Albertina Raposo 1,4, Isabel Abreu dos Santos 2,4, Lia Vasconcelos 3,4

 

Resumo: Muito se tem trabalhado sobre os conceitos de desenvolvimento sustentável, de sustentabilidade e de cidadania. Mesmo o conceito de desenvolvimento sustentável, sendo mais recente que o de cidadania, conta já com mais de três décadas. Neste período emergiram um conjunto de políticas públicas europeias que se traduziram em estratégias nacionais e foram implementadas em cada um dos países da União Europeia. Contudo, só em 2015 com o surgimento da Agenda 2030, são definidos especificamente 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que estabelecem um enquadramento a ser implementado por todos os países abrangendo áreas tão diversas, mas interligadas, como: o acesso equitativo à educação e a serviços de saúde de qualidade; a criação de emprego digno; a sustentabilidade energética e ambiental; a conservação e gestão dos oceanos; a promoção de instituições eficazes e de sociedades estáveis e o combate à desigualdade a todos os níveis.

Este artigo visa contribuir para a reflexão crítica sobre as diversas Estratégias Nacionais que têm emergido e que, de algum modo, procuram contribuir para um mundo mais sustentável e uma sociedade capaz de acabar com a pobreza, promover a prosperidade e o bem-estar de todos, proteger o ambiente e combater as alterações climáticas.

A partir da questão central de Como tem Portugal desenvolvido e implementado planos de ação capazes de contribuir para o desejo global de uma sociedade mais justa, mais equitativa, mais solidária e mais sustentável?, olhamos estas estratégias no intuito de construir uma visão refletindo os esforços desenvolvidos na procura de uma sociedade mais sustentável e apontar algumas pistas de trabalho passíveis de contribuir para uma maior eficiência e eficácia da aplicação das políticas públicas existentes.

Palavras-chave: Políticas Públicas; Estratégias Nacionais; Sustentabilidade; Pensamento Crítico.

Abstract:  Much work has been done on the concepts of sustainable development, sustainability and citizenship. Even the concept of sustainable development, which is more recent than that of citizenship, has more than three decades. In this period, a set of European public policies emerged that were translated into national strategies and were implemented in each of the countries of the European Union. However, only in 2015 with the emergence of the 2030 Agenda, 17 Sustainable Development Goals (SDGs) are specifically defined that establish a framework to be implemented by all countries covering diverse but interconnected areas, such as: equitable access to education and quality health services; creation of worthy jobs; energy and environmental sustainability; conservation and management of the oceans; promoting effective institutions and stable societies and combating inequality at all levels.

This article aims to contribute to critical reflection on the different National Strategies that have emerged and that, in some way, seek to contribute to a more sustainable world and a society capable of ending poverty, promoting prosperity and the well-being of all, protect the environment and combat climate change.

Starting with the question of How has Portugal developed and implemented action plans capable of contributing to the global desire for a fairer, more equitable, more supportive and more sustainable society?, we look at these strategies trying to build a vision of the efforts developed in the construction of a more sustainable society and point out some work tracks that can contribute to greater efficiency and effectiveness in the application of existing public policies. 

Keywords: Public Policies; National Strategies; Sustainability; Critical Thinking.

Resumen: Mucho se tiene trabajado sobre los conceptos de desarrollo sostenible, sostenibilidad y ciudadanía. Incluso el concepto de desarrollo sostenible, que es más reciente que el de ciudadanía, tiene más de tres décadas. En este período surgió un conjunto de políticas públicas europeas que se tradujeron en estrategias nacionales y se implementaron en cada uno de los países de la Unión Europea. Sin embargo, solo en 2015 con el surgimiento de la Agenda 2030, se han definido específicamente 17 Objetivos de Desarrollo Sostenible (ODS) que establecen un marco al ser implementados por todos los países cubriendo áreas tan diversas pero interconectadas, tales como: acceso equitativo a la educación y servicios de salud de calidad; creación de trabajos decentes; sostenibilidad energética y ambiental; conservación y utilización de los océanos; promoción de instituciones eficaces y sociedades estables y combate a la desigualdad a todos los niveles.

Este artículo tiene como objetivo contribuir a la reflexión crítica sobre las diversas Estrategias Nacionales que han surgido y que, de alguna manera, buscan contribuir para un mundo más sostenible y una sociedad capaz de acabar con la pobreza, promover la prosperidad y el bienestar de todos, proteger el medio ambiente y combatir los cambios climáticos.

Desde la pregunta central de ¿Cómo ha desarrollado Portugal e implementado planes de acción capaces de contribuir al deseo global de una sociedad más justa, más equitativa, más solidaria y sostenible?, analizamos las estrategias para construir una visión que refleje los esfuerzos desarrollados en la búsqueda de una sociedad más sostenible y señalar algunas vías de trabajo que pueden contribuir a una mayor eficiencia y eficacia en la aplicación de las políticas públicas existentes.

Palabras clave: Políticas Públicas; Estrategias Nacionales; Sostenibilidad; Pensamiento Crítico.

 

 

1. Conceptualizando as problemáticas

O conceito de cidadania não é recente. Em jeito de diálogo entre pai e filho, José Jorge Letria no seu livro “A cidadania explicada aos jovens e aos outros” (Letria e Letria, 2003) conta-nos um pouco a origem da palavra e do conceito e de como, nos anos 90 a ideia de cidadania se tornou presente no discurso político. No diálogo, o pai explicita que o conceito de cidadania é mais que um direito ou um dever político, é também um conjunto de direitos e deveres sociais que nos conferem a obrigação de trabalhar para um bem comum (Letria e Letria, 2003).

Carreira (2018) faz um levantamento de diferentes abordagens ao conceito de cidadania. No seu texto, destacamos a referência a Monteiro e Castro (2008) que, indo ao encontro da definição de Fonseca (2009) refere que a cidadania é “como um conjunto de direitos e deveres da pessoa na sociedade de que faz parte, destacando que a mesma se concretiza através de um processo de aprendizagem de maior participação que envolve a construção de pertença e identidade coletivas” (Carreira, 2018 p. 53) assim como a referência a Melo (2013) que distingue os conceitos de nacionalidade e cidadania que descreve:

não só como o direito destinado ao indivíduo de participar ativa e passivamente do processo político, mas também como o dever do Estado para com o cidadão de oferecer o mínimo existencial para garantir-lhe a dignidade. Nacionalidade e cidadania são conceitos que não mais se confundem (Carreira, 2018 p. 53, 54).

Na essência “exige que os cidadãos (…) devam estar imbuídos da cultura da participação para que os interesses gerais prevaleçam sobre os interesses do Estado (…) para agir consciente e responsavelmente dentro da sociedade” (Fonseca, 2009, p.53).

E Letria continua na sua conversa com o filho, a propósito de ameaças à cidadania, identificando como maior ameaça a indiferença. Indiferença perante a vida pública, os direitos e deveres e face ao individualismo (Letria e Letria, 2003).

Indo ao encontro de Letria e Letria (2003), Carreira (2018) salienta que “estudos e artigos científicos, de âmbito nacional e internacional, sobre o estado da cidadania têm evidenciado que a grande maioria dos cidadãos ainda não tem o hábito de participar e que há uma deficiente preparação das instituições para a promoção e incentivo à prática contínua da participação pública direta e ativa” Carreira (2018, p. 121).

A cidadania atualmente desenvolve-se em contextos que se pretendem sustentáveis. Os conceitos de desenvolvimento sustentável (DS) e sustentabilidade são sobejamente conhecidos tendo sido ajustados, discutidos e trabalhados ao longo das últimas décadas. De acordo com o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (2020) “Historicamente, o conceito de sustentabilidade está ligado à luta pela justiça social, ao conservacionismo, ao internacionalismo e outros movimentos do passado”. No final do Séc. XX, estas ideias culminaram no chamado “Desenvolvimento Sustentável”. O livro “Silent Spring” de Rachel Carson, publicado em 1962, terá permitido uma sensibilização geral sobre problemáticas de cariz ambiental, nomeadamente acerca dos efeitos adversos causados pela utilização de pesticidas de síntese química. Em 1970 surge a criação de uma agência de proteção ambiental (EPA, Environmental Protection Agency) nos Estados Unidos e logo a seguir (1972) em Estocolmo, realiza-se a Conferência das Nações Unidas Sobre o Ambiente Humano, tendo sido então elaborado o Programa das Nações Unidas para o Ambiente, do qual resultou a Declaração do Ambiente. Esta Declaração, no seu Princípio 1.º diz expressamente “O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras” (ONU, 1972). Como refere Resende (2018), este princípio vem fornecer as primeiras orientações para a filosofia por detrás do conceito de “Desenvolvimento Sustentável”, que viria a ser oficialmente formulado mais tarde – “um modo de desenvolvimento capaz de responder às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de crescimento das gerações futuras visando assim promover o desenvolvimento economicamente eficaz, socialmente equitativo e ecologicamente sustentável de toda a população”. 5

Existe uma dualidade de interligação estabelecida entre os termos “Sustentabilidade” e “Desenvolvimento” que é recente e que resulta de vários acontecimentos e conquistas de importância global, que surgiram principalmente na segunda metade do Séc. XX (Resende, 2018). Mas o conceito de sustentabilidade, muito associado ao de DS, surgiu afinal muito antes de 1987 quando um cientista alemão, em 1713 sugeria que “uma gestão florestal sustentável seria apenas alcançada quando, por unidade de tempo, a quantidade de árvores cortadas fosse igual à quantidade de árvores que crescia no mesmo período, de modo a manter a estabilidade económica” (Wilderer, 2007 cit in Resende, 2018 p4). A partir da existência do conceito de DS em 1987, o termo sustentabilidade ganhou sentido tendo sido feitas, apesar de tudo, diversas interpretações conforme a área e os objetivos dos estudos desenvolvidos ao ponto de se considerar haver uma ampliação excessiva de seu significado (Resende,2018, White, 2013, Mikhailova, 2004) e algumas contradições (White, 2013, Feil & Schreiber, 2017). Para White (2013) “Sustentabilidade” pode ter significados variados e por essa razão, é difícil de ser definida. Talvez por isto, o conceito de “Desenvolvimento Sustentável” tem sido frequentemente desvalorizado sendo muitas vezes associado e apropriado pelas questões de natureza meramente económica. Verifica-se assim alguma dificuldade do conceito conseguir englobar e satisfazer questões de âmbitos diferentes (Johnston et al., 2007, Feil & Schreiber, 2017) e escalas temporais mais precisas e objetivas para que possa haver aquilo a que Stavins et al. (2003) chamam de um apelo intuitivo para economistas e não-economistas. Como refere Resende (2018) é fundamental abordar o DS objetivamente a partir de todos os elementos que o conceito preconiza, olhando para os bons exemplos dados no passado e introduzindo os princípios e áreas de atuação conforme a necessidade que uma sociedade sem transformação vai apresentando. Por sua vez, Feil & Schrebeir (2017) esclarecem que o termo Sustentabilidade se refere a uma meta ou parâmetro, a um objetivo final a atingir e que visa medir e acompanhar os resultados gerados pela utilização das estratégias do desenvolvimento sustentável. A clarificação destes termos é importante já que o único intento final será o de alcançar a ideia de sistema ambiental humano sustentável (Feil & Schreiber, 2017).

Apesar das várias vozes discordantes que vão surgindo, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem vindo a enfatizar o papel fundamental de implementação do DS alterando, à escala global, a forma como a sociedade olha e pensa todas estas questões. Porém, e apesar do DS ter vindo a ganhar expressão, a falta de coerência nas práticas implementadas, muitas delas ainda insustentáveis, sugere que o progresso que tem vindo a ser realizado, para alterar a tendência de caminhos insustentáveis para caminhos sustentáveis, é ainda insuficiente. Como refere Mikhailova (2004) o conceito da sustentabilidade pode e tem que ser considerado à luz de uma abordagem transdisciplinar.

Sustentabilidade e ambiente são conceitos muito interligados. Conceptualizamos ambiente tal como definido na Lei de bases do ambiente (Lei n.º 11/87, de 07 de abril revogada depois pela Lei nº 19/2014 de 14 de abril) – o conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e suas relações e dos fatores económicos, sociais e culturais com efeito direto ou indireto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do homem. Sustentabilidade, por seu lado, visa assegurar o futuro deste conjunto e relações em prol do futuro.

Como temos vindo a assistir, o clima na Terra está a sofrer mudanças várias e podem observar-se evidências de mudanças em vários padrões. O 5.º Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, 2013) define como alteração climática a mudança no estado do clima que pode ser identificada através de testes estatísticos e que persiste por um longo período, tipicamente algumas décadas. O mesmo relatório salienta também que as evidências científicas relativas à influência da atividade humana sobre o sistema climático são mais fortes do que nunca e que o aquecimento global do sistema climático é inequívoco (IPCC, 2013). Há, pois, uma necessidade de reduzir substancialmente as emissões globais de gases com efeito estufa para evitar os impactos mais adversos das mudanças climáticas. No entanto, como podemos ler no Relatório da Agência Europeia de Ambiente, nº1/2017 (EEA, 2017), mesmo com reduções substanciais nas emissões de gases com efeito estufa, o clima continuará a mudar e os impactos serão sentidos em todo o mundo, inclusive na Europa. Estão a surgir impactos na nossa saúde, nos ecossistemas e na economia, e muitas vezes, estes impactos interagem com outros fatores e provocam alterações no uso da terra. Estes aspetos, estão intrinsecamente relacionados com as questões de saúde, de bem-estar, mas também de pobreza. Como referem Ximenes et. al. (2019) a pobreza é um fenómeno complexo e multidimensional e que se relaciona com o bem-estar na forma de incompatibilidade.

Rojas (2011 cit in Ximenes, 2019) relaciona o conceito de bem-estar psicológico com os aspetos afetivos e cognitivos. As emoções presentes são prazer, ansiedade, tristeza, tédio, depressão, raiva, amor e dor física. No fundo, este conceito de bem-estar vai ao encontro do conceito de saúde que nos é proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS) desde 1947 (OMS, 2006) que define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidades”.

Por sua vez, Acosta (2016 cit in Ximenes, 2019) problematiza o conceito de bem-estar e propõe o de bem viver que tem como proposta a harmonia com a natureza, reciprocidade, relacionalidade, complementaridade e solidariedade entre os indivíduos e comunidades.

Mas que mudanças terão ocorrido no âmbito das ações governamentais devido à adoção de políticas públicas existentes que se possam refletir no bem viver?

No que respeita às questões ambientais, Tavares (2013) faz uma análise de como Portugal se comportou afirmando que Portugal soube acompanhar o processo de desenvolvimento ocorrido em outros países europeus, mas apresentando um percurso muito particular e que se deve, segundo ele a quatro razões fundamentais, nomeadamente: 1) a um processo de desenvolvimento tardio, provocado por décadas de ditadura; 2) ao isolamento do país e desfasamento das realidades políticas, económicas, culturais e sociais do mundo ocidental bem como de estratégias de desenvolvimento, que vieram a ser absorvidas pelo país, aquando da integração europeia, sem se coadunarem com a realidade nacional; 3) à não assunção, pelas políticas públicas e pela agenda política, das questões ambientais, durante décadas mantidas na periferia da governação, e só nos últimos anos encaradas não como um entrave ao desenvolvimento do país, mas como decisivas e centrais para a afirmação de Portugal no contexto europeu e mundial e ainda; 4) à ausência de uma cultura de participação pública consistente, de uma estrutura institucional sólida e capaz de resistir à alternância partidária, e de um quadro legislativo suficientemente robusto para dar resposta aos reais problemas do país. Esta ideia de que Portugal tem sabido acompanhar o processo de desenvolvimento (sustentável) é comum a outros autores como Resende (2018) e Ferreira (2020a, 2020b).

Olhando mais atentamente, verificamos que Portugal tem sabido acompanhar as questões ambientais numa perspetiva de sustentabilidade, tornando as exigências normativas no quadro da EU como um potencial de afirmação internacional.

2. Políticas públicas de sustentabilidade e estratégias nacionais

A Lei de Bases para as questões ambientais só surgiu em 1987 (revogada em 2014) e com ela iniciou-se o processo de institucionalização das políticas públicas de ambiente em Portugal. Desde aí, verifica-se uma crescente importância do ambiente nas políticas públicas (Queirós, 2002; Tavares, 2013).

Cruz (2016, p.56) faz uma análise do papel do Estado e das políticas públicas para o ‘Ambiente’ e conclui que:

Diferentes políticas e medidas de política foram implementadas pelos diversos Governos Constitucionais no sentido de garantir o direito ao Ambiente e qualidade de vida, consagrado no artigo 66º da Constituição da República Portuguesa [“1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”]. Desde uma intervenção preventiva focada na preservação do ambiente e dos recursos naturais e no controlo do impacto ambiental decorrente do desenvolvimento registado no País até uma intervenção centrada no incremento e no apoio ao investimento (público ou privado) em diferentes áreas (…). 

As estratégias promovem melhores comportamentos pois privilegiam a formação e a educação na área do ambiente e têm como público-alvo a população escolar jovem, as universidades, as autarquias, as associações; assim, toda a sociedade é implicada na defesa do ambiente e na difusão de boas práticas (Cruz, 2016).

As mudanças que ocorrem no âmbito das ações governamentais, resultam na adoção de políticas públicas como estratégias e diretrizes da própria ação governamental e dos indivíduos (Silva 2004). As políticas públicas são, pois, instrumentos de ação governamental que devem ser capazes de testar os princípios de sustentabilidade como parte integrante de serviço público (Resende, 2018) coordenando os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados (Bucci, 2002). As estratégias nacionais surgem então como uma consequência da definição das estratégias e políticas europeias.

A primeira Cimeira da Terra, denominada de “Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento”, que se realizou em 1992 no Rio de Janeiro, constituiu um marco importante em matéria de Ambiente e DS. Foi uma época de boa vontade, com a queda do muro de Berlim, o fim da guerra fria e da bipolarização política do planeta. A presença de 178 países e 172 Chefes de Estado tornou notória esta Conferência. Foi aprovada a Agenda 21 – um documento que visa promover um novo padrão de desenvolvimento, conciliando proteção ambiental com justiça social e eficiência económica (UNCED, 1992). Dessa Cimeira, saiu também a Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CSD), que passou a deter as funções de monitorizar e informar sobre a implementação dos acordos feitos na Cimeira. Em 1997, numa sessão especial denominada Rio +5, aprova-se o Programa para a Implementação adicional da Agenda 21 e, outros 5 anos depois, realizou-se a Rio +10, conferência que ficou marcada pelo compromisso de implementar totalmente a Agenda 21 em paralelo com o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), aprovados em 2000, e outros acordos internacionais. Os ODM representaram a oportunidade de se criar um contexto que, tanto a nível nacional como mundial, levasse ao desenvolvimento e à eliminação da pobreza, compromisso este que vigorou até 2015, tendo sido depois substituído pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. Mas como apoiado por Cruz (2016) para alcançarmos o desenvolvimento sustentável é necessário sensibilizar a sociedade para a relevância das políticas públicas e das estratégias com impacto no bem-estar ou na felicidade e não apenas nos rendimentos.

Se até há quinze anos atrás para a maioria dos países do mundo, os problemas de desenvolvimento sustentável não constavam no topo das agendas políticas, e que, até problemas como as alterações climáticas ou fome em massa não dominavam as notícias ou o debate político (Hopwood et al., 2005), hoje os desafios sociais e ambientais fazem parte da agenda política de toda a europa sendo o conceito, a característica ou a condição de desenvolvimento sustentável, o impulsionador dos instrumentos políticos globais.

A Agenda 2030 surge da aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas, da Resolução «Transformar o Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável», no dia 25 de setembro de 2015. É aceite por todos e aplicável a todos, como refere Ferreira (2020b), e é também chamada a agenda dos 5P dada a sua abrangência e transversalidade nas preocupações que encerra: pessoas, planeta, prosperidade, paz e parcerias. E se estes aspetos são de facto ambiciosos, mas desejáveis, eles são também, pela maior dificuldade de implementação, portas abertas a alguma vulnerabilidade, risco ou mesmo incoerência. Ferreira (2020b) aponta um conjunto de aspetos mais críticos da Agenda 2030, nomeadamente: i) maior foco nos sintomas do modelo e nas respostas de mitigação, do que nas razões da causa e nas propostas de transformação; ii) não se debruça sobre aspetos geradores de desigualdades e altamente impactantes na vida da sociedade; ou ainda iii) é uma agenda não vinculativa e que não prevê mecanismos de responsabilização.

Tendo isto presente as autoras refletem criticamente de seguida, sobre estas estratégias desenvolvidas para Portugal.

Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável (ENDS)

A Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável (ENDS 2015) foi aprovada pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 109/2007, de 20 de agosto e constituiu um instrumento de orientação política da estratégia de desenvolvimento do País no horizonte de 2015 e, um referencial para a aplicação dos fundos comunitários no período 2007-2013. Em vigor desde 2007, abrange o horizonte temporal de 2015. A adoção por Portugal da “Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável – ENDS 2015” (ENDS) insere-se numa iniciativa global, iniciada com a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento (CNUAD), que teve lugar no Rio de Janeiro, em 1992. A Agenda 21, adotada na CNUAD, incentivou os Estados a adotarem estratégias nacionais de desenvolvimento sustentável, como forma de aplicar e desenvolver as decisões da Conferência, corporizadas na referida Agenda 21 e nos designados acordos do Rio. Em Portugal, o processo de elaboração da ENDS principiou com a iniciativa do XIV Governo Constitucional que, em Reunião do Conselho de Ministros de 7 de fevereiro de 2002, aprovou aquela que viria a ser a Resolução do Conselho de Ministros n.º 39/2002, de 1 de março.

Assente em sete objetivos de ação que respondem de forma equilibrada às três vertentes do desenvolvimento sustentável – desenvolvimento económico, coesão social e proteção ambiental – a ENDS preconiza modos de crescimento compatíveis com um processo longo de crescimento sustentado para Portugal devendo a sociedade portuguesa ser capaz de concertar entre si valores que fundamentem as suas ações. A ENDS foi descontinuada a partir de 2015 não vigorando na atual Agenda 2030.

Estratégia Nacional de Educação Ambiental (ENEA)

Sendo a educação ambiental parte integrante da educação para a cidadania, ela assume também uma posição privilegiada na promoção de atitudes e valores, bem como no desenvolvimento de competências imprescindíveis para responder aos desafios da sociedade do Séc. XXI, conforme consta no Referencial de Educação Ambiental para a Sustentabilidade (Câmara et al., 2018).

João Pedro Matos Fernandes, Ministro do Ambiente e Tiago Brandão Rodrigues, Ministro da Educação (à data) assinam o prefácio da Estratégia Nacional de Educação Ambiental (ENEA) 2017-2020 e salientam que A EA “deve ser um processo de aprendizagem ao longo da vida, de forma a promover uma cidadania informada e ativa, que garanta o envolvimento e o compromisso de cada um de nós e das organizações que integramos com um futuro sustentável”.

De acordo com a Agenda 21, saída da mesma Conferência do Rio, a educação, incluindo a educação formal, a consciencialização pública e a formação, deveria ser reconhecida como um processo pelo qual os seres humanos e as sociedades podem atingir o seu máximo potencial. Em Portugal, há nesta matéria, trabalho reconhecido que precisa de ser integrado e continuado. Exemplo disso é a cooperação entre as áreas governativas da Educação e do Ambiente, iniciada em 1996, que tem permitido a difusão de práticas inovadoras na realização de projetos de EA, em parcerias entre as escolas, o poder local, as Organizações Não-Governamentais de ambiente (ONGA) e outras entidades de âmbito local e regional, sob a coordenação de profissionais da educação e de especialistas na área do ambiente (ENEA). Esta Estratégia prevê que se considere o Ambiente na sua globalidade, natural, criado pelo Humano, ecológico, político, económico, tecnológico, social, legislativo, cultural e estético.

Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento (ENED)

A Educação para o Desenvolvimento (ED) foi reconhecida pela primeira vez em Portugal, com a publicação, em 26 de novembro de 2009, em Diário da República, do documento de orientação da Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento 2010-2015 (ENED). Este documento deu depois lugar a uma nova ENED 2018-2022 (Resolução do Conselho de Ministros n.º 94/2018), um documento já em si resultante de um trabalho de debate e reflexão profundo, promovido por diversas entidades públicas e da sociedade civil. 6

Como definida na página de internet oficial da ENED:

A ED é compreendida como um processo de aprendizagem ao longo da vida, comprometido com a formação integral das pessoas, o desenvolvimento do pensamento crítico e eticamente informado, e com a participação cidadã. Este processo tem como objetivo último a transformação social no sentido da prevenção e do combate às desigualdades sociais, nomeadamente às desigualdades entre mulheres e homens, do combate à discriminação, da promoção do bem-estar nas suas múltiplas dimensões, da inclusão, da interculturalidade, da justiça social, da sustentabilidade, da solidariedade e da paz, tanto ao nível local como ao nível global. 

A política educativa nacional, reforçando a área da Educação para a Cidadania nas escolas (Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, Despacho n.º 6173/2016, de 10 de maio) revela o reconhecimento que estas matérias estão a ter na esfera das políticas públicas.

3. O caminho da ENEA e da ENED na Agenda 2030

Portugal tem expressado grande entusiasmo na implementação dos ODS, como referido no Relatório nacional sobre a implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável 2017, e tudo indica que os ODS estão a ser implementados em Portugal de uma forma eficaz (Resende, 2018). Por sua vez, o Relatório de Desenvolvimento Sustentável 2020 revela que a Suécia, Dinamarca, Finlândia, França e Alemanha, lideram o ranking do desenvolvimento sustentável deste ano. Portugal está no 25.º lugar, num total de 193 países, com uma pontuação global ao nível da concretização dos ODS de 77,65%. Foi atingido o ODS 7 estando o desempenho de outros, nomeadamente: ODS 1 “Pobreza”; ODS 5 “Igualdade de Género”; ODS 6 “Água Limpa”; e ODS 8 “Crescimento Económico e Trabalho Digno”, em situação de desafios tendencialmente positivos. Já em relação à implementação dos ODS 2 “Fome”; ODS 13 “Ação Climática” e ODS 14 “Oceanos”, Portugal continua a enfrentar sérias dificuldades (Sachs et al, 2020). Dados de Ferreira (2020a) indicam que desde a aprovação da Agenda 2030, as evidências mostram uma evolução positiva em termos gerais dos ODS 1, 3, 5, 7, 8, 11 e 14. Porém o hiato entre as intenções proclamadas e a ação concreta é cada vez maior e se se mantiverem as tendências atuais, nenhum país conseguirá cumprir todos os ODS até 2030. Neste contexto, as Nações Unidas decretaram 2020 como o ano de início da Década de Ação para o cumprimento dos objetivos globais, aos níveis da ação global, da ação local e da ação das pessoas havendo assim ação sinérgica nas diferentes esferas.

Tendo em conta que Portugal definiu como prioritários os ODS 4, 5, 9, 10, 13 e 14 na implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável é, no entanto, de mencionar, que não foi apresentada fundamentação para a escolha destes ODS como prioritários, nem houve qualquer intervenção da Assembleia da República na seleção e validação destas prioridades (Ferreira, 2020a).

A necessidade de atualização da ENED 2010-2015 surge como resultado dessa possibilidade pela aprovação da Agenda 2030. Esta atualização pode ser vista como forma de não interrupção de um instrumento de ação apesar da mudança política. Na verdade, uma das principais ameaças ao sucesso de implementação das estratégias nacionais prende-se com a existência de ciclos eleitorais e respetivas políticas de cada governo. Os ciclos eleitorais resultam em quebra de ação e em certa medida, violam até os princípios das próprias estratégias. Como refere Ferreira (2020b) “os ODS não são metas em si, mas servem-nos de ponto de referência e roteiro, proporcionando uma visão a longo prazo que transcende os períodos eleitorais e as considerações efémeras”. Interessante comparar esta ideia de meta com a de Feil e Schrebeir (2017) que entendem sustentabilidade como uma meta pois é um objetivo final a atingir.

3.1 Sustentabilidade e Cidadania: ameaças e oportunidades

O conceito de Desenvolvimento Sustentável é a base para toda a Agenda 2030 e “os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) constituem um reconhecido esforço em trazer o desenvolvimento sustentável às agendas políticas mundiais, procurando dar resposta a diversos problemas cuja resolução é há muito desejada” (Resende, 2018, p. 51). Mas apesar de toda esta relevância, Ferreira (2020b) lembra que “no geral, pode afirmar-se que há uma ausência generalizada da Agenda 2030 no discurso político interno, estando o tema presente primordialmente nos assuntos de política externa, de participação em fóruns internacionais e/ou de posicionamento de Portugal face a determinadas matérias” (Ferreira, 2020b, p.76). A atual Comissão Europeia (2019-2024) coloca a Agenda 2030 no centro da elaboração das políticas europeias, em ambos os planos interno e externo. Porém, isto requer ações concretas, ao nível estratégico e ao nível institucional, de mecanismos e instrumentos, que a União Europeia desde 2015 não se mostrou capaz de implementar (Ferreira, 2020b). Não obstante, e como salienta Ferreira (2020a), a Agenda 2030 representa face à Declaração do Milénio e aos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio – ODM que vigoraram entre 2000 e 2015, uma grande evolução em termos de ambição, abrangência, integração, participação, respeito, responsabilidade e complexidade indo aproveitar as aprendizagens feitas com a Agenda do Milénio. Tanto a ENEA como a ENED têm também por base estes princípios da Agenda 2030 verificando-se essas evidências: a) nas ligações e articulações entre diferentes ministérios e compromissos entre os diferentes ministros; b) nas auscultações e debates participados; ou também c) no comprometimento na concretização do trabalho temático e transversal nacionais e internacionais, assumidos por Portugal. Entre estes, destacam-se o Acordo de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas.

O facto de ambas as Estratégias Nacionais (ENEA e ENED) se encontrarem em articulação com o Ministério da Educação pode trazer alguma visibilidade e melhor pensamento integrado para as temáticas de Ambiente; apesar de ser uma matéria presente em todos os programas de áreas curriculares/disciplinas dos ensinos básico e secundário (no período de escolaridade obrigatória de 12 anos) nem sempre a sua inclusão é definida de uma forma explícita e integrada com os aspetos sociais/políticos e económicos envolvidos nesta temática como é referido no Referencial de Educação Ambiental para a Sustentabilidade (2018, p.12).

A atual Comissão Europeia (2019-2024) assumiu a sustentabilidade como uma prioridade política. A ENEA 2020 responde a este desafio tentando “Estabelecer um compromisso colaborativo, estratégico e de coesão na construção da literacia ambiental em Portugal que (…) conduza a uma mudança de paradigma civilizacional, traduzido em modelos de conduta sustentáveis em todas as dimensões da atividade humana” e a ENED 2018-2022 tendo por base a promoção de pensamento crítico e eticamente comprometido; a promoção constante da desconstrução de estereótipos e da defesa da não discriminação; a promoção de processos de aprendizagem participativos, colaborativos e horizontais; e a promoção de aprendizagens que interliguem, de forma complexa e não linear, diferentes saberes e níveis de análise reforça necessariamente o reconhecimento que o tema sustentabilidade deve ter.

É nosso entender que tanto a ENEA como a ENED podem contribuir para a tão desejada alteração do comportamento cívico.

O estudo desenvolvido por Ferreira (2020b) aponta alguns aspetos menos favoráveis no alcance de um desenvolvimento sustentável para Portugal; segundo a autora:

    • A dinâmica encetada em 2016-2017, que faria adivinhar um possível aprofundamento da integração dos ODS em termos estratégicos, institucionais e de monitorização, acabou por não ter continuidade nos últimos anos verificando-se ao nível estratégico, que Portugal é o único país europeu que não possui um enquadramento estratégico específico para o desenvolvimento sustentável ou para a Agenda 2030.
    • O mapeamento das políticas nacionais que concorrem para a implementação da Agenda 2030 ainda não foi redefinido e realinhado; com a crescente incorporação da Agenda 2030 nos quadros e linhas de financiamento internacionais em que Portugal tem interesse esse aspeto deve ser revisto e os principais documentos de planeamento nacional, deverão ser estruturados em função dos ODS.
    • O estudo refere ainda que também não existem ligações concretas entre o modelo institucional geral que foi criado e a dimensão local, sendo o modelo institucional geral muitas vezes desconhecido à escala regional e local. Ferreira (2020b) salienta que, no geral, há um aumento do conhecimento sobre a Agenda 2030 e um esforço para comunicar que os municípios também contribuem para os ODS, mas uma dificuldade em saber como implementar essa localização de forma mais efetiva e estruturada. Em alguns casos, diz a autora, talvez a Agenda 2030 possa ser encarada, como mais um processo de monitorização a acrescentar a outros já existentes, ou um trabalho adicional para os técnicos das autarquias apesar, claro, de todos os aspetos positivos que a implementação dos ODS a nível local poderá trazer.

Com o período que atravessamos de decréscimo de ritmo a vários níveis devido à Covid 19, há necessariamente um acréscimo nos atrasos de articulações e implementações necessárias conducentes a melhores indicadores de DS. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) são quatro os ODS chave para recuperação sustentável no pós-COVID (PNUMA, 2020) nomeadamente ODS 13 “Ação Contra a Mudança Global do Clima”; ODS 15 “Vida Terrestre”; ODS 14 “Vida na Água”; e ODS 12 “Consumo e Produção Responsáveis”. Com efeito, a pandemia do coronavírus veio prejudicar os avanços na luta contra a pobreza e a fome e a busca pela saúde e pelo bem-estar sendo de extrema importância agir face às ameaças ambientais que comprometem os sistemas – e que permitem que a humanidade e o planeta sobrevivam e prosperem. Para que esta recuperação possa ocorrer, assim como o desenvolvimento sustentável duradouro, é necessário que as respostas, os planos e as políticas ambientais recebam a devida importância (PNUMA, 2020).

Esta dificuldade em articular o que é institucionalizado a nível geral e o que é implementado nos diferentes territórios/organizações/comunidades, não é apenas para esta Agenda e tem acontecido ao longo dos tempos e para diferentes políticas/modelos institucionais em Portugal e, eventualmente, esta dificuldade é também sentida e vivida na implementação da ENEA e da ENED onde a sociedade civil, e a escola em particular, têm um papel fundamental na concretização dos ODS. E se a Agenda 2030 é uma “Agenda das pessoas, pelas pessoas e para as pessoas” então ela deve ser facilmente implementável e sempre à luz da abordagem transdisciplinar (Mikhailova, 2004). Mesmo assim, segundo Ferreira (2020a), a Europa é o continente onde as autoridades locais e as suas associações regionais/nacionais e redes mais têm avançado na integração dos ODS a nível local, embora com grandes disparidades. Esta autora salienta o papel central dos municípios neste processo afirmando que: “com um conhecimento profundo do contexto e comunidades locais, (…) os governos locais estão numa posição ideal para traduzir uma agenda ampla e abstrata numa agenda concreta e eficiente, tornando-a realidade para os cidadãos” (Ferreira, 2020a, p2). Este aspeto, é justificado por Carreira (2018) do seguinte modo: “dada a maior proximidade aos cidadãos e seus problemas, este nível é mais permeável à inovação política que o nacional” (Carreira, 2018, p. 123). Carreira (2018) argumenta ainda, que o nível municipal é, por excelência, o domínio privilegiado para o desenvolvimento dos laboratórios de democracia, através dos quais se contribui para dotar os cidadãos do conhecimento essencial para participarem de forma significativa no governo dos territórios que habitam e na elaboração de políticas sustentáveis, dos quais podem tornar-se co-decisores e co-corresponsáveis. Surgidos em 1932 nos EUA (Adrià, 2010), os laboratórios de democracia são instrumentos que facilitam a aprendizagem institucional, propiciando soluções inovadoras e fomentando a transparência e a responsabilidade dos diversos atores sendo por isso “uma fonte de processamento da informação e conhecimento que capacite o maior número de cidadãos para participarem e se envolverem direta e ativamente nos processos de tomada de decisão” (Carreira, 2018 p.124).

3.2 Ameaças ao pensamento crítico

Num mundo onde os fenómenos complexos são dominantes, como são as alterações climáticas, a perda de biodiversidade, o desenvolvimento sustentável – como modelo social, económico, ambiental, cultural – onde o volume de informação, as mudanças e a incerteza imperam, as pessoas desenvolvem modos simples de raciocinar. O encontro de formas simples de responder a estas grandes questões pode constituir armadilhas de raciocínio e de enviesamento de informação rececionada, alterando a conceção e interpretação de factos e informação, podendo constituir uma ameaça ao pensamento crítico e consequente empoderamento dos cidadãos.

Trata-se de uma “economia cognitiva” afirmam Tonetto et al (2006, p.186) que pode encaminhar raciocínios para erros de enviesamento da realidade suportada em modos simples de raciocinar e tomadas de decisão mais rápidas. É consequência de armadilhas de raciocínio que podem constituir um entrave à implementação nas políticas públicas e nas vidas das pessoas, bem como na aplicabilidade dos conceitos de sustentabilidade e cidadania nas suas vidas. Quando sujeitos a julgamento sob incerteza, as pessoas “tendem a ajustar a sua resposta com base em algum valor inicial disponível, que servirá como âncora” (Tonetto et al, 2006, p. 182). Por outro lado, “comparadas com informações não familiares, as informações familiares são mais facilmente acessadas pela memória de longo prazo e parecem mais realistas ou relevantes”, (Kahneman & Smith, 2002 cit in Tonetto et al 2006, p. 185). Se se juntar à memória de longo prazo outra função cognitiva que é a imaginação, Tonetto et al, (2006, p. 185) dizem que esta também “auxilia na avaliação da realidade (…) podendo também interferir, muitas vezes, negativamente”.

Tonetto et al (2006, p.186) analisam ainda a abordagem da representatividade que é muito útil em termos de “economia cognitiva”, mas que “pode conduzir a sérios erros, na medida em que similaridade, ou representatividade, não levam em conta vários fatores que devem ser apreciados no julgamento de probabilidades”. Ou seja, há vários mecanismos cognitivos adaptativos que reduzem o tempo e os esforços nos julgamentos, mas que podem levar a erros e vieses do pensamento. Para Tonetto et al (2006) “a supressão da lógica favorece o estabelecimento de um círculo vicioso, já que, muitas vezes, os resultados dos julgamentos realizados por regras heurísticas são satisfatórios para o sujeito, o que torna a utilização de atalhos mentais frequentes e, portanto, os erros e vieses uma constante” Tonetto et al (2006, p. 187).

Também Arriaga (2015, p. 35), descreve que a forma como comummente distorcemos o pensamento é baseada nas fortes convicções que detemos. Este autor explica o processo dizendo que “de acordo com os psicólogos cognitivos, nós somos muito bons a filtrar a informação em função de quão bem ela se encaixa na nossa visão do mundo”. O processo é conhecido como “enviesamento de confirmação”. Esta tendência de “acolher bem a informação que valide os nossos preconceitos” leva-nos a “descredibilizar qualquer informação que ponha em causa a nossa maneira de pensar” (Arriaga, 2015, p. 35).

Nesta perspetiva, uma reflexão sobre possíveis causas do insucesso da implementação e interiorização das estratégias nacionais leva-nos a considerar que a apresentação de conceitos chave “fechados” – definições – presentes nestas políticas, pode ser uma das causas do seu insucesso. Como alternativa consideramos que os conceitos devem ser construídos colaborativamente, previamente à elaboração das estratégias e políticas e incorporados nas mesmas, permitindo uma representação das opiniões dos participantes que lhes diz respeito e com as quais se identificam. Paul Krugman, citado por Arriaga (2015, p. 36), reforça esta ideia, dizendo acerca do debate orçamental nos Estados Unidos que “este estava «dominado» por coisas que toda a gente sabe e que, por acaso, nem sequer são verdade”.

Como poderíamos então elaborar coletivamente a ligação biunívoca entre sustentabilidade e cidadania de uma forma que fosse possível a sua aculturação biológica na matriz psicológica das pessoas?

Tanto a Agenda 2030 como as próprias ENEA e ENED procuram no fundo responder a esta preocupação, na medida em que vão muito para além da busca de resultados sobre os ODS, e incluem explicitamente princípios de inclusão, regulação, diálogo entre as diferentes esferas e soluções colaborativas.

Ferreira (2020b) aponta um conjunto de 9 recomendações para o envolvimento multi-atores na Agenda 2030 que são interessantes considerar também para as estratégias nacionais: 1) planear o envolvimento; 2) incluir os atores não-estatais nos mecanismos institucionais; 3) a sensibilização deve ser um processo sistemático e em parceria; 4) a monitorização e reporte é um processo contínuo; 5) apoiar o empoderamento dos cidadãos e da sociedade civil; 6) envolver grupos diversos e ter em conta a representatividade; 7) não deixar ninguém para trás; 8) reconhecer o conhecimento e experiência existentes; e 9) incluir os atores não-estatais no reporte nacional. Estes são aspetos todos eles respondidos na ENED porque são já em si mesmos princípios da própria Educação para o Desenvolvimento (ED) e da metodologia de trabalho em ED. Talvez por isso no relatório de agosto de 2020 Ferreira (2020b) faz uma referência à ED e a como várias das suas medidas estão alinhadas com a Agenda 2030. A autora refere também que todo o processo relacionado com a definição da ENED, da sua estrutura de implementação e seguimento, que contam com a participação integrada de diferentes atores, é “um exemplo de boa prática, a nível nacional e internacional, que poderá ser replicado no planeamento, implementação e monitorização de outras estratégias e planos, ancorados num processo transparente, participado e construtivo” (Ferreira 2020b, p.90).

Reflexão final

Não restam dúvidas de que a transformação à escala global exige ações à escala local. Integrar a Agenda 2030 nos processos de decisão e ação local pode ser um processo tão desafiante quanto difícil. Porém, sabemos que é pela via do debate e da comunicação que é produzido e disseminado o conhecimento, e se clarificam problemas e interesses em conflito (Carreira, 2018). Ao contrário das estratégias que são desenhadas para as agendas políticas, com início e fim, os seus princípios orientadores exigem um comprometimento de cidadania que não termina com o documento em si, mas antes deve ser um processo contínuo ao longo da vida, nos contextos social, político, económico, ambiental, cultural e em todos os domínios da vida e que, ao mesmo tempo, também não se restringe a um determinado território, indo muito além deste.

Tanto a ENEA como a ENED são importantes contributos de enquadramento para a ação da sociedade civil na valorização da Agenda 2030 já que i) reforçam a importância do desenvolvimento sustentável; ii) promovem uma base para o diálogo porque aportam um “chão comum” em termos de linguagem; iii) exercem (sobretudo a ENED) influência política na defesa de políticas mais justas e inclusivas; e iv) promovem a cidadania ativa em prol de um melhor ambiente.

Disseminar as ENEA e ENED e promover a sua implementação nos diferentes municípios, escolas, organizações da sociedade civil, associações e cidadãos/as em geral, pode ser um processo desafiante, mas que, a médio prazo, favorecerá o surgimento de abordagens estratégicas colaborativas, inclusivas e sustentáveis. E embora não exista uma solução aplicável a todos os casos, tal como defende Ferreira (2020a) a concretização dos ODS a nível local pode seguir um roteiro geral com passos ou fases definidas, que passam por sensibilizar, adaptar, implementar e monitorizar, mas sempre respeitando as especificidades de cada contexto, local e comunidade.

A reflexão desenvolvida leva-nos a considerar que a construção colaborativa do conhecimento é o caminho para a criação de uma sociedade mais justa, mais generosa, inclusiva, baseada na sustentabilidade e na cidadania ativa construída com base na reflexão crítica baseada no conhecimento precursor de sabedoria. Desta forma, conseguir-se-á alcançar novas relações nas organizações, criar mais conhecimento e compreensão dos problemas e fazer com que cada um(a) de nós (cidadã(o)s, organizações e decisores políticos) se aproprie do tema e transforme uma palavra “vã” como sustentabilidade numa palavra cheia de significado que se revela em cada ação.

Muito caminho há ainda por percorrer para melhorar a coordenação e coerência entre as políticas e programas, tanto a nível europeu como nacional, mas não há dúvidas de que existe hoje um enquadramento político capaz de potenciar o trabalho, esforço, saberes e ações de todo(a)s o(a)s atore(a)s na promoção de um mundo mais sustentável e de uma melhor sociedade.


[1] Instituto Politécnico de Beja (albertina@ipbeja.pt).

[2] Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa (isabel.abreu.santos@ulusofona.pt).

[3] Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (ltv@fct.unl.pt).

[4] MARE Nova. Centro de Ciências do Mar e do Ambiente.

[5] https://ec.europa.eu/info/strategy/international-strategies/sustainable-development-goals/eu-approach-sustainable-development_pt.

[6] ened-portugal.pt.

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