Alfredo Gomes Dias1, Luísa Teotónio Pereira2 e Stéphane Laurent3
Resumo: Este artigo descreve e reflete sobre a fase mais recente da parceria entre a Escola Superior de Educação de Lisboa (ESELx) e o CIDAC – Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral, desenvolvida no âmbito do projeto Sinergias ED. O seu objetivo foi a co-construção de uma unidade curricular (UC) eletiva de ED, progressivamente alargada a todas as licenciaturas da ESELx, tendo em conta a experiência dos 3 anos anteriores, em que a UC se destinou apenas aos/às estudantes da Licenciatura de Educação Básica.
Na primeira parte explica-se o contexto em que se insere a parceria ESELx / CIDAC; na segunda parte explica-se o trabalho realizado no quadro deste processo; e na terceira parte aborda-se a relevância do projeto para a Escola e reflete-se de forma crítica sobre o caminho percorrido e o seu significado para as duas entidades envolvidas.
Palavras-chave: Formação de Professores; Formação de Animadores; Educação para a Cidadania Global; Educação para o Desenvolvimento; Parceria ONG – IES.
Abstract: This article will describe and reflect on the latest stage in the evolution of the partnership between the Lisbon School of Education (ESELx) and CIDAC (Amílcar Cabral Intervention Centre for Development) which has been developed within the framework of the Sinergias ED project. The objective was to co-construct and progressively extend the offer of an elective course unit (CU) in Development Education to all degrees, taking into consideration the experiences of the previous three years, during which the CU was exclusively offered to students on the Bachelor’s Degree in Primary Education.
The first section of the article will contextualise the ESELx – CIDAC partnership; the second will outline the work carried out as part of this process; the third section will discuss the project’s importance to the School, providing a space for critical reflection on the work carried out so far and its meaning for the two entities involved.
Keywords: Teachers Training; Animators Training; Global Citizenship Education; Development Education; NGO – HSI Partnerships.
Resumen: Este artículo describe y reflexiona sobre la fase más reciente de lo partenariado entre la Escola Superior de Educação de Lisboa (ESELx) y el CIDAC – Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral, desarrollada en el ámbito del proyecto Sinergias ED. Su objetivo fue la construcción conjunta de una unidad didáctica curricular electiva de ED, progresivamente ampliada a todas las licenciaturas de ESELx, teniendo en cuenta una experiencia de 3 años, en que la programación curricular era trabajada sólo con alumnado de la Licenciatura de Educación Básica.
En la primera parte se explica el contexto en que nace lo partenariado ESELx/CIDAC; en la segunda parte se explica el trabajo realizado en este proceso; en la tercera parte se aborda la relevancia del proyecto para la ESELx y se reflexiona críticamente sobre el camino recorrido y su significado para las dos entidades implicadas.
Palabras-clave: Capacitación de Profesores; Capacitación de Animadores; Educación para la Ciudadanía Global; Educación para el Desarrollo; Partenariado ONG – IES.
Introdução
A constituição de uma parceria entre a Escola Superior de Educação de Lisboa (ESELx) e o CIDAC – Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral no projeto Sinergias ED insere-se num processo anteriormente iniciado com a colaboração do CIDAC na oferta da unidade curricular (UC) eletiva de Educação para o Desenvolvimento (ED) no quadro da Licenciatura de Educação Básica, da ESELx.
O presente artigo tem por finalidade (i) descrever o trabalho desenvolvido ao longo do projeto assumido pela ESELx e o CIDAC no âmbito do Sinergias ED e (ii) refletir sobre este processo e os seus significados para as duas instituições.
Neste sentido, no primeiro ponto explica-se o contexto em que se insere a parceria ESELx / CIDAC no âmbito do projeto Sinergias ED; no segundo ponto descreve-se o trabalho realizado no processo de co-construção de uma unidade curricular de ED alargada a todas as licenciaturas da ESELx; e no terceiro ponto aborda-se a relevância deste projeto para a Escola e reflete-se, de forma crítica sobre o caminho já realizado.
1. O início da ação colaborativa entre a ESE de Lisboa e o CIDAC
Quando a equipa de coordenação do projeto Sinergias ED apresentou a ideia de se estruturarem ações colaborativas entre Instituições de Ensino Superior e Organizações da Sociedade Civil no âmbito da Educação para o Desenvolvimento, a ESE de Lisboa e o CIDAC discutiam como reforçar a unidade curricular (UC) opcional de ED, criada dois anos antes.
A iniciativa de criação da UC partira de dois docentes, sensíveis à necessidade de abrir horizontes aos jovens alunos e alunas. A experiência de ações de Cooperação para o Desenvolvimento da ESE com Angola tinha criado uma consciência mais profunda de como o mundo é vasto e diverso e de como esta realidade estava longe de quem passava pela Escola. Cientes de que a grande maioria dos futuros docentes do Ensino Básico deveriam, muito provavelmente, fazer face na sua vida profissional a situações e ambientes multiculturais complexos, considerou-se que uma compreensão cidadã global seria importante no seu currículo de formação. Esta seria também uma forma de a Escola se abrir a outros horizontes, contribuindo para que os estudantes tivessem dos seus cursos uma perspetiva mais abrangente.
A UC de Educação para o Desenvolvimento, no seguimento de experiências de colaboração com algumas organizações da sociedade civil noutros domínios, aparecia como uma parte da resposta a estas preocupações. Estava aberta aos alunos e alunas que frequentavam a Licenciatura em Educação Básica, tendo funcionado na sua primeira edição (2102-2013) durante o curso diurno e, no ano seguinte, no curso em período pós-laboral. A estrutura, nessa fase, assentou sobretudo no convite a entidades externas para partilharem a sua intervenção, criando assim pontes com outros contextos, visões e atividades. O CIDAC foi uma das organizações desafiadas, nesse empreendimento a fim de introduzir alguns conceitos chave – desde logo, o de “Educação para o Desenvolvimento” – tendo-o feito em articulação com a apresentação da Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento (ENED), enfatizando as suas raízes, fundamentos e potencialidades.
A terceira edição (2014-2015) já decorreu em paralelo com o processo de preparação de uma nova fase da UC. O programa do curso, no entanto, propôs uma abordagem diferente: seriam os/as alunos/as a visitar as organizações, em vez de estas serem recebidas na sala de aula. Foram identificadas três organizações (o Graal, a Fundação Gonçalo da Silveira e o CIDAC) com experiência de trabalho em ED, foi construído com os/as alunos/as um guião de questionário e foram ainda preparadas as visitas. No final, cada grupo de alunos/as elaborou e apresentou uma síntese das aprendizagens feitas durante este percurso pedagógico. O resultado foi evidenciado meses mais tarde quando, no âmbito da comemoração do “Dia da Escola”, em maio de 2015, uma aluna testemunhou publicamente o valor do que tinha conhecido, descoberto e compreendido, estabelecendo ligações, quer com a sua vida enquanto cidadã, quer com a sua área profissional.
Ainda neste ano letivo, no seguimento de uma reunião entre o grupo de trabalho enquadrado no projeto Sinergias ED e os responsáveis da Licenciatura em Artes Visuais e Tecnologias, o CIDAC foi convidado a participar na dinamização de uma aula da UC de Artes Visuais e Comunidade com o objetivo de “refletir sobre a intervenção de terreno que os/as alunos/as vão realizar à luz da Educação para a Cidadania Global”.
O envolvimento no conjunto de ações mencionadas foi reforçando a ligação, a diferentes níveis, entre o CIDAC e a ESELx, e a noção da complementaridade existente, no quadro da ED, entre ambos os tipos de entidades (Instituições de Ensino Superior e Organizações da Sociedade Civil).
Para o CIDAC, a atividade enquadrava-se no cruzamento de dois dos seus Objetivos Estratégicos: “Descodificar junto do grande público questões globais do desenvolvimento e promover posturas ativas de cidadania / Aprender a ler a realidade para intervir nela” e “Consolidar o entendimento e as práticas de ED junto dos seus atores”. A ESELx, enquanto ator de ED, pode proporcionar aos seus docentes e alunos/as oportunidades de aprendizagem de novas leituras da realidade, local e global, na qual todos vivemos. Para a ESE, o trabalho agora desenvolvido em torno da UC de Educação para o Desenvolvimento, enquadra-se na sua missão tal como se encontra explicitada nos seus Estatutos. Assim, importa recordar que um dos objetivos definidos para a ação da Escola Superior de Educação de Lisboa prevê contribuir para a “compreensão internacional e para a aproximação entre os povos, com especial destaque para os países de língua oficial portuguesa”. É nesta linha que se integra, no segundo artigo dos Estatutos, a sua orientação por “valores de cidadania” e a aposta numa “formação centrada em grandes problemas ou projetos”.
Neste contexto, a proposta do projeto Sinergias ED caiu em terreno fértil. As Direções da ESE e do CIDAC acordaram rapidamente em estruturar um trabalho colaborativo, a começar em abril de 2014, com dois objetivos: o primeiro, de caráter mais operacional, traduzir-se-ia na criação de uma Unidade Curricular comum às quatro licenciaturas da ESELx (Educação Básica, Artes Visuais e Tecnologias, Animação Sociocultural e Música na Comunidade); o segundo, de caráter mais teórico e reflexivo, levar-nos-ia a documentar e analisar um processo de co-construção de um plano de formação no domínio da ED, numa escola de formação, nas áreas da Educação Formal e Não-Formal.
2. Percurso de co-construção da unidade curricular de ED
O momento fundador desta fase do ciclo colaborativo entre a ESELx e o CIDAC, visando a criação da unidade curricular opcional em ED, consistiu na realização de uma sessão de reflexão realizada na ESELx no dia 8 de maio de 2014 que contou com a participação de docentes das quatro licenciaturas e de representantes da Direção da Escola. Este processo de reflexão coletiva visou consensualizar o que entendemos por Educação para o Desenvolvimento com um conjunto de atores educativos não familiarizados com este conceito e com as práticas que lhe dão corpo, e tecer relações de pertinência entre a ED e as abordagens temáticas das licenciaturas.
Esta sessão desenvolveu-se à volta do seguinte programa:
Os porquês do Seminário, parte que permitiu à Presidente da ESELx partilhar com os restantes participantes o percurso já realizado pela instituição no quadro da ED através da Licenciatura de Educação Básica e afirmar o empenho da Escola neste domínio.
A relevância que tem a ED para as problemáticas centrais das quatro licenciaturas que hoje existem na Escola e o que entendemos por ED. Esta parte, dinamizada pelo CIDAC, tentou apresentar uma abordagem possível de desenvolver nas temáticas das quatro licenciaturas, vistas através do prisma da ED. A título de exemplo, foram elencadas as seguintes questões:
Artes Visuais e Tecnologias:
- As razões que explicam a existência de modelos de representação mais valorizados, mais difundidos, mais hegemónicos.
- Os códigos e a semântica que regem a construção de uma imagem. O discurso, as mensagens veiculadas por uma imagem.
- Quem tem acesso à cultura, e a que cultura.
- O impacto dos modelos económicos na produção cultural. A cultura: uma mercadoria ou um bem essencial?
- O acesso aos meios de produção e difusão. Os interesses que servem.
Música na Comunidade
- Muitas das questões anteriormente mencionadas
- Expressão musical e classes sociais.
- As diferenças entre uma iniciativa como o Olodum (promoção e valorização da cultura afro-brasileira em Salvador da Bahia) e a Orquestra Geração (jovens dos “bairros difíceis” numa orquestra sinfónica).
- Influência e inter-relação entre as escalas pentatónicas oriundas de África e as “blue notes” no blues, jazz, rock / criação de um referencial musical global que em parte se deve aos caminhos da escravatura. Processos de reapropriação deste fenómeno pelos músicos africanos.
Educação Básica:
- Aspetos metodológicos que dão corpo a princípios e valores defendidos pela ED: participação, experimentação, cooperação, colaboração.
- Transdisciplinaridade da ED (Geografia: representações do mundo segundo as projeções de Mercator ou de Peters; História da colonização segundo o colonizador ou o colonizado…).
- Gestão sustentável da escola (reciclagem, energia, origem dos alimentos da cantina…).
Animação Sociocultural:
- Todos os aspetos metodológicos evocados anteriormente para a Educação Básica.
- Valorização da diversidade e trabalho intercultural.
- Entender e descodificar o seu universo, como e onde se cruza com outros, para melhor intervir nele.
O debate que se seguiu a esta apresentação demonstrou uma convergência ampla de visões entre os participantes. Os docentes presentes conseguiram produzir uma leitura das suas disciplinas específicas à luz da ED, consolidando a ideia da transversalidade curricular e de transdisciplinaridade. Foi também vista como fundamental e prioritária a possibilidade de estimular, junto dos alunos/as, competências de descodificação da realidade e de posicionamento crítico. A apresentação e o debate geraram um forte consenso por parte dos participantes à volta da ideia de se alargar esta unidade curricular opcional ao conjunto das licenciaturas da Escola. Nesta base, decidiu-se coletivamente organizar reuniões com as coordenações das quatro licenciaturas com o objetivo de:
- definir o tipo de competências que os alunos e as alunas devem desenvolver e mobilizar para intervirem numa perspetiva de ED, no quadro das suas especialidades;
- identificar os constrangimentos e as especificidades que devem ser tidas em conta na criação de uma unidade curricular comum.
Entre novembro e dezembro de 2014, a equipa ESELx / CIDAC, promotora desta iniciativa, reuniu com todas as coordenações, conseguindo-se elencar um conjunto de competências julgadas centrais para a formação dos alunos e alunas, entre as quais:
- dinamizar / integrar processos de trabalho colaborativo;
- trabalhar e comunicar em contexto intercultural;
- poder descentrar-se;
- saber informar-se e analisar criticamente as informações;
- mobilizar saberes transversalmente para descodificar a realidade;
- agir em coerência com valores e princípios;
- perceber as inter-relações e interdependências entre o global e o local.
Estas reuniões permitiram também aferir das diferenças na duração e na atribuição de créditos para as unidades curriculares opcionais entre as várias licenciaturas, tendo sido encontradas soluções diversas em função das espeficidades de cada um dos planos de estudo, respeitando a regra definida pela Escola de que todas as UC opcionais devem ter sempre três créditos. Assim, no caso da Licenciatura da Música na Comunidade, a opção que é oferecida é escolhida pelos estudantes a partir do leque de ofertas que são disponibilizadas pelas outras licenciaturas; no caso da Licenciatura de Educação Básica, a UC continuará a ser oferecida anualmente; no caso das licenciaturas de Animação Sociocultural e de Artes Visuais e Tecnologias, a Educação para o Desenvolvimento integrará UC mais abrangentes e com um maior número de créditos, nomeadamente as disciplinas de Artes Visuais e Comunidade e Educação para a Cidadania Global e Redes de Intervenção.
É interessante notar que os vários membros do corpo docente que participaram nas reuniões valorizaram o aspeto inovador desta UC, a primeira acessível aos alunos e alunas de todas as licenciaturas, nomeadamente pelo potencial que representa de descompartimentação dos cursos e de interconhecimento entre estudantes.
Com base nos diferentes contributos das reuniões com as coordenações das quatro licenciaturas, a equipa ESELx / CIDAC desenvolveu, entre janeiro e maio de 2015, a seguinte proposta de Ficha de Unidade Curricular em ED:
Objetivos de Aprendizagem (conhecimentos, aptidões e competências a desenvolver pelos estudantes):
Finalidades:
- Desenvolver a capacidade de ler a realidade social para melhor nela intervir.
- Assumir uma prática de cidadania assente na interdependência entre o local e o global.
- Promover a capacidade de intervir na perspetiva da cidadania global junto dos seus futuros públicos.
Objetivos Gerais:
- Definir os conceitos de Educação para o Desenvolvimento (ED) e de Educação para a Cidadania Global (ECG).
- Conhecer o enquadramento histórico que fez nascer os conceitos e as práticas da ED e da ECG.
- Refletir sobre as relações políticas e económicas internacionais, em particular, no que diz respeito ao comércio internacional.
- Conhecer as orientações nacionais e internacionais para a ED e a ECG.
- Conhecer atores nacionais de ED e ECG.
- Conceber ações de ED/ECG no âmbito de intervenções locais e comunitárias.
- Problematizar a relação entre a ED e a ECG e a educação artística, a educação formal e a formação de agentes sociais (animadores socioculturais).
Conteúdos Programáticos
Módulo 1. Introdução à Educação para o Desenvolvimento e à Cidadania Global
1.1. Definição de conceitos: Educação para o Desenvolvimento (ED) e Educação para a Cidadania Global (ECG)
1.2. ED e ECG: enquadramento histórico
1.3. Políticas de promoção da ED e ECG, aos níveis nacional e internacional
Módulo 2. Descodificar a realidade, pensar alternativas
2.1. Problematização da realidade: alimentação, cultura e media
2.2. As alternativas: iniciativas e modos de participação
2.3. Interação com atores da sociedade civil
Módulo 3. Metodologias de intervenção e participação
3.1. ED/ECG e educação: educação formal e educação não-formal
3.2. ED/ECG e intervenção local/comunitária: entre o local e o global
3.3. Conhecimento de instituições e contextos de intervenção
Método de Ensino e de Avaliação
Método de ensino:
As aulas teórico/práticas privilegiam a articulação entre a exposição das diferentes temáticas ao grande grupo e: (i) a exploração de textos, documentos, imagens, mapas e gráficos em pequeno grupo; (ii) seminários com a intervenção de convidados externos.
Privilegia-se a prática de reflexão/discussão em pequeno e grande grupo.
O trabalho presencial é complementado com o contacto direto com instituições que promovem a ED/ECG (trabalho de campo).
Método de avaliação contínua:
Trabalho de Grupo (módulo 2): 40%
Trabalho de Grupo (módulo 3): 40%
Participação (individual): 20%
Método de exame:
O programa de exame corresponde ao estudo dos módulos que integram os conteúdos programáticos.
Esta proposta foi apresentada, discutida e validada com as coordenações de todas a licenciaturas, numa reunião realizada no dia 6 de junho de 2015. No dia 21 de setembro do ano letivo 2015/2016, realizou-se a primeira sessão desta unidade curricular, acessível, neste fase, às licenciaturas de Educação Básica e de Artes Visuais e Tecnologias, devendo estender-se, no ano letivo de 2016/2017 às restantes licenciaturas. Contou, nesta edição, com a inscrição de 24 estudantes. A sinopse a seguir, disponibilizada aos estudantes em início do ano letivo, sintetiza o nosso entendimento desta UC de ED:
A cada vez maior complexidade do mundo no qual vivemos confronta-nos frequentemente, no exercício do nosso papel educativo, com a necessidade de abordar problemáticas que cruzam o local e o global, comportamentos individuais e processos coletivos, questões sociais, ambientais, económicas e, muitas vezes, sentimo-nos pouco preparados para tais desafios… A Educação para o Desenvolvimento (ED) e a Educação para a Cidadania Global (ECG) dão-nos chaves de compreensão e de interpretação do mundo, assim como métodos para abordar estas questões com os nossos públicos, com vista à construção de um mundo mais justo e solidário. Nesta UC, procuraremos, alternando sessões em sala e contactos diretos com organizações da sociedade civil, entender o que é a ED e a ECG e como colocá-las em prática.
3. A Educação para o Desenvolvimento na ESELx
Como tivemos ocasião de referir anteriormente, a definição de um eixo de formação na área da Educação para o Desenvolvimento na Escola Superior de Educação de Lisboa passa, em primeiro lugar, pelo seu enquadramento não só nos Estatutos da Escola, mas também no seu Projeto Formativo: “A ESELx afirma ainda a sua dimensão europeia e internacional, criando protocolos com diversas instituições europeias e desenvolvendo relações de cooperação privilegiadas com os países de língua oficial portuguesa”.
Por outro lado, a opção por oferecer uma unidade curricular centrada nas problemáticas que giram em torno do conceito de ED e a participação neste projeto de cooperação com o CIDAC inserem-se num processo mais amplo de abertura da ESELx a espaços de educação não-formal. Com o nascimento das licenciaturas de Animação Sociocultural e Música na Comunidade em 2006, a Escola abriu-se a outros públicos e, necessariamente, disponibilizou-se a contribuir para a formação de agentes educativos que incidem a sua atividade em contextos de formação que não funcionam dentro do sistema de educação formal. Novos passos têm sido dados neste mesmo sentido, nomeadamente a criação e o alargamento da oferta na Licenciatura de Artes Visuais e Tecnologias. No que diz respeito à Educação para o Desenvolvimento, a criação e o alargamento da oferta desta UC às quatro licenciaturas é assumido, neste momento, como uma estratégia para aprofundar uma componente formativa num espaço que é considerado relevante para a missão da Escola e, ainda, para alargar o seu envolvimento com instituições da sociedade civil, com destaque para a área metropolitana de Lisboa.
Já vai sendo longo o percurso realizado, o qual tem vindo a permitir ganhos que a ESE reporta como fundamentais para o seu projeto de formação, dos quais se devem destacar, (i) o reforço da dimensão da Educação Não-Formal; (ii) a integração de áreas de estudo e reflexão que apontam para a análise multi-escalar (micro, meso e macro); (iii) o aprofundamento de relações com instituições da comunidade.
No entanto, a participação no projeto Sinergias ED ofereceu a esta UC em concreto, e à Escola no seu todo, novas dimensões e novas oportunidades. A parceria com o CIDAC constituiu-se como um alicerce de afirmação da UC no plano de formação da Licenciatura de Educação Básica, onde ela nasceu. O trabalho desenvolvido no sentido de alargar a oferta da Educação para o Desenvolvimento às restantes licenciaturas proporcionou um encontro entre professores e estudantes de diferentes formações, mas disponíveis para partilhar um projeto comum. Em última análise, esteve sempre em causa proporcionar uma formação de agentes capazes de intervir em projetos de mudança social, sustentados em processos de reflexão balizados pelos fenómenos de interinfluência entre o local e o global.
O processo participado que foi adotado pela parceria ESE/CIDAC para atingir os dois objetivos definidos no seu projeto de trabalho colaborativo foi dando os seus frutos, não só porque reforçou a componente comunitária da formação disponibilizada pela Escola, abrindo-se ao exterior, como reforçou laços e criou novas oportunidades internas, entre estudantes, docentes e cursos.
Reconhecemos que, todavia, este não tem sido um caminho fácil de trilhar, principalmente por se centrar numa dimensão conceptual e formativa de fraca tradição dentro da ESE e por implicar a introdução de práticas inovadoras: a área da ED só se tornou explícita na Escola com a criação da unidade curricular em 2012/2013; o trabalho realizado a partir da participação no projeto Sinergias ED conduziu a um trabalho colaborativo entre docentes de diferentes áreas científicas numa mesma unidade curricular, o que constitui uma experiência pouco comum, principalmente porque envolve ainda parceiros externos.
Ao longo destes cerca de dois anos de trabalho, destacam-se três dificuldades que devem merecer a nossa reflexão. Em primeiro lugar, importa sublinhar que os diferentes docentes envolvidos, partindo de áreas científicas/artísticas muito diversas, nem sempre revelam plena coincidência no quadro conceptual que mobilizam em torno da Educação para o Desenvolvimento, o que nos leva a considerar que a apreensão do conceito de ED é um processo que precisa de tempo para amadurecer, quando construído a partir de diferentes perspetivas/experiências. Em segundo lugar, no plano organizativo e de coordenação da UC nem sempre foram acauteladas as necessidades de planificação prévia da sua preparação, ainda antes das aulas começarem, pelo que se revela fundamental investir mais na integração dos vários participantes (licenciaturas) no processo de construção da “nova” disciplina, que está em marcha. Finalmente, em terceiro lugar, importa considerar que o fator tempo nem sempre joga a favor da implementação de processos inovadores dentro de uma escola. Esta tem os seus ritmos formal e rigorosamente definidos, por vezes difíceis de compatibilizar com experiências que fogem às rotinas estabelecidas ao longo de muitos anos. Assim, reconhecemos que introduzir um novo projeto numa escola exige muito da disponibilidade dos docentes, a qual teima em ser escassa tendo em conta as múltiplas tarefas que preenchem o seu quotidiano.
Nota final
Como nota final gostaríamos de sublinhar três aspetos que consideramos essenciais quando pensamos na mais-valia que o trabalho realizado até agora tem oferecido às duas instituições envolvidas. Em primeiro lugar, esta iniciativa tem permitido a cada uma das instituições a possibilidade de alargar a sua área de intervenção a outros públicos, contactando com outras realidades e outras intervenções. Em segundo lugar, o trabalho realizado tem vindo a reforçar o trabalho colaborativo entre as duas instituições. Finalmente, em terceiro lugar, pensamos que todos nos temos sentido parte de um projeto que tem contribuído para afirmar a ED no espaço do ensino superior na região de Lisboa.
[1] Licenciado em História e doutorado em Geografia Humana pela Universidade de Lisboa. Investigador do Centro de Estudos Geográficos do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa. Professor-Adjunto da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Lisboa. Coordenador do domínio científico das Ciências Sociais. Professor de disciplinas científicas no âmbito das metodologias de ensino do Estudo do Meio Social e da História e Geografia nos cursos de formação inicial de professores do Ensino Básico (0-12 anos). Coordenador da Unidade Curricular de “Educação para o Desenvolvimento”.
[2] Membro do Conselho Diretivo do CIDAC, trabalha no campo da educação para o desenvolvimento. É representante do CIDAC na Comissão de Acompanhamento da Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento (ENED) e no GENE – Global Education Network Europe.
[3] Membro do Conselho Diretivo do CIDAC, trabalha no campo da cooperação e da educação para o desenvolvimento desde 2000, nomeadamente em temáticas ligadas às alternativas económicas, comércio justo, economia solidária, soberania alimentar e, mais recentemente, na temática dos média.