“E se trabalhar em rede fosse perceber que há mais do que esta realidade?”
(Asas com Raízes , Raquel Lima)
O quarto número da revista Sinergias – Diálogos educativos para a transformação social é um número de celebração. Este número fecha um primeiro ciclo de dois anos do projeto Sinergias ED – Conhecer para melhor agir, que enquadra esta revista, e abre um novo ciclo do mesmo projeto, agora na sua segunda edição. E fá-lo em jeito de encontro, evocando aprendizagens e compromissos partilhados.
Esta é a natureza do projeto Sinergias ED, lugar de inusitados encontros entre pessoas e organizações diversas – do Ensino Superior e da Sociedade Civil, da investigação e da ação, do Norte e do Sul – que, juntas, “(…) fortalecem uma cultura de trabalho colaborativo entre instituições diferentes, superando desconfianças e resistências mútuas e aprendendo a conciliar tempos, linguagens, instrumentos, culturas e objetivos diversos (…) questionando modelos normativos e hierarquizados de produção e validação de conhecimento e promovendo a representatividade de diferentes perspetivas e experiências e os dissensos e consensos entre elas” (Relatório de Avaliação Final do projeto Sinergias ED, março de 2016 – disponível aqui).
O encontro é o lugar educativo por excelência, onde nos (re)descobrimos através das relações – afetivas, cognitivas, éticas, estéticas – que tecemos com as pessoas que nos interpelam, como seres “sentipensantes” que sempre somos, tal como nos relembra Oscar Jara H. no seu artigo aqui publicado. O objetivo deste número da revista Sinergias é justamente partilhar algumas das interpelações que tiveram lugar nos encontros proporcionados pelo projeto Sinergias ED e que deram oportunidades a múltiplas descobertas e aprendizagens.
O Encontro Internacional Sinergias para a transformação social – diálogos sobre Desenvolvimento, realizado em Lisboa a 12 e 13 de janeiro de 2016, para encerrar a primeira edição do projeto Sinergias ED, constituiu o principal evento de divulgação e debate promovido pelo projeto. Consequentemente, muitos dos textos publicados neste número decorrem das intervenções levadas a cabo neste encontro, que se destacaram não apenas pela sua diversidade, mas também pela profundidade analítica e pela capacidade de interpelar.
O artigo de Luísa Teotónio Pereira abre o número colocando a questão da complexidade no cerne da reflexão sobre o conhecimento e, por consequência, sobre a educação. Na sua aprofundada leitura do que, na realidade, significa e implica o pensamento complexo, a autora indica caminhos férteis para pensar e para agir educativamente, ultrapassando a violência das oposições reducionistas e valorizando as lógicas da interdependência, da incerteza e da esperança. Oscar Jara H., no seu artigo sobre a educação para a transformação, evoca também a esperança, que entende como uma “espera ativa”, uma busca constante pela coerência no ato de educar. Defende o autor que a educação só será transformadora se os e as educadoras levarem a cabo este exercício “fundamentalmente ético” de se transformarem à medida que procuram transformar.
Estes artigos são seguidos e complementados por três comunicações mais breves que sistematizam diferentes olhares e apontam possíveis caminhos de mudança. O texto de Filipe Martins, apresentado na Mesa Redonda “Educação para o Desenvolvimento: abordagens e desafios” promovida pelo projeto Sinergias ED no Congresso “Da descolonização ao pós-colonialismo: perspetivas pluridisciplinares” (Universidade do Porto, 11 a 13 de novembro de 2015), evoca as fronteiras cognitivas herdadas do passado colonial e reproduzidas pelos sistemas educativos modernos, que legitimam ainda hoje profundas desigualdades e injustiças, concluindo que só um outra educação as pode ultrapassar. Por seu lado, a comunicação de Manuela Silva, participante na Mesa Redonda que se seguiu à intervenção inicial de Boaventura de Sousa Santos no Encontro Internacional Sinergias para a transformação social, aborda o conceito de desenvolvimento, traçando a sua evolução recente no sentido de uma conceção integral que engloba a qualidade de vida, a igualdade de oportunidades e a capacitação das pessoas a par da sustentabilidade natural e social, sendo o seu alcance uma responsabilidade não apenas dos Estados, mas de todos os cidadãos. Por fim, a comunicação de Stephen McCloskey, também apresentada no Encontro Internacional Sinergias para a transformação social, consiste numa contundente reflexão crítica sobre os recém-aprovados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que nos instiga a pensar e a agir para além das agendas internacionais que por vezes invisibilizam os processos complexos – e retornamos à complexidade – que estão justamente na génese dos problemas que elas procuram enfrentar.
Neste número são também apresentadas 6 revistas científicas especializadas em Educação para a Transformação Social, cujo encontro foi proporcionado pelo projeto Sinergias ED no âmbito do Encontro Internacional Sinergias para a transformação social. Apresenta-se também a memória da reunião realizada entre os seus representantes em Lisboa a 14 de janeiro de 2016, realçando as sinergias identificadas, as motivações partilhadas e a vontade de fazer mais em conjunto.
É ainda apresentada a recensão da obra “Se Deus Fosse um Activista dos Direitos Humanos” de Boaventura de Sousa Santos, da autoria de Sandra Fernandes, salientando as possibilidades de interseção entre os Direitos Humanos e as diferentes teologias, explorando os seus limites e contributos para uma “gramática da dignidade humana” verdadeiramente emancipadora. Publicam-se ainda diversos materiais pedagógicos e trabalhos académicos recentes considerados relevantes para o trabalho científico e/ou educativo nos domínios da Educação para o Desenvolvimento e da Cidadania Global.
Espera-se que, na sua diversidade e complementaridade, este número da revista Sinergias contribua, à semelhança dos encontros que lhe deram origem, para questionar conceitos e certezas e, ao mesmo tempo, reavivar cumplicidades e convicções a favor de uma educação verdadeiramente transformadora. Deseja-se, retomando as eloquentes palavras de Raquel Lima no poema que fechou o encontro, que este seja um ponto de partida para crescer asas com raízes.
Asas com raízes
Nota introdutória: No poema a repetição da palavra ‘Homem’ não se refere à Humanidade – uma abordagem em desuso por motivos óbvios que se prendem com a igualdade de género. Esta opção tem o propósito de reforçar uma crítica a sociedades patriarcais, nas quais se fomenta a manutenção de uma supremacia do homem nas relações sociais.
Homem
O mundo é nosso ou é dos outros?
O mundo é deles ou é dos outros?
De que lado da fronteiras estás e de que são feitas as tuas asas?
As minhas, são feitas de raízes num Estado desfigurado,
De uma democracia esvaziada e de um conhecimento mercantilizado.
E tu, de onde vem a tua inquietação?
Ai, inquietação, inquietação, inquietação…
Das lágrimas de crocodilo morto num rio d’Amazónia?
Das lágrimas de refugiados sedimentados num cemitério líquido no Mediterrâneo?
Das lágrimas de escravos mortos num cemitério sólido no norte de África?
E quem controla a máquina?
Somos nós ou são os outros?
Com saberes ocos de intelectuais de vanguarda,
Lá onde eu me assumo como um intelectual de retaguarda.
Homem
Tu que és jovem e aprendes a lutar com a mente
Que mais formas de reflectir e investigar vês dessa lente
Ofuscada por uma máquina capitalista enraizada?
Queres fazer acontecer o mundo ou queres que o mundo te faça acontecer?
De qualquer forma terás sempre que aprender
Com ou sem educação, intervenção e acção para o desenvolvimento –
– esse lamento, com muitas ou poucas alternativas
Talvez no fim, as informações processadas serão sempre as definitivas
As possibilidades serão sempre desfiguradas
E para ti, só restará tempo para construir mais estradas
Homem
A natureza também tem direitos
E nós, híbridos do nosso tempo cá estamos
Como quem sempre quis ser maior mas sem deixar de ser humano
À procura da emancipação, da não-extinção
Sem nos sequer darmos conta desta ausência de auto-determinação
Mas para quê determinar?
Se o mundo é dos outros?
Com os seus padrões, muros e estradas que nada valem depois de mortos.
E para quê desenvolver?
Se o mundo já é dos nossos?
Com o nosso trabalho não-pago, descriminação de normas e esboços
E se o mundo fosse realmente de todos?
E se de facto existisse comunidade?
E se trabalhar em rede fosse perceber que há mais do que esta realidade?
E se o mundo fosse uma mesa redonda com educação de qualidade?
E se essa mesa girasse centrípeta sobre a terra?
E se parássemos de dar um ar de paz a armas criadas em tempo de guerra?
E se o globo de repente virasse e o Oriente fosse Ocidente
O hemisfério sul passasse a norte, e o Passado largasse o Presente?
Homem
Pensa que para além de tudo o que fazes
E para além de tudo o que dizes
Lembra-te que mais difícil do que ter asas que voam,
É crescer asas com raízes.
Raquel Lima
13 de janeiro de 2016
Poema inspirado no Encontro Internacional, em particular na palestra do Prof. Boaventura de S. Santos
Jacinto Serrão - Educação para a Cidadania: representações sociais dos professores
Denis Kern Hickel - O Design como a expressão de fazer as coisas juntos — Um entendimento ecológico
Eduardo Carlos Faria Marques - Do Pensar ao Agir: fundamentos para um Projeto de Educação para a Cidadania Global no Ensino Secundário
Maureen Ellis - The Personal and Professional Development of the Critical Global Educator
Nome da Revista: “Sinergias – diálogos educativos para a transformação social”.
Propriedade: Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, CIDAC – Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral e Fundação Gonçalo da Silveira, no âmbito do projeto Sinergias ED: fortalecer a ligação entre investigação e ação na Educação para o Desenvolvimento em Portugal, cofinanciado pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Reitoria da Universidade do Porto.
Periodicidade: Semestral.
Design da capa e execução gráfica: Megaklique.
Edição: Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, CIDAC – Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral e Fundação Gonçalo da Silveira.
Conselho Científico: Alejandra Boni (INGENIO-CSIC, Univ. Politècnica de Valencia.ES), Alexandre Furtado (Fundação para a Educação e Desenvolvimento.GB), Ana Isabel Madeira (Inst. Educação-Univ. de Lisboa.PT), Antónia Barreto (Escola Superior de Educação e Ciências Sociais-Inst. Politécnico de Leiria.PT), Cristina Pires Ferreira (Univ. de Cabo Verde.CV), Douglas Bourn (Inst. of Education-Univ. of London.UK), Elizabeth Challinor (Centro em Rede de Invest. em Antropologia-Univ. do Minho.PT), Júlio Santos (Inst. Educação-Univ. do Minho e Centro de Estudos Africanos da Univ. Porto.PT), Karen Pashby (Univ. of Alberta.CAN), Liam Wegimont (Global Education Network Europe), Luísa Teotónio Pereira (Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral.PT), Manuela Mesa (Centro de Educación e Investigación para la Paz.ES), Maria Helena Salema (Inst. Educação-Univ. de Lisboa.PT), Maria José Casa-Nova (Inst. Educação-Univ. do Minho.PT), María Luz Ortega (Univ. Loyola Andalucia.ES), Matt Baillie Smith (Northumbria Univ.UK), Nuno Gonçalves (Pontificia Univ. Gregoriana.IT), Teresa Toldy (Univ. Fernando Pessoa.PT), Vanessa de Oliveira Andreotti (Univ. of British Columbia.CAN).
Conselho Editorial: Filipe Martins, Hugo Marques, Jorge Cardoso, La Salete Coelho, Luísa Teotónio Pereira, Miguel Silva e Tânia Neves.
Revisão gráfica e de textos: Filipe Martins, Hugo Marques, Jorge Cardoso, Luísa Teotónio Pereira, Miguel Silva, Rui da Silva e Tânia Neves.
Informações de depósito legal e ISSN: ISSN 2183-4687
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