Podemos afirmar que o Número 9 da Revista Sinergias – Diálogos Educativos para a Transformação Social que “tem em mãos” é um número com o seu quê de excecional. De facto – pela primeira vez em nove edições – o presente número emerge de um conjunto de sugestões partilhadas em modo brainstorming pelos elementos do Grupo do Conhecimento daquilo a que vamos chamando de Comunidade Sinergias ED, uma comunidade de pessoas ligadas a Instituições de Ensino Superior e a Organizações da Sociedade Civil que refletem e trabalham em conjunto tendo por centro a ideia de Educação para a Transformação Social, cuja génese e desenvolvimento tem sido feita a partir do projeto Sinergias ED. Face à conjuntura do momento e dos assuntos que estavam, então, na ordem do dia (nomeadamente, a antevisão das Eleições Europeias 2019, o fenómeno ineludível da desinformação, a premência de todos nós, em exercício da sua cidadania, acionarmos mecanismos protetores dos sistemas democráticos em que vivemos, entre outros), chegou-se naturalmente ao tema agregador que viria a nortear o presente número da Revista Sinergias: Saberes e Práticas de Cidadania para a Democracia. Este número foi ganhando corpo e personalidade, a partir da identificação de autores/as e atores fundamentais nesta área e do convite para que dessem o seu contributo especializado para melhor refletirmos sobre estes assuntos que continuam (e continuarão) a estar na ordem do dia.
O que pode, então, esperar deste Número 9 da Revista Sinergias? Um conjunto de artigos, práticas, debates, entrevistas, publicações recentes, entre outros, dedicados a conhecimentos, práticas e aprendizagens essenciais para o exercício da Democracia e da Cidadania. Tal engloba aspetos como os conhecimentos e as práticas de participação cidadã que são essenciais em democracia, com a tónica nos processos educativos; os cuidados a ter no acesso e na apropriação da informação que circula livremente pela esfera pública; a premência de se pensar criticamente sobre tal informação, bem como de tomar decisões informadas e de agir reflexivamente; a importância das construções colaborativas para operar a transformação social.
Na secção dos Artigos, o presente número estreia-se com o texto Sinalizando rumo a futuros descoloniais: Observações pedagógicas e de pesquisa de campo, da autoria de um coletivo que inclui Vanessa Andreotti, Sharon Stein, Dino Siwek, Camilla Cardoso, Tereza Caikova, Ubiracy Pataxó, Benicio Pitaguary, Rosa Pitaguary, Ninawa Huni Kui e Elwood Jimmy. Neste artigo, os autores e autoras procedem a uma autoanálise das aprendizagens resultantes do trabalho colaborativo por si realizado no sentido da descolonização em diversos contextos educativos. Para tal, apresentam uma abordagem pedagógica que pondera interpretações e dimensões múltiplas de descolonização, com o fito de fomentar a antevisão de oportunidades alternativas de coexistência.
Segue-se o artigo de Luis Sanabria Zaniboni, La era del algoritmo: La desinformación como herramienta política, que se dedica à análise do fenómeno da desinformação no quadro mais amplo de pós-verdade. Tal fenómeno não é, afinal, recente, mas antes duradouro na sua presença na nossa História enquanto Humanidade. Neste texto, o autor aborda, para além da desinformação e da pós-verdade, temas como a propaganda política, a informatização das comunicações, Big Data, e os recursos e processos políticos que deverão ser fortalecidos de modo a assegurar a cidadania em sociedades democráticas.
Após este enquadramento mais abrangente de desinformação na era da pós-verdade, o artigo de Amanda Franco, Ana Sofia Sousa e Rui Marques Vieira, How to become an informed citizen in the (dis)information society? Recommendations and strategies to mobilize one’s critical thinking, partilha uma diversidade de recomendações e de estratégias que devem ser utilizadas pelos indivíduos-cidadãos, de modo a questionarem a informação em massa na qual se veem envoltos e a prevenirem situações de sequestro por parte da desinformação, a qual pode potenciar decisões de vida irrefletidas e nocivas – para si e para outros. Aqui, o pensamento crítico é essencial para se exercer uma cidadania informada na res publica.
A secção das Práticas inicia-se com o Programa de formación en democracia y ciudadanía para la garantía de los derechos humanos, de Ángel Martín Peccis. Neste texto, o autor descreve processos e experiências decorrentes do Programa Regional de Educação em Democracia e Cidadania para a Garantia dos Direitos Humanos, um programa de formação e capacitação promovido pela Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura, que serve de apoio aos governos nacionais que pretendam, através de projetos regionais e da constituição-consolidação de alianças entre diversos atores sociais (e.g., instituições educativas, entidades, governamentais, empresas privadas, etc.), construir redes comunitárias democráticas de paz, participação e transparência.
De seguida, Reclaim Europe!: Um projeto pela participação da sociedade civil numa Europa construída em conjunto, é apresentado por Christine Auer. Neste texto, dá-se a conhecer o projeto Reclaim Europe!, iniciado em 2018 pela Fundação Friedrich Ebert em Portugal, e desenvolvido em conjunto com parceiros da sociedade civil, com o objetivo de fomentar o debate – entre todas e todos os que quiserem estar envolvidos, não apenas as “elites” – em torno da miríade de formatos possíveis de participação na construção da Europa. Com efeito, este projeto apela à necessidade de se realizarem movimentos de reivindicação de uma Europa que é democrática, que é espaço de encontro, debate e aprendizagem, que é de todos e todas.
Para fechar, Niels Dekker partilha Technology and interactive methodologies in citizenship education at ProDemos, um texto alusivo ao trabalho realizado pela ProDemos. Esta organização não-governamental na Holanda oferece um programa educativo ancorado em metodologias interativas para desenvolver o conhecimento da população sobre os sistemas que governam a Democracia e o Estado de Direito, e para demonstrar o papel que os cidadãos e cidadãs devem desempenhar para exercer influência política a nível regional, nacional e Europeu. Para além de promover atividades para estudantes, a ProDemos apoia também docentes em termos de formação, materiais educativos e implementação de programas nas escolas.
Na secção de Debate, Sandra Oliveira coloca-nos uma série de perguntas a partir desta primeira: Tecnologia e cidadania: Oportunidade ou apocalipse?Neste texto examina-se qual a influência da tecnologia na sociedade, isto é, se esta servirá de facilitação ou polarização da mesma mediante o envolvimento ou afastamento dos indivíduos-cidadãos. Partindo de conceitos centrais como a Educação para a Cidadania Global e a Literacia para os Média, a autora enfatiza o papel da Educação e da transformação social para permeabilizar o sistema político às vozes dos e das cidadãs. Com efeito, urge formar pessoas facilitadoras de uma educação para a cidadania que seja transformativa, inclusiva e global, nutrida por valores democráticos, direitos humanos, uma consciência crítica e uma ética de relacionamento.
Ainda numa linha de questionamento(s), o coletivo formado por Andrea de Buen, Claudia Escobar, Miguel Escobar, Valeria Gil, Cora Jiménez, Noemí Mejía, Fernanda Navarro, Mayra Silva e Merary Vieyra propõe El Brasil de Paulo Freire, ¿Sigue vigente la pedagogía del oprimido?. Os autores abordam a Pedagogia do Oprimido e as relações de opressão aí denunciadas por Paulo Freire como mote para a atualização de uma Pedagogia da Libertação. A análise das relações de opressão é percebida como promotora de um processo de consciencialização, pelo que se realiza essa análise – sobre o Brasil de hoje – com o objetivo de abrir a janela emancipatória que representam os espaços educativos, para ajudar a quebrar a “cultura do silêncio” e o pensamento dualista.
Dando continuidade a Paulo Freire, Tânia Ramalho encerra a secção de Debate com uma carta imaginada como se escrita pelo próprio pedagogo, intitulada: Educação para a cidadania global e planetária: Revendo a contribuição de Paulo Freire.Nesta carta, a autora procede a uma análise dos contributos dados por Paulo Freire aos princípios de base que regem hoje a Educação para a Cidadania Global e Planetária, particularmente à dimensão de pedagogia que é celebrada pela UNESCO. Com efeito, aquela advoga a premência de uma pedagogia que seja crítica, ativa e transformadora, dimensões de base do pensamento e sentimento freiriano.
Na secção Diálogos, encontramos duas conversas. A primeira, com Miguel de Barros, sociólogo, investigador e ativista, que nos convida a observar a História e o presente da Guiné-Bissau, no seu percurso de construção de uma sociedade democrática de “maior intensidade”. A segunda, com Fergus Bell, jornalista e fundador do serviço de consultoria Dig Deeper Media, que nos revela a sua experiência enquanto jornalista e formador na área da verificação da veracidade das notícias e promotor de colaborações a larga-escala para solucionar desafios jornalísticos.
O Documento-chave que destacamos nesta edição é o Reference Framework of Competences for Democratic Culture, publicado pelo Conselho da Europa. Elizaveta Bagrintseva e Caroline Gebara, do European Wergeland Centre (EWC), introduzem-nos o documento e partilham connosco um muito interessante comentário tendo por base a prática do EWC e a forma como têm introduzido este documento nos seus projetos.
Com base nas inquietações apresentadas anteriormente, reconhece-se que urge a importância de educar para os média. Como Recensão Crítica, Alfredo Dias apresenta-nos o livro “Literacia para os média e cidadania global – caixa de ferramentas” que reúne conceitos, provocações, dinâmicas com metodologias experienciais e participativas que se adequam a contextos e grupos específicos. Esta caixa de ferramenta torna-se essencial para quem deseja alcançar uma comunicação ética e transformadora.
Segue-se a secção das Publicações recentes, na qual quatro publicações recentes, todas elas relacionadas com os temas norteadores deste número, são apresentadas: Global Education Digest 2018 (2019); Global Education Guidelines – Concepts and methodologies on global education for educators and policy makers (2019); Alternativas: Registos e reflexões (2019); e Construir Alternativas – Propostas pedagógicas para a reflexão e a mobilização para a transformação social ( 2018).
O presente número da Revista Sinergias encerra com a habitual secção dedicada às Teses, na qual se partilha um conjunto de seis Teses de Mestrado com temas relacionados com a Educação para a Cidadania Global e com a Educação para o Desenvolvimento.
O Conselho Editorial do presente número da Revista Sinergias ambiciona que as mesmas preocupações com o presente-futuro da Democracia e que os mesmos questionamentos incitados pelos fenómenos de desinformação, pós-verdade e ressurgimento de movimentos políticos autoritários que deram origem a este número acicatem o leitor, impelindo-o a desenvolver os seus conhecimentos e a exercitar as suas práticas de cidadania informada, crítica, participativa, transformadora. Segundo Timothy Snyder 1 (2017), a História não se repete; instrui. Para tal, cada indivíduo-cidadão e cidadã deverá assumir o seu direito e dever de pensar de forma crítica e independente, exprimindo posicionamentos fundamentados em factos e apoiando instituições sociais e mecanismos de exercício e defesa da Democracia.
[1] Snyder, T. (2017). On tyranny – Twenty lessons for the twentieth century. London, UK: The Bodley Head.