Sinergias Nº14

Julho, 2022

(Re)leer los desafíos sociales a la luz del pensamiento freiriano – pasado, presente y futuro(s) II

Neste número da revista Sinergias, continua vivo o nosso propósito de celebrar Paulo Freire, ainda hoje a inspirar educadores e educadoras de todo o mundo, com um compromisso com a Educação para o Desenvolvimento, a Educação para a Cidadania Global e/ou a Educação para a Transformação Social [1].

Para Paulo Freire, a escola é uma instância privilegiada da sociedade, é um espaço de ensino, de aprendizagem e é um lugar onde, através da educação, se promove a libertação, a capacidade de reflexão e a atitude crítica. O pensamento freiriano remete-nos para as problemáticas do mundo de hoje e para a necessidade de transformação social: “se o meu compromisso é realmente com o homem concreto, com a causa de sua humanização, de sua libertação, não posso por isso mesmo prescindir da ciência, nem da tecnologia, com as quais me vou instrumentando para melhor lutar por esta causa” (2007, p. 22).

O Caderno Temático deste número abre com o ensaio Strategic Freire at the Educational Edge: Towards a New Organizing Principle for Youth Education in the (Post-)COVID-19 Era, de Elisabeth Robinson Curt Rhodes, que descreve um programa de educação não-formal (ENF), certificada, do nível 10º ano, fruto de uma parceria colaborativa entre uma organização não governamental – Questscope – e o Ministério da Educação da Jordânia. Os alunos são jovens de baixo rendimento académico, com três anos de atraso, e excluídos da educação formal, sobretudo durante e pós pandemia Covid-19. A Questscope, em 2002, desenvolveu um percurso alternativo de aprendizagem participativa, inspirado na proposta de Paulo Freire, centrado na auto-aprendizagem, na colaboração entre mentores e alunos, no diálogo e na aprendizagem por descoberta, mas conduzido pela curiosidade e pela experiência dos alunos. Ouça aqui a apresentação mais detalhada.

Segue-se o ensaio coletivo Paulo Freire e Catherine Walsh: Afinidades Teórico-Práticas nas Pedagogias De(S)Coloniais, de Aline Corrêa, Camila Loureiro, Marcelly Cruz e Cheron Moretti, cujo objetivo é investigar as afinidades e as convergências entre Paulo Freire e Catherine Walsh, a partir dos temas de libertação e praxis. São analisadas três obras de Paulo Freire que versam sobre as referidas temáticas – Pedagogia do Oprimido (1968); Cartas à Guiné-Bissau (1975); Extensão ou comunicação? (1968) – juntamente com três obras de Catherine Walsh – Pedagogías decoloniales, Tomo I (2013); Pedagogías decoloniales, Tomo II (2017); On Decoloniality: concepts, analytics, praxis (2018). Paulo Freire questionou e denunciou a invasão cultural e colonizadora de origem “europeia” e as respetivas estruturas de opressão nos países da América Latina, enquanto Catherine Walsh define o conceito de pedagogias de(s)coloniais, baseando-se em autores que têm apostado na perspetiva de(s)colonial para problematizar as dimensões da educação libertadora da desumanização e de preconceitos de raça. Em ambos os autores, cada um vinculado com o seu tempo e com as suas visões sociais de mundo, identifica-se um compromisso ético e político com as mudanças essenciais que objetivam a transformação e a superação das distorções ontológicas de “ser menos”. Ouça aqui a apresentação mais detalhada.

No artigo Aportes Freirianos à Educação em Agroecologia: admirar uma experiência no Brasil, de Ana Dubeux Gervais e José Nunes da Silva, descrevem-se as origens do processo de desenvolvimento, criação, estruturação pedagógica e curricular do Bacharelado em Agroecologia, Campesinato e Educação Popular (BACEP), iniciado em 2019, na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), inspirada na Pedagogia Freiriana, e concretizada na Pedagogia da Alternância através do diálogo da Universidade com a praxis educativa dos povos do campo e dos saberes populares. A proposta curricular e pedagógica do BACEP inscreve-se, segundo Freire, na vocação ontológica dos homens e mulheres de “serem mais” e através da tríade processual ação-reflexão-ação, ou ver-julgar e agir, e da sistematização, reconstrução e análise das experiências de camponesas/es e suas famílias. Os indivíduos podem assim agir, emanciparem-se e causar ruturas e transformações, mediante uma luta libertadora. Ouça aqui a apresentação mais detalhada.

O artigo Paulo Freire: A reinvenção do diálogo na Escola Família Agrícola de Vale do Sol da autoria de Marion Bianchini, Aline Corrêa e Roberto Pohman, descreve três casos de alunos participantes numa pesquisa exploratória, na Escola Família Agrícola do Vale do Sol (EFA-SOL), localizada no Vale do Rio Pardo, no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. O objetivo é compreender os desafios do diálogo freiriano, entre alunos e docentes, compreender as suas praxis, vividas pelos mesmos em contexto familiar rural, em tempos de pandemia da COVID-19, na EFA-SOL, valorizando os saberes populares. A Escola Família Agrícola, através da Pedagogia da Alternância, visando garantir o direito à educação dos sujeitos do campo por forma a que atuem como agentes de mudança e transformação, coaduna o curso de Ensino Médio à formação Técnica, permeado por uma visão de ecologia integral humana, social e comunitária. Os relatos de três alunos mostram as relações que se estabelecem entre a manutenção da vida na agricultura, a natureza e a produção do conhecimento. Ouça aqui a apresentação mais detalhada.

No artigo de António José Monge, Paulo Freire y la pedagogía refugiada. Construcción de una educación liberadora en el Sahara Occidental, descreve-se o modelo do sistema educativo saharaui, construído nos acampamentos de refugiados instalados em Tindouf (Argélia) desde 1976, ano da proclamação da República Árabe Saharaui Democrática (RASD). À luz da Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, analisa-se o trabalho da Frente Polisário na organização do sistema educativo nacional, da proposta pedagógica mobilizadora de dinâmicas identitárias do povo saharaui e das suas contribuições ideológicas. Ouça aqui a apresentação mais detalhada.

No artigo Protagonismo juvenil para a cidadania, Luiza Cunha e Valéria Sousa apresentam uma investigação de natureza qualitativa sobre uma intervenção técnica do Teatro do Oprimido, no interior do estado de Minas Gerais, com 11 jovens, em situação de vulnerabilidade social que se inscreveram voluntariamente para oficinas de teatro, numa instituição filantrópica. Esta intervenção, pautada nos princípios freirianos, contempla dois aspetos: a dimensão estética propriamente dita; e a reflexão do quotidiano. Elaboraram-se 10 intervenções na instituição filantrópica e uma apresentação teatral com a participação ativa da comunidade a partir da técnica do teatro-fórum. Para a recolha dos dados, foram utilizadas as filmagens das intervenções e as anotações em diário de campo e foi também realizado um grupo focal com os jovens no final das intervenções. Ouça aqui a apresentação mais detalhada.

Segue-se a secção Outros Artigos, com a investigação de Julián de Marcos: A Multiculturalidade na Educação é Precisa e Inevitável, cujo objetivo é analisar o contexto educativo multicultural do mundo globalizado e a necessidade de repensar a educação de forma inclusiva. Para que a educação seja inclusiva e potencie a diversidade é necessário entender a cultura como um fenómeno dinâmico e gerar espaços de cooperação entre os diferentes componentes da sociedade.

Na rubrica Práticas, regista-se o trabalho coletivo de Ana Mouta, Cristiana Pinho e Diogo Cruz, intitulado U.DREAM: Educação Não-Formal em Liderança Comunitária Distribuída. A U.DREAM é um projeto de educação não-formal, iniciado em 2012, com o propósito de estimular o desenvolvimento social, a partir da promoção de perfis de liderança comunitária distribuída entre jovens do Ensino Superior (ES). Desde 2020, todo o Programa formativo de 18 meses é alvo de monitorização e avaliação de impacto no quadro do Study on Social and Emotional Skills da OCDE, estudo que integra enquanto Academia Gulbenkian do Conhecimento.

Na secção Debate, podemos encontrar três trabalhos: Os Três Andamentos Na Vida De Paulo Freire – Rizoma de um Legado Meta Teórico Para a Educação Transformadora? de Rosanna Barros onde se argumenta que os contributos sólidos, as interrogações fundamentais e os desafios centrais que o pensamento freiriano coloca de maneira complexa são, em boa medida, fruto dos contextos e realidades que vivenciou, e porque estão epistemologicamente enraizados nos contextos de vida, revelam-se de absoluta pertinência transversal para qualquer educador(a) que abrace ensejos de transformação social. O debate Paulo Freire En Medio de la Tormenta Anunciada por El Zapatismo de Miguel Escobar y Mayra Silva propõe-se entender o compromisso revolucionário freiriano através do zapatismo. Neste debate é apresentada uma proposta freiriana zapatista que nasceu com o ¡Ya basta!, de 1 de janeiro de 1994. E, por fim, o poema Some, Times, de Daniela Hernández Silva e Miguel Filipe Silva que resultou num pertinente trabalho académico, feito de palavras ouvidas, pelos estudantes do European Interdisciplinary Master African Studies da Faculdade das Artes da Universidade do Porto, Amanda Ainengonzi, Gerald Tagoe e Laura Krehbiel, apresentando-se como meio de expressão das diferenças de contextos e como um grito de esperança num mundo melhor: “Inequality, criminality is never a probability /And Opportunity is for all humanity”.

Segue-se a rubrica Recensão Crítica. A primeira é de Rui da Silva e La Salete Coelho onde apreciam o livro Global Learning and International Development in the Age of Neoliberalism de Stephen McCloskey (2022, Routledge) considerando-o como uma obra de leitura obrigatória para ativistas e estudantes interessados na área da cooperação para o desenvolvimento e da ED/ECG uma vez que proporciona uma reflexão abrangente sobre o campo e permite questionar a NGOization do setor em análise. Segue-se a recensão de Tania Ramalho onde se examina a obra Education for Social Change: Perspectives on Global Learning – Educação Para a Mudança Social: Perspectivas Sobre a Aprendizagem Global (2022, Bloomsbury Academic) de Douglas Bourn, professor/mentor e pesquisador associado ao DERC – Development Education Research Center (Centro de Pesquisa de Educação Para o Desenvolvimento) do Instituto de Educação da Universidade Central de Londres. A obra visa servir professores e alunos da comunidade académica, mas é igualmente de interesse para o público, em virtude da grande variedade de assuntos relevantes para a relação educação e sociedade. Por fim, a recensão de Hui Li, El análisis crítico del discurso y la pedagogía crítica: explorando sus relaciones y sus aplicaciones didácticas, relevando o trabalho realizado por María Martínez Lirola, que é de grande utilidade para os professores dos diferentes níveis de ensino e para pessoas interessadas em aprofundar questões sociais.

Na secção Publicações Recentes, damos a conhecer quatro publicações de diferentes áreas temáticas e formatos: uma partilha de experiências, um caderno digital, um recurso educativo online, um livro e um e-book. Estas publicações foram elaboradas por Organizações da Sociedade Civil e Instituições de Ensino Superior. Ao encerrar este número 14 da Revista Sinergias, contamos com a habitual secção Resumo de Teses onde se divulga uma dissertação de Mestrado na área da ED/ECG.

Este número da revista, que caminha lado a lado com Paulo Freire, não se encerra num ato de consumir/divulgar conhecimento, mas sim de (re)criá-lo com vista à transformação.

Freire, P. (2007). Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Editora Paz e Terra.

[1] Este editorial contou com a colaboração de Maria Helena Salema, membro do Conselho Científico da Revista Sinergias, que exerceu funções como professora e investigadora no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.

  • Elizabeth Robinson & Curt Rhodes - Strategic Freire at the Educational Edge: Towards a New Organizing Principle for Youth Education in the (Post-) COVID-19 Era

  • Aline Mesquita Corrêa, Camila Wolpato Loureiro, Marcelly Machado Cruz & Cheron Zanini Moretti - Paulo Freire e Catherine Walsh: Afinidades Teórico-práticas nas Pedagogias De(s)coloniais

  • Ana Dubeux Gervais & José Nunes da Silva - Aportes Freirianos à Educação em Agroecologia: Ad-mirar uma Experiência no Brasil

  • Marlon Bianchini, Aline Corrêa & Roberto Pohlmann - Paulo Freire: A Reinvenção do Diálogo na Escola Família Agrícola de Vale do Sol

  • José Antonio Monje - Paulo Freire y la Pedagogía Refugiada. Construcción de una Educación Liberadora en el Sahara Occidental

  • Luiza Cunha & Valéria Sousa - Protagonismo Juvenil para a Cidadania

  • Julián de Marcos - A Multiculturalidade na Educação é Precisa e Inevitável

  • Ana Mouta, Cristiana Pinho & Diogo Cruz - U. Dream: Educação Não-Formal em Liderança Comunitária Distribuída

  • Rosanna Barros - Os Três Andamentos na Vida de Paulo Freire - Rizoma de um Legado Meta-Teórico Para a Educação Transformadora?

  • Miguel Escobar y Mayra Silva - Paulo Freire en Medio de la Tormenta Anunciada por el Zapatismo

  • Daniela Hernández Silva & Miguel Filipe Silva - Some,Times

  • Rui da Silva & La Salete Coelho - Global Learning and International Development in the Age of Neoliberalism

  • Tania Ramalho - Education for Social Change: Perspectives on Global Learning

  • Hui Li - El análisis crítico del discurso y la pedagogía crítica: explorando sus relaciones y sus aplicaciones didácticas

  • Sociedade Civil Mobilizada pelo Direito ao Lugar: um processo de influência política em 5 etapas

  • Educar para a Cidadania Global: Contributos para a área curricular de Cidadania e Desenvolvimento

  • Cadernos d’Inducar #1

  • Interseções: Igualdade entre Mulheres e Homens e a Educação para o Desenvolvimento

  • Abordagem da Diversidade na Educação Pré-Escolar como Estratégia de Inclusão. Andreia Sofia da Silva Faria, Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo

Nome da Revista

“Sinergias – diálogos educativos para a transformação social”.

Propriedade

Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP) e Fundação Gonçalo da Silveira (FGS), no âmbito do projeto Sinergias ED: alargar e aprofundar as relações e aprendizagens colaborativas entre ação e investigação em Educação para o Desenvolvimento, cofinanciado pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, apoiado pela Reitoria da Universidade do Porto e pelo Global Education Network Europe (GENE).

Periodicidade

Semestral.

Grafismo e Paginação

Megaklique e Cláudia Pereira.

Edição

Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP) e Fundação Gonçalo da Silveira (FGS).

Conselho Científico

Alejandra Boni (INGENIO-CSIC, U. Politécnica de Valencia.ES), Alexandre Furtado (Fundação para a Educação e Desenvolvimento.GB), Ana Isabel Madeira (Instituto de Educação da U. Lisboa.PT), Antónia Barreto (Escola Superior de Educação e Ciências Sociais-Instituto Politécnico de Leiria.PT), Cristina Pires Ferreira (U. de Cabo Verde.CV), Dalila P. Coelho (Centro de Investigação e Intervenção Educativas da U. do Porto.PT), Douglas Bourn (Institute of Education-U. of London.UK), Elizabeth Challinor (Centro em Rede de Invest. em Antropologia-U. do Minho.PT), Filipe Martins (Centro Estudos de Desenv. Humano da U. Católica Portuguesa; Rede Inducar), Júlio Santos (Centro de Estudos Africanos da U. Porto.PT), Karen Pashby (U. of Manchester.UK), Liam Wegimont (Global Education Network Europe), Luísa Teotónio Pereira, Manuela Mesa (Centro de Educación e Investigación para la Paz.ES), Maria Helena Salema (Instituto de Educação-U. de Lisboa.PT), Maria José Casa-Nova (Instituto de Educação -U. do Minho.PT), María Luz Ortega (U. Loyola Andalucía.ES), Matt Baillie Smith (Northumbria U.UK), Teresa Toldy (U. Fernando Pessoa.PT) e Vanessa de Oliveira Andreotti (U. of British Columbia.CAN).

Conselho Editorial

Joana Costa, Jorge Cardoso, La Salete Coelho, Marta Uva, Miguel Filipe Silva, Sandra Fernandes e Teresa Martins.

Avaliadores/as do presente número

Albertina Raposo (Instituto Politécnico de Beja), Filipe Martins (Centro Estudos de Desenv. Humano da U. Católica Portuguesa; Rede Inducar), Hugo Monteiro (Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto), João Mesquita (Coatl – Consultoria para o Desenvolvimento), José Nunes (U. Federal Rural de Pernambuco), Lúcia Fernandes (Centro de Estudos Sociais da U. de Coimbra), Luísa Teotónio Pereira, Maria Coelho Rosa (Between – partnerships 4 development), Maria Helena Salema (Instituto de Educação da U. de Lisboa), Miguel Filipe Silva (Centro de Estudos Africanos da U. do Porto e Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – U. Nova de Lisboa), Mónica Lourenço (Centro de Investigação Didática e Tecnologia na Formação de Formadores da U. de Aveiro), Oscar Jara (Centro de Estudios y Publicaciones Alforja), Pedro de Carvalho Pontual (CEAAL Conselho de Educação Popular da América Latina), Tania Ramalho (State U. of New York – School of Education, Curriculum & Instruction Department), Teresa Martins (U. do Porto) e Xénia Carvalho (ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa).

Traduções, revisão gráfica e de textos

Carla Delgado, Joana Costa, Joana Padrão, Jorge Cardoso, La Salete Coelho, Marta Uva, Miguel Filipe Silva, Sandra Fernandes, Sílvia Franco e Teresa Martins.

ISSN

ISSN 2183-4687

Revista com arbitragem científica: os artigos são da responsabilidade dos seus Autores e das suas Autoras.

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