Depois de dois números da revista Sinergias – Diálogos educativos para a transformação social, nos quais vários artigos foram publicados tendo a Educação para o Desenvolvimento (ED) e a Educação para a Transformação Social (ETS) como chão comum, e nos quais foram refletidos conceitos, rumos e práticas no terreno com a participação de vários intervenientes relevantes a nível nacional e internacional, temos a satisfação de lançar o terceiro número continuando a propor reflexões e a construir pontes, para uma discussão alargada e participada sobre estas temáticas.
Com os dois primeiros números procurou-se uma aproximação gradual entre o trabalho no terreno das práticas da ETS e a comunidade científica nacional e internacional. Essa aproximação ganhou corpo na participação alargada na estruturação e edição da revista, na divulgação de artigos e na reflexão concreta e crítica sobre a relação entre o conhecimento científico e as práticas.
Criada no âmbito do projeto Sinergias ED – Conhecer para melhor agir1, a revista Sinergias pretende ser o veículo primordial desta ligação entre o conhecimento científico e o conhecimento das organizações, dito mais prático. Ao promover e/ou consolidar ligações entre estas duas dimensões, promove-se e consolida-se uma construção diferente de saberes e de processos de trabalho. Mas não só. No processo colaborativo de construção de saberes ligados, amplia-se consideravelmente o campo de ação da própria ED e lançam-se pequenos fios do que pode ser uma teia maior de uma comunidade ligada à Educação para o Desenvolvimento e para a Transformação Social.
O terceiro número da revista Sinergias – Diálogos educativos para a transformação social reflete estas ligações e a vontade de pisar terrenos comuns de um modo ainda pouco experimentado em Portugal. A revista volta-se para o projeto que a fez nascer, refletindo e dando visibilidade a algum do trabalho feito nestes dois anos, mais concretamente no que diz respeito às parcerias entre Instituições de Ensino Superior (IES) e Organizações da Sociedade Civil (OSC). A falta de ligação entre a investigação e a ação em ED tem sido um dos constrangimentos assinalados pelos relatórios de acompanhamento da Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento, limitação essa que julgamos condicionar a quantidade e a qualidade da intervenção da ED em Portugal. O projeto Sinergias ED – Conhecer para melhor agir propôs-se interligar várias competências e conhecimentos dos atores de ED, relacionando a prática com a investigação, numa procura de diálogo horizontal entre estes dois mundos. Desta ligação esperava-se a produção de estudos a serem desenvolvidos por duplas de trabalho onde estariam representadas OSC, detentoras dos casos práticos no terreno, e IES, com maior experiência no desenvolvimento do trabalho de produção científica. Pretendia-se que os resultados e conclusões destes estudos pudessem ser importantes, não apenas como produção científica, mas também como oportunidade de auto-reflexão sobre as práticas, e de consequente aprendizagem, para as duas tipologias de atores envolvidos.
Neste terceiro número da revista Sinergias são, assim, publicados e difundidos seis estudos desenvolvidos colaborativamente entre IES e OSC. Desde o início do projeto Sinergias ED, esta experiência de trabalhos colaborativos tem sido estruturante do próprio projeto, tendo-se constituído enquanto processo de envolvimento com impacto em várias outras atividades e momentos. Os estudos que aqui se apresentam são um dos resultados deste processo de ligação, iniciado em dezembro de 2013 com a identificação e associação ao projeto de um conjunto alargado de OSC e de IES2, e fortalecido com a realização de quatro encontros presenciais e através do acompanhamento por parte da equipa do projeto, numa, nem sempre fácil, gestão da tensão entre o papel de dinamizador/facilitador dos processos conjuntos e a almejada autonomia e capacidade de autoiniciativa das instituições envolvidas.
A complexidade das temáticas abordadas pelos projetos e a reflexão sobre as problemáticas trabalhadas no terreno, aliadas à escassa experiência na colaboração na produção de conhecimento, propõem também uma dimensão reflexiva de como se trabalha e se reflete em conjunto. Os processos colaborativos entre IES e OSC expuseram diferentes ritmos, diferentes saberes e diferentes linguagens. Estas diferenças foram sendo trabalhadas, cada qual no seu próprio processo e de diferentes formas, refletindo o princípio da equidade na produção de saberes, isto é, de que os saberes fundamentados na prática empírica e na investigação científica têm ambos legitimidade e poderão, quando trabalhados dessa forma, produzir saber comum, estruturante para o conhecimento científico. Destes processos de trabalho colaborativo sobressai assim uma diversidade não só de temas, mas também de formas de os pensar e trabalhar. Alguns deles estão ainda no início, outros darão lugar a novos processos, sendo que todos refletem a conjugação entre o saber e o fazer, entre a investigação e a ação, entre os investigadores e os agentes de intervenção no terreno.
Como forma de contextualizar e aprofundar a reflexão à volta destes processos de ligação, Alejandra Boni elaborou um artigo introdutório ao caderno de estudos que aborda os trabalhos colaborativos publicados, relacionando-os com os inúmeros desafios na relação entre IES e OSC no que concerne à Educação para o Desenvolvimento e à Educação para a Transformação Social. Neste artigo são refletidos os processos colaborativos tendo em conta a geração de conhecimento de uma perspetiva transformadora, propondo vários conceitos importantes para esta discussão.
Ainda neste terceiro número da revista Sinergias, a entrevista é dirigida a Liam Wegimont, consultor da Global Education Network (GENE), pela mão de Tânia Neves e Sara Peres Dias. Nela reflete-se sobre o conceito de ED, o seu alcance e os seus atuais desafios. Apresenta ainda a ideia de ‘dissensus’, relacionando-a com a ED e com a necessidade de uma maior discussão sobre os conceitos, cada vez mais híbridos e complexos. Wegimont partilha também na entrevista a sua perceção sobre a relevância da ligação e trabalho colaborativo entre IES e OSC na melhoria da qualidade da intervenção nesta área.
Em linha com o tema da revista, é publicada a recensão crítica do trabalho Educar para la Ciudadanía Global en el espacio universitário – Buenas prácticas de colaboración entre ONGD y Universidad. Nesta recensão, elaborada por Ana Cano-Rodríguez, são refletidas algumas práticas de Educação para a Cidadania Global nas Universidades, ressaltando a necessidade de reforçar as relações e a formação entre os atores envolvidos: a Universidade e as ONGD.
Na leitura deste número da revista, vai transparecendo a ideia de que a produção de aprendizagens transformadoras e a criação de espaços comuns de conhecimento ligados a essas mesmas aprendizagens, é essencial para a transformação social e a construção de uma cidadania global. Acreditamos que, ao descrever várias formas de colaboração entre ensino superior e sociedade civil, e ao propor diferentes reflexões sobre os processos que lhes estão subjacentes, o conjunto de textos publicados poderá servir como apoio e estímulo para a consolidação de espaços comuns de aprendizagem, colaborativos e sinérgicos, perspetivando a Educação para o Desenvolvimento e a Educação para a Transformação Social como ferramenta essencial na construção de um bem-estar social verdadeiramente global.
[1] Ver mais sobre o projeto aqui.
[2] Consultar as IES e OSC a colaborar com o projeto aqui.