activate in North Glasgow” (Idem: 11).
O sucesso da experiência replicou-se noutros contextos, adaptando-se a cada realidade. Cada curso do Activate é concebido com base em 10 conceitos-chave/ temas, tratados em 10 sessões de 4 horas semanais (figura 1). Os temas são conteúdos programáticos gerais, definidos pela coordenação do programa e que abrangem todos os cursos, embora alvo de flexibilidade para os abordar em sintonia com as necessidades de cada contexto.
Key concepts:
- What is Community?
- Values & Principles of Community Development
- Power & Participation
- Social Analysis
- Equality/ Anti-discrimination
- Local & Global issues
- Learning or change
- Group work
- Identifying needs
- Evaluation (Idem: 5)
Os elementos de avaliação contemplam um trabalho individual, uma pesquisa de grupo alusiva a um fenómeno relacionado com a comunidade, e uma apresentação perante a turma. Junta-se por isso às horas das sessões o tempo de trabalho individual e de grupo, em autonomia, com tutoria da facilitadora, para elaboração destes desafios.
Exemplos de investigações realizadas (figura 3) levam-nos a temas como: violência doméstica e o sistema judicial; população portadora de deficiência; o trabalho com jovens no confronto com os decisores políticos; Inclusão social e imigração na comunidade.
A avaliação é qualitativa e indica apenas se o/a participante obteve ou não obteve sucesso. Os casos de não obtenção de sucesso não chegam, geralmente, ao final de um curso e são muito raros, tendo a ver particularmente com o comportamento e postura dos participantes e não com as suas capacidades cognitivas.
Figura 2 – Conteúdos-chave/ temas de cada curso Activate, |
Figura 3 – Exemplos de trabalhos de investigação/pesquisa realizados por |
No que respeita às metodologias, aplicam-se exclusivamente pedagogias ativas do campo da educação não formal, bebendo do modelo de educação experiencial de Kolb, e fortemente inspiradas na pedagogia de Paulo Freire.
Practice approaches:
- Learning for change
- Popular Education
- Group work /Identifying needs
- Community conflict
- Evaluation. (Idem: 5)
Cada curso é lecionado, ou melhor, animado por uma facilitadora, e em alguns contextos por uma equipa de apoio que acompanha a sessão e organiza os espaços de encontro anteriores e de intervalo de cada sessão. Tratam-se de momentos de encontro entre participantes e equipa, em volta de uma mesa com aperitivos, sandes, sopa e alimentação variada em substituição de um jantar, uma vez que as sessões se realizam maioritariamente ao final do dia e se prolongam pela noite.
“Tutors take on a vital role by encouraging critical thinking in the group, their involvement creates a course that leads to both individual opportunities as well as social and transformative possibility, as demonstrated in the personal stories. As mentioned earlier in this paper the approach lends itself to the Freirean education process that is based upon the development of co-learners, the teacher is also a student and the student is a teacher and not passive learners being told what they ‘should know’; this is epitomized by the exploration of generative themes, learning which comes out of the students own experience through critical reflection and action. This is carried on through by the democratization of learning that values the student’s knowledge as well as that of academy, compounded with the notion of Learning for change, learning which enables action, which in turn transforms the lived experience of learners and their communities Beck et al (2003). The aforementioned concepts are the key principles that tutors operate out of and embrace in their delivery” (Idem: 18).
“The approach is Freirean, in the sense that the relationship between student teacher is reciprocal and the values are congruent with the National Occupational Standards for Community Development, thereby ensuring that it takes as its starting point for discussion and discovery the lived experience of those participating in the course. The course begins and is built on the tenet that everyone has something to contribute. This way of working is congruent with the Asset Based Community Development Approach (ABCD) defined by John McKnight and Jodie Kretzmann (1993) who challenge the traditional approach of solving urban problems which focuses on the needs and deficiencies of neighbourhoods. Instead they take the view that communities have an abundance of assets and are able to steer the development process themselves by using identifying and leveraging community strengths.
Activate is a strong example of this in action as it creates the opportunity for people to come together across age, cultural, geographical and social barriers to participate in meaningful dialogue for change. It creates the opportunity for people to ‘share a space’ in a society that is becoming increasingly insular. It fights against the concept of individualization and, conversely, promotes local networks and reciprocity which continue far beyond the course. Students regularly refer to their participation as being ‘life changing’” (Idem: 4-5).
Todos os anos realizam-se vários cursos Activate em Glasgow e nas regiões circundantes. Os cursos são preparados em conjunto com as organizações que os pretendem desenvolver nas comunidades onde atuam. Um dos valores mais prezados pelas promotoras do Activate é o da abertura da Universidade, enquanto instituição, à comunidade e em especial à criação de oportunidades para as pessoas mais vulneráveis, contrapondo a tendência tradicional da Universidade, enquanto instituição fechada sobre si, considerada superior a outras realidades.
“Rosie’s story is possible because of an “Ivory Tower,” which John Fallon describes as “a world of academic superiority, even snobbery…disconnected from day to day realities; a closed environment in which knowledge and intellect is the preserve of the self selecting, privileged few”, (Talloires leaders conference: Madrid 2011) broke that trend.” (Idem: 3).
Reforça-se ainda este aspeto a partir da experiência de implementação do Activate numa determinada zona de Glasgow, marcada por uma grande vulnerabilidade social, a par com o sucesso de participação de membros das comunidades no programa, e com a oportunidade de aproximação destes participantes à academia.
“Margaret’s [Fraser] determination and commitment to bring Activate to the East end of Glasgow delivered fast results. In the first six months, three Activate courses where delivered with more than 40 community members successfully completing their course. As part of their participation, students were invited to participate in a first year Community Development class at the university which we believe was an important aspect of dismantling the “Ivory Tower” concept and for challenging the popular mantra “the university is not for the likes of me” (Idem: 10).
Para além do impacto da ação dos formandos/participantes do Activate em comunidades, na ação militante ou integrados em organizações, outro outcome do Activate são as sinergias criadas com o ensino superior. Por um lado, o programa capacita os/as participantes, animando-os a prosseguir outros percursos de aprendizagem. Por outro, oferece concretamente a oportunidade de entrevista de acesso a cursos de nível 5 e/ou de ensino superior. No primeiro caso a articulação é feita com Further Education (FE) Colleges, em especial o Kelvin College, no qual se ministram curso NHC – Higher National Certificate (equivalente ao curso técnico superior profissional). No segundo caso existe à partida uma sólida relação com o curso superior de Desenvolvimento Comunitário (Bachelor of Arts in Community Development) ministrado pela Escola de Educação da Universidade de Glasgow. Neste cenário, vários participantes têm tido a possibilidade de completar a aprendizagem adquirida durante o curso Activate, ingressando e concluindo um grau de ensino superior na área em que pretendem agir militante e/ou profissionalmente, tais como: desenvolvimento comunitário; mudança social; animação sociocultural com crianças e jovens; educação para o desenvolvimento e cidadania global.
“In that first year when Activate was introduced to Glasgow’s East end, sixteen students secured a place at the university. Thirteen of them completed their Bachelors of Arts in Community Development, and the other three earned a national qualification in community development. Moreover, the local community development culture began to change, in Margaret’s eyes. She felt that community members began expressing their views more freely and that enthusiasm among them began to soar as they were better equipped to deal with problems strategically.
According to Margaret,
The culture change impressed me so much that I decided to go back to Glasgow University to study for my BA in Community Development. Although I was managing a community organization, I did not have a formal qualification in this field of work. I graduated with my BA in Community Development in 2011” (Idem: 11).
Contudo, a transição para o ensino superior trata-se, segundo Helen Martin, de um aspeto colateral e complementar ao Activate, não sendo de todo a sua finalidade. A finalidade do programa é a capacitação das pessoas e a sua futura ação nas suas comunidades.
“It’s important to know that Activate is not just about getting people for a higher education; Activate is about people having a stronger voice, recognizing them as a collective [person?], and doing stuff in their community” (entrevista-vídeo a Helen Martin, Janette Devlin e Margaret Fraser; junho 2019).
3. Narrativas pessoais: mudar de vida para mudar a comunidade
Conheci Frank em 2019, em Dundee, e reencontrámo-nos em janeiro de 2020 no East end de Glasgow, perto da sua residência e do seu antigo local de trabalho. Frank cresceu num ambiente de risco social e mais tarde foi participante num curso Activate que lhe trouxe novas oportunidades de vida, ampliando as suas aspirações. Tal como Rosie (referida no início deste texto), Frank não só obteve uma oportunidade de educação, como um grau superior em desenvolvimento comunitário e, ainda, um emprego de animador comunitário com jovens e famílias refugiadas, em Glasgow. O contacto com Frank e o seu testemunho (registado em vídeo, em junho 2019) ajudou-me a compreender o potencial transformador do Activate, não só a nível pessoal, de quem participa, mas especialmente da repercussão das ações destes participantes nas suas comunidades.
As estórias de Frank e de Rosie são exemplo de uma complementaridade entre uma educação não formal, proporcionada em contextos comunitários e a educação formal de caráter universitário, assentes numa prática de educação para todos e ao longo da vida. A igualdade de oportunidades é possibilitada pelo facto de se promover uma oferta educativa num espaço de conforto dos participantes (dos aprendentes) e aos poucos levá-los a descobrir as suas competências, desfazendo mitos e receios relativos a uma eventual progressão na aprendizagem, orientada pelos valores da educação ao longo da vida.
Mas há mais vozes para além de Frank e Rosie. Por exemplo, Billy, um pai solteiro e operário no desemprego, anteriormente envolvido em ações comunitárias refere:
“It made me want to do more in my community and I started to get involved even more. I started volunteering and helped to form a group called ‘Row for shore,’ a boat building project for the local community. I recently started volunteering with Inner Circle (a men’s group) and we have made contact with another men’s group in Maryhill, UNIS (United Nations in Scotland). We have worked together with a group of Syrian men on a book of short stories of our experience which was funded by Scottish Refugee Council and has been reported nationally through Sky News as an example of integration” (Fraser&Martin: 15).
Willy e Silvya, um casal com sete filhos e cinco netos começou a envolver-se na comunidade através da criação de um grupo de futebol com a preocupação de segurança para as suas crianças, numa zona socialmente conturbada de Glasgow. Participaram no Activate em momentos distintos e ambos acabaram por seguir os estudos superiores na área do desenvolvimento comunitário, passando a trabalhar nesta área: ele como voluntário a par com o seu emprego num hospital local, e ela como técnica de juventude num projeto local e na Glasgow Disability Alliance. E ainda:
“She volunteers as a board member in a local women’s project, “Say Women,” which supports young women affected by sexual abuse. Willie is in his final year of study at the university and has continued to work with young people in a paid capacity on a sessional basis along with some volunteering hours” (Idem: 17).
Estes são alguns exemplos de quem participou no Activate e com isso não só alterou o rumo das suas vidas e das suas famílias, como também das suas comunidades. É importante compreender a coerência existente entre os valores promovidos pelo Activate e as práticas realizadas pelas pessoas que o desenvolvem. A equipa de tutoras (e um tutor), assim como alguns elementos da coordenação foram também participantes no programa e com ele alteraram as oportunidades das suas comunidades e das suas famílias. O seu envolvimento e desenvolvimento pessoal levou a que em várias famílias o papel da mulher se alterasse, num processo de educação dos cônjuges e também dos filhos. Por isso o Activate é não só uma experiência transformadora para quem participa, mas também para quem o dinamiza atualmente, numa base de democracia da educação e de educação pelos pares. As tutoras Janette Devlin e Karen McNiven partilham, especialmente para este texto, o seu sentimento.
“ACTIVATE is all about creating opportunities for people from different age groups, backgrounds and cultures coming together to share their lived experiences of living and working in communities.
Watching the students grow in confidence and having ‘fire in their belly!’ to feel more empowered to challenge those in power and the decisions that impact on their communities is inspiring! Watching them grow and increase their knowledge about important community issues is a wonderful experience to be part of as tutors as well as for our students.
Seeing a lot of students who have not had a positive experience of formal education and often not been in any learning since their school days going onto further education or go on to study the Community Development degree at Glasgow University shows what creating the right conditions for learning can achieve for local people!
Every hour and every minute during ACTIVATE is about the shared learning and the positive relationships built up between students and the tutors. I only wish everyday of my working week was an ACTIVATE day! It truly is magical stuff!!” (Karen McNiven, tutora/facilitadora do Activate – email, abril 2020).
“The success of the Activate course is attributed to the bonding experience that the students get through their participation… in these covid 19 times we have looked at how we might be able to deliver the Activate online. We continue to carry out tutorials for the degree course and that is working well, however we had discussions on how to deliver the Activate and the tutors all agreed that the experience would never be the same and we decided to not make any changes at this time. The uniqueness of the group work experiences, the opportunity for students to explore thoughts, try out different techniques within a safe and supported environment is what makes this special. The tutors encourage the group members to foster supporting each other’s participation, encouragement and nurturing is key to ensuring the students who are hard to reach and for some, the first time they’ve ever dabbled with education since their school days!
The human element is crucial to ensuring the students grow in confidence and increase their own self belief as well as their awakening and enabling the space for some light bulb moments….
The human element is the key to ensuing Activates success” (Janette Devlin, tutora/facilitadora do Activate – email, abril 2020).
Notas finais
O Activate é um programa de capacitação de pessoas que fazem parte de uma comunidade para tornar a comunidade parte de todas elas. Desenvolve-se devido às sinergias geradas entre uma universidade e organizações locais. Cabe à primeira (uma das mais famosas e antigas universidades do mundo) a responsabilidade de não envelhecer, reinventando-se a partir da sensibilidade e compreensão das necessidades sociais, sem furtar o protagonismo dos atores locais. Cabe às segundas o protagonismo de promover nos seus espaços, e com os seus recursos, a aprendizagem necessária ao desenvolvimento pessoal e à capacitação dos participantes para atuar na comunidade, respeitando a diversidade de interesses e de motivações. Dou como exemplo o grupo do curso em Clydebank, em janeiro deste ano, composto por membros da comunidade, representantes de organizações ativistas locais e elementos de serviços públicos com ação local e, ainda, três elementos da polícia da esquadra local. Todos estes últimos participavam por iniciativa própria, apoiados pelas instituições, com o intuito de aprofundar o seu conhecimento sobre a comunidade, os seus atores, dinâmicas, problemas e potencialidades.
O sucesso do Activate tem demonstrado impactos a nível:
a. Económico, relacionados com a empregabilidade e empreendedorismo social;
b. Político, com ação comunitária, mas também com a integração de antigos participantes em funções políticas locais;
c. Educativo, devido à ampliação das oportunidades de educação formal dos participantes e das suas famílias, amigos e vizinhos, mas também da representação social relativa à Educação;
d. Social, pela melhoria das relações entre vizinhanças, muitas vezes promovidas pelos participantes ou pela mudança de comportamentos dos habitantes das comunidades.
“Today more than 1000 students have come through the programme; from this approximately 42% of those have gone onto study at either Further Education College or The University and many more volunteering and participating in local community activities. Geographically the programme has been delivered across the West coast of Scotland and in recent times invited to deliver in the East coast. Activate has worked with over 25 different community based organisations in the delivery of the programme and has sustained relationships with around 12 organisations, notably ng homes” (Fraser&Martin: 23).
Após três anos de empolgantes contactos pontuais, reforçados por uma recente visita de estudo conjunta com os colegas António Leal e Ricardo Melo, da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra (no quadro de mobilidades Erasmus +) está em caminho a implementação de um programa desta natureza em Portugal, na região Centro. Estamos conscientes de que os valores inerentes à educação para o desenvolvimento nos avisam dos riscos da imitação, e de que cada realidade é um contexto complexo e dinâmico, enquadrado por características únicas. É com essa consciência que procuramos conselho de quem tem passado pela experiência e a continua com sucesso. É também com essa noção que não desistimos do que acreditamos serem as sinergias fundamentais na educação para o desenvolvimento: o conhecimento de uns e de outros, no território a desenvolver.
Embora as circunstâncias atuais (no quadro dos efeitos da pandemia da Covid-19) nos tenham interrompido o ritmo, acreditamos que elas e o futuro próximo, reforçam a necessidade de um desenvolvimento local e de ação comunitária, orientado para a defesa de valores democráticos, de cidadania e de desenvolvimento Humano, enquanto processo centrado na importância das pessoas, das suas escolhas e liberdades como fator fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade (Haq, 1995).
[1] Docente da Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC-IPC) e animador sociocultural.
Referências Bibliográficas
- Fraser, M.; Martin, H. (2017) “The Activate Program in Glasgow, Scotland: A New Way of Thinking and Being in the World.” In Hoyt, L. Regional Perspectives on Learning by Doing: Stories from Engaged Universities around the World, edited by, Michigan State University Press, East Lansing, 2017, pp. 37–56. JSTOR.
- Haq, M. ul (1995). Reflections on Human Development. Oxford University Press.
- Página do programa Activate no website da Universidade de Glasgow, disponível em: https://www.gla.ac.uk/schools/education/cpd/cpdforcommunitydevelopment/.
- Documentação interna e de promoção do Activate, disponibilzada por tutoras e coordenação do programa, no contexto das visitas de estudo possibilitadas pelo programa Erasmus +.