Christine Auer 1

Resumo: O projeto “Reclaim Europe!” é uma linha de trabalho iniciada em 2018 pela Fundação Friedrich Ebert (FES) em Portugal e desenvolvida em conjunto com parceiros locais. O presente texto pretende apresentar a abordagem conceitual e metodológica, os objetivos e os primeiros passos e formatos do projeto. Visa também avaliar criticamente como o próprio “Reclaim Europe!” se foi moldando ao longo do primeiro ano conforme a (re-)priorização dos seus objetivos e a apropriação pelos parceiros e os/as participantes.

Palavras-chave: Europa; Participação; Sociedade Civil; Redes.

Abstract: “Reclaim Europe!” is the name of a project started in 2018 by the Friedrich Ebert Foundation (FES) in Portugal and developed further together with local partners. This text aims to present the conceptual and methodological approach, the objectives and the first steps of the project. It also aims to critically evaluate how “Reclaim Europe!” itself was shaped during the first year according to the (re-)prioritization of its objectives and the appropriation by the partners and participants.

Keywords: Europe; Participation; Civil Society; Networks.

 

Em que Europa queremos viver?

O que tem de mudar para que nós, cidadãs e cidadãos, nos sintamos seus membros de pleno direito? Como são avaliados os instrumentos já existentes de participação e influência a nível das decisões das instituições europeias? Mas também: Que ideias e projetos para uma vivência comum da Europa já existem fora das instituições? E como pode o trabalho em rede ajudar a reforçá-los? 

A partir destas questões, a Fundação Friedrich Ebert em Portugal começou, em 2018, a promover o projeto “Reclaim Europe!”, que convida associações, movimentos e outros grupos da sociedade civil para um debate alargado sobre as possíveis formas de as populações participarem na construção da Europa e influenciarem os processos de decisão. Juntamente com parceiros da sociedade civil organizada, têm sido organizados encontros para promover trocas de opiniões e de experiências com o intuito de questionar criticamente a conceção unilateral da integração europeia por parte das chamadas elites e das instituições comunitárias. Desde o seu início, o “Reclaim Europe!” foi concebido como um processo moldável e transformável pelos/as vários/as agentes que aceitaram participar nele.

O presente texto serve para apresentar as origens, a abordagem metodológica e conceitual e os diferentes passos e formatos do projeto. Pretende também fazer uma leitura crítica de todo o processo de aprendizagem que tem sido este primeiro ano de “Reclaim Europe!”.

O trabalho da Fundação Friedrich Ebert na Alemanha…

A Fundação Friedrich Ebert (em alemão: Friedrich-Ebert-Stiftung – FES) foi fundada na Alemanha em 1925 como legado político de Friedrich Ebert, primeiro Presidente alemão democraticamente eleito. O social-democrata Ebert foi um simples artesão que ascendera ao cargo supremo da República. Diante das suas dolorosas experiências na luta política, sugeriu a criação de uma fundação com três objetivos: fomentar a formação política e social de pessoas de todas as esferas da sociedade, no espírito da democracia e do pluralismo; possibilitar a jovens talentosos, por meio da concessão de bolsas, o acesso ao estudo universitário e à investigação; e contribuir para o entendimento e a cooperação internacional. Proibida em 1933 pelos nazis e refundada em 1947, a Friedrich-Ebert-Stiftung persegue até hoje esses objetivos por meio de extensas atividades. Enquanto instituição de utilidade pública, de direito privado e de natureza cultural, a FES está comprometida com as ideias e os valores fundamentais da democracia social. Na Alemanha, a FES oferece educação política e aconselhamento político. Alcança pessoas em centros urbanos, bem como em muitas cidades pequenas. Além da sua sede em Berlim e Bona, dispõe de várias representações regionais nos diferentes Estados Federais do país.

No seu trabalho internacional, a FES aposta fortemente no diálogo e promove a democracia e a justiça social. Apoia uma política de cooperação pacífica e de direitos humanos, com um foco em sindicatos livres e numa sociedade civil forte. No âmbito do processo de unificação europeia, a FES está empenhada numa Europa social, democrática e competitiva. Os mais de 100 escritórios da FES trabalham juntos em projetos regionais transfronteiriços, enquanto os escritórios em Genebra e Nova Iorque dedicam-se a questões globais.

… e a sua presença em Portugal

A Fundação Friedrich Ebert está representada em Portugal desde 1976, mas as relações com este país já remontam aos tempos que antecederam o 25 de Abril. A fundação do Partido Socialista português teve lugar em 1973 na Academia de formação política da FES em Bad Münstereifel (Alemanha). No período que se seguiu ao 25 de Abril, a FES esteve envolvida no apoio à criação de instituições do Portugal democrático. Nos anos 80, acompanhou a adesão do país às Comunidades Europeias.

Com a consolidação da democracia e o avanço do desenvolvimento económico e social no seio da Europa, a atividade da Fundação em Portugal passou do apoio direto a atores/as políticos/as e sociais para a organização de um diálogo europeu entre interlocutores/as portugueses/as, alemães/as e de outros países. Desde os finais dos anos 80, a FES organiza iniciativas na forma de debates com responsáveis do sistema político, membros da comunidade científica e representantes da sociedade civil, com um foco na construção de uma Europa social e sustentável. A posição da FES entre a política, a academia e a sociedade civil permite-lhe contribuir para a criação de pontes entre áreas que muitas vezes não têm ligações fortes entre si e apoia, desta forma, a transferência de conhecimento.

Neste momento, a nossa equipa na Representação em Portugal da FES consiste em três pessoas (uma delas a tempo inteiro). Contamos regularmente com o apoio de estagiários/as, na maioria estudantes de universidades alemãs.

Desde a realização de uma avaliação interna em 2017, em que foram redefinidos alguns dos nossos focos de trabalho, o nosso trabalho incide nos seguintes temas:

  1. Estado Social: Em conjunto com partes interessadas (stakeholders) e especialistas, produzimos análises críticas das políticas de austeridade no funcionamento do Estado Social e avançamos propostas para soluções alternativas.
  2. Contratação coletiva: Pretendemos organizar um debate focado no papel dos sindicatos na contratação e na sua capacidade de a preservar e a fazer evoluir enquanto fator de regulação das relações de trabalho.
  3. Participação da sociedade civil na Europa: Juntamente com parceiros interessados da sociedade civil organizada, pretendemos promover uma troca de opiniões e de experiências com vista a questionar a conceção unilateral da integração europeia.

Enquanto as primeiras duas linhas temáticas resultam de um trabalho desenvolvido e consolidado nas últimas décadas com parcerias estabelecidas e cultivadas ao longo dos anos, o trabalho sobre a participação da sociedade civil na Europa é fruto de uma reorientação mais recente. Ganhou forma num projeto específico que decidimos intitular “Reclaim Europe!”.

Porquê reivindicar a Europa?

O processo de integração europeia encontra-se numa fase difícil. O crescente sucesso dos partidos antieuropeus e de extrema-direita em muitos países é, por um lado, a expressão de uma crise de legitimidade. Por outro lado, bloqueia soluções progressistas a nível político europeu. Muitas pessoas consideram a União Europeia ou como uma realidade demasiado distante do seu dia-a-dia ou como uma entidade que interfere demasiado na sua vida (Comissão Europeia, 2017). Portugal ainda não vive um forte movimento antieuropeu, mas há processos económicos e sociais que poderão ter um efeito de desintegração num futuro próximo. O país saiu como caso de sucesso do último período de crise financeira, mas as políticas de austeridade implementadas durante a intervenção da Troika (Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu) deixaram rastos dolorosos no país. Enquanto estatísticas comprovam que a confiança na União Europeia está a aumentar novamente em Portugal (Parlamento Europeu – Gabinete em Portugal, 2017), a muito baixa participação nas eleições europeias mostra que os/as portugueses/as não sentem que o seu voto possa realmente influenciar as políticas. A Europa é um termo complexo que, às vezes, pode parecer bastante longe do nosso dia-a-dia. Para muitas pessoas, parece ser um mero conjunto de instituições da União Europeia, cujas políticas têm impacto nas vidas das pessoas que vivem nos estados-membro, mas escapam à influência dessas pessoas.

Mas será que a Europa é só isto? É somente as instituições da União Europeia, ou pode – e necessita, para o futuro de todos/as – ser algo mais, além destas? O que é que deveriam fazer estas mesmas instituições para que a Europa se transforme num espaço mais democrático e participativo, e o que pode fazer a própria sociedade civil? É isto que nós nos perguntamos ao iniciar esta nova linha de trabalho intitulada “Reclaim Europe!”.

E o que tem isto a ver com o trabalho local?

A Europa não é e não pode ser só feita em Bruxelas, mas também nos nossos territórios, nas nossas cidades e aldeias. Quando começámos a desenvolver o projeto, parecia-nos de especial importância levar o tema das desigualdades territoriais, novas e velhas, em cima da mesa. Poucos meses tinham passado desde os incêndios florestais, que levaram à morte de mais de 100 pessoas no centro de Portugal, e debatia-se o desinteresse dos centros de decisão política pelas zonas menos povoadas do país como umas das razões principais. Ao mesmo tempo, o reposicionamento de metrópoles como Lisboa e Porto no mapa da globalização intensificou problemas especificamente urbanos que levavam cada vez mais à exclusão de grandes grupos da população dos centros das cidades, principalmente através do cada vez mais difícil acesso à habitação para as classes média, média-baixa e baixa.

Fenómenos como a desertificação das regiões periféricas e a rápida revolução das condições de vida nas aglomerações urbanas não são puramente portugueses.  Encontram-se noutros países europeus sob várias formas e devem ser tratadas como questões pan-europeias, especialmente tendo em conta as políticas de austeridade impostas pela Troika e pela UE, que reduzem a capacidade de ação de muitos Estados e grupos populacionais. Há, por exemplo, muitas cidades europeias que sofrem com problemas como a crescente pressão no mercado imobiliário, de acesso a recursos e a mobilidade para todas e todos em tempos de alterações climáticas, de mecanismos de exclusão e discriminação, nomeadamente racismo, sexismo, etc. Por outro lado, o abandono político de muitas regiões na Europa é visto como uma das razões do êxito da extrema direita. E muitas vezes, as respostas europeias não resolvem estes problemas. Com o projeto “Reclaim Europe!” pretendemos incentivar atores da sociedade civil em Portugal e noutros países da UE a participarem no debate sobre participação, a promoverem a ligação em rede das organizações existentes e a facilitarem a intervenção. Os pontos de partida para esta linha de trabalho foram, portanto, as (novas) desigualdades territoriais.

Consideramos especialmente interessante trabalhar com a sociedade civil organizada, as associações, os movimentos e os grupos informais que se empenham para melhorarem as condições de vida na sua área de intervenção. São as pessoas ativas que querem iniciar e avançar com mudanças societais, e têm sido essas os/as parceiras/os e os/as participantes que tentámos mobilizar para este projeto. Grande parte dos esforços envidados pelas organizações da sociedade está, obviamente, direcionada para tratar problemas concretos a nível local. Não obstante, no seu trabalho, as organizações vêem-se confrontadas com o modo como as instituições da UE lidam com estes problemas e com a forma como se perde a oportunidade de aproveitar certas temáticas para promover decisões políticas de relevância a nível europeu. Ao mesmo tempo, olhar para a Europa para além das fronteiras nacionais pode estimular a aprendizagem mediante exemplos de natureza local –  de boas práticas, mas também de fracassos – em partes do continente com problemas semelhantes, bem como promover a constituição de parcerias e a troca de experiências.

Como trabalhar por uma Europa comum?

Participação na União Europeia: analisar instrumentos existentes e valorizar ideias alternativas

O “Reclaim Europe!” pretende questionar a conceção unilateral da integração europeia por parte das chamadas elites e das instituições europeias, e identificar e debater ideias alternativas. A nossa abordagem ao conceito da participação tem, portanto, sido dupla: por um lado, quisemos avaliar os instrumentos existentes de participação para a sociedade civil na Europa, como o caso do novo instrumento da Iniciativa de Cidadania Europeia e do trabalho de lobbying das confederações da sociedade civil, bem como das eleições para o Parlamento Europeu e para os parlamentos nacionais e do financiamento por parte das instituições da UE; por outro lado, pretendemos conhecer e debater outras opções para construir a Europa, projetos para uma vivência comum do espaço europeu existentes fora das instituições e ideias locais e regionais bem consolidadas.

O papel da FES: apresentar ideias e criar espaços de debate num esforço comum

Só faz sentido falar de participação se for a partir de uma postura que reconhece os contributos de todas e todos os agentes envolvidos. Por isso, os primeiros encontros do “Reclaim Europe!” foram organizados não na base de conteúdos já criados, mas um dos objetivos principais foi identificar temas prioritários em conjunto com os e as participantes.

Para esta abordagem metodológica faz sentido ter em mente o percurso da FES em Portugal e as suas alterações, que levaram ao nosso atual trabalho. Como referido acima, o papel da FES em Portugal mudou decisivamente a partir dos anos 1990. Do apoio a determinados agentes políticos e instituições democráticas, passou ao diálogo com visão transnacional e europeia. Foi também por isso que os conteúdos e as formas dos resultados a alcançar no processo do “Reclaim Europe!” não foram definidos em concreto. O papel da Fundação Friedrich Ebert é apresentar ideias, impulsionar, moderar o processo, proporcionar espaços de partilha e aprendizagem e ajudar na identificação do potencial que há para futuras iniciativas. Além deste esforço contínuo de auto-reflexão, é preciso garantir um equilíbrio entre a abertura ao caráter moldável do processo e a tentativa de cumprir as expectativas e mais-valias que foram comunicadas inicialmente de forma a ganhar e manter a credibilidade junto dos/as participantes e parceiros/as.

Redes locais e europeias

A FES é ela própria uma organização que funciona em forma de uma rede internacional e que tem como objetivo central, no seu trabalho fora da Alemanha, o diálogo transnacional. Por isso, a aprendizagem e a troca de experiências transnacionais são parte integral da nossa abordagem metodológica para este projeto.

Uma sociedade civil europeia em rede é simultaneamente um objetivo e um pré-requisito para a integração europeia e a democratização. O desenvolvimento futuro dela só pode ser alcançado através de uma melhor articulação da sua relação frequentemente complexa entre os diferentes níveis: o local, o nacional e o europeu. Com o “Reclaim Europe!” não se trata só de chegar a instituições europeias e de fazer alterações de grande escala, mas também de apoiar as organizações locais da sociedade civil e facilitar o seu trabalho em rede. Este trabalho em rede é o primeiro passo para identificar os aspetos pan-europeus dos fenómenos locais e fazer exigências comuns.

Portugal não é Lisboa, e a Europa não é as metrópoles

Partindo do ponto de partida das desigualdades territoriais, não teria feito sentido ficar só por Lisboa. Foi uma novidade e um desafio para a FES, que tem desenvolvido o seu trabalho sobretudo em Lisboa, com poucas exceções. Uma Europa mais democrática não pode ser construída só a partir das metrópoles, mas de todos os tipos de território, com as suas realidades e problemáticas específicas. Foi, portanto, um dos objetivos e, ao mesmo tempo, um dos desafios do projeto não desenvolver atividades só na capital, mas em outros territórios.

Formatos e primeiros passos do projeto

Diagrama 1 – Passos do projeto “Reclaim Europe!”

O projeto começou com uma primeira fase de preparação, que consistiu em conversas preliminares com especialistas para a definição da metodologia, dos formatos e do procedimento geral do projeto, e num mapeamento de organizações da sociedade civil a convidar para os primeiros encontros.

O “Reclaim Europe!” em Lisboa

Em julho 2018, teve lugar em Lisboa a primeira iniciativa do projeto, o seminário e encontro de reflexão estratégica “Reclaim Europe! – Estratégias Urbanas”. Ao contrário dos eventos seguintes, este primeiro não estava aberto ao público, mas dirigiu-se concretamente a agentes na área do ativismo pelos diversos Direitos à Cidade em Lisboa e do Porto. Pretendeu ser uma espécie de protótipo para outros encontros do mesmo género.

Serviu, por um lado, para introduzir o projeto e os seus objetivos, para conhecer os interesses das/os participantes e o seu trabalho e para facilitar uma partilha de experiências entre eles e elas. Por outro lado, visou criar um primeiro levantamento de ideias e reivindicações para uma Europa melhor.

Neste primeiro encontro, pretendeu-se abordar três eixos da relação entre a sociedade civil organizada e a Europa, que foram debatidos em grupos de trabalho moderados:

  • A Europa como oportunidade para aprender de e entre práticas concretas de luta.
  • A Europa como espaço de solidariedade para causas comuns, entre territórios e os seus movimentos sociais.
  • A Europa e as suas instituições como interlocutores para influenciar políticas públicas.

No final do dia, os assuntos trabalhados nos grupos foram apresentados, debatidos e sistematizados em plenário. O levantamento feito no primeiro encontro serviu como base para a preparação da segunda iniciativa em Lisboa, um evento de maior dimensão e aberto ao público. Foi organizado em conjunto com a organização transnacional European Alternatives e contou com a participação de ativistas pelo direito à cidade de vários países europeus. O evento consistiu numa variedade de metodologias e formatos, desde workshops e sessões de informação sobre instrumentos europeus até um debate com representantes da política e de redes europeias da sociedade civil e uma apresentação duma peça do Grupo de Teatro do Oprimido de Lisboa. O cerne do evento foi o momento de trabalho em grupo relativo às ideias e reivindicações em relação à Europa.

Também no âmbito da Conferência, foi produzido um vídeo em inglês com entrevistas com alguns/algumas dos/as ativistas envolvidos/as no projeto. Estas pessoas foram convidadas a partilharem a sua experiência de luta pelo Direito à Cidade nas suas várias vertentes. O vídeo foi divulgado através da plataforma pan-europeia Political Critique (Fundação Friedrich Ebert e European Alternatives, 2018).

O “Reclaim Europe!” nas regiões Centro e Norte

O formato do seminário inicial continua a fazer parte do projeto, com métodos e temáticas adaptadas ao contexto local, mas sempre com um grande foco em metodologias que permitam a partilha menos formal e o debate.

Entre setembro de 2018 e setembro de 2019, tiveram lugar três seminários “Reclaim Europe!” em Castelo Branco, na Covilhã e em Vila Real.

Tem havido dois focos principais nos encontros: o trabalho em rede e a construção da Europa a partir das especificidades dos territórios. Um pré-requisito imprescindível para a realização de encontros fora de Lisboa tem sido o trabalho com organizações parceiras locais. Só com a experiência e o conhecimento que estas têm sobre as problemáticas locais faz sentido desenvolver atividades num território no qual não temos experiência.

Aprendizagens dos primeiros eventos e o futuro do “Reclaim Europe!”

Reivindicações comuns e o trabalho a partir delas: um olhar crítico

A partir das memórias dos encontros, foi possível identificar um conjunto de reivindicações comuns que constituem uma base importante para os próximos passos do projeto. As aprendizagens dos dois eventos de Lisboa foram sintetizadas num relatório intercalar que foi publicado no website da Fundação Friedrich Ebert 2. Elas podem ser resumidas em três pontos principais:

  1. Governança na Europa: é preciso melhorar a literacia para a democracia. Os instrumentos concretos de participação têm de ser avaliados criticamente: quem tem realmente condições para participar? A participação é meramente retórica ou permite o verdadeiro envolvimento da sociedade civil?
  2. Redes internacionais: o grau de envolvimento dos grupos da sociedade civil em redes internacionais é muito diverso. É preciso confiar nas experiências das redes existentes para identificar o que está a funcionar e o que não está a funcionar, mas deve ser dada especial atenção ao envolvimento efetivo dos grupos mais vulneráveis da sociedade civil.
  3. Financiamento: o financiamento internacional deve proporcionar aos grupos locais os recursos económicos necessários não só para projetos temporários, mas também para a sua sustentabilidade. A realização de candidaturas a financiamento internacional tornou-se uma profissão. Isto não é justo para a democracia, porque encoraja a hiper-especialização de alguns. É necessário um novo pacto social.

Este documento não pretendeu ser consensual nem vinculativo. Visou servir como inspiração para o próprio trabalho dos/as participantes, para a organização, mas também para destinatários/as como decisores/as políticos/as – objetivo que conseguiu ser cumprido só parcialmente. Para os próximos passos do projeto, será preciso desenvolver uma metodologia que permita refletir de maneira mais eficaz sobre as reivindicações, debatê-las e orientá-las de forma que haja pontos de ligação com diferentes patamares da governação multi-nível europeia e de modo a alargar o impacto do projeto. Para este efeito, a rede de entidades e atores/as – tanto da sociedade civil organizada como da esfera política – envolvidos/as nesta iniciativa deverá ser alargada e consolidada, e deverão ser definidos focos dentro deste vasto panorama de reivindicações e ideias que foram identificadas.

Um processo moldável e a (re-)priorização dos seus objetivos

No entanto, depois dos primeiros eventos do projeto, observámos que a divulgação das reivindicações trabalhadas nem sempre é considerada o objetivo central pelas pessoas e entidades envolvidas. Este processo de moldagem tem sido também uma tentativa de equilíbrio entre os objetivos iniciais do projeto e os que se vão desenvolvendo através da abordagem bottom up seguida e o papel da FES como moderadora do processo, os próprios objetivos do trabalho da FES e os que fazem mais sentido a nível local, para os/as participantes no projeto. De acordo com este processo de negociação, as prioridades no que se refere aos objetivos do projeto alteraram-se ao longo do trabalho em conjunto. O projeto foi-se moldando de forma que alguns dos “produtos derivados”, inerentes ao próprio processo do trabalho em conjunto, foram ficando cada vez mais centrais.

O reforço do trabalho em rede que este tipo de eventos possibilita é um desses objetivos que passou de segundo para primeiro plano desta fase do projeto. Uma sociedade civil europeia em rede só é possível em interligação com uma sociedade civil local que se articula entre si. A possibilidade dos/as participantes se conhecerem melhor uns aos/às outros/as e ao trabalho deles/as, especialmente em momentos menos formais e estruturados, e a aprendizagem mútua facilitada por esta troca de experiências foram considerados uma grande mais-valia por muitas e muitos participantes. Foi também através dos espaços de partilha dos eventos que nos foi possível criar parcerias com várias das organizações participantes para outros eventos no âmbito do “Reclaim Europe!” ou fora dele.

Outra aprendizagem importante que fizemos foi o facto de o conhecimento sobre os instrumentos democráticos disponíveis ser muito diverso e, em muitos casos, pontual. Torna-se, pois, difícil formular reivindicações válidas e úteis quando o que existe não está ainda claro para uma parte das cidadãs e dos cidadãos. Conhecendo os instrumentos disponíveis, o seu nível de transparência e o seu grau de acessibilidade, é mais fácil formular críticas e reivindicações eficazes.

As próximas iniciativas no âmbito do projeto visam, portanto, disponibilizar espaços para o trabalho em rede entre as organizações participantes e, assim, facilitar a capacitação mútua com base nas experiências das pessoas e entidades participantes. Pretendem também facilitar a aprendizagem e a partilha de experiências e de conhecimento sobre ferramentas de participação já existentes e, deste modo, reforçar a literacia democrática. Por último, pretende-se reforçar ainda mais as perspetivas dos diferentes territórios.

No início de 2019, esta abordagem ligou-se a um novo formato no âmbito do projeto: os “Cafés com Luta”. Estes são conversas informais, acompanhadas de bebidas e petiscos, com pessoas ativas em transformações sociais e políticas, que são convidadas a partilhar a sua experiência. As conversas decorrem em diferentes locais e pretendem funcionar numa lógica de aprendizagem mútua. Por razões de logística, os primeiros encontros tiveram lugar em Lisboa, mas pretendemos descentralizar o formato conforme a lógica do projeto.

Assim sendo, o “Reclaim Europe!”, durante este processo de trabalho em conjunto com todas as pessoas envolvidas, tem-se transformado, de um espaço de identificação de reivindicações e ideias por uma Europa mais democrática, num espaço de encontro e troca de experiências, de debate e de aprendizagem – local e transnacional – para a cidadania e democracia.


[1] Colaboradora científica na Fundação Friedrich Ebert em Portugal. Contato: auer@fes-portugal.org

[2] https://fes-portugal.org/relatorio-reclaim-europe/

Referências Bibliográficas:

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