Lívia Neves Masson[1]Assistente Social. Doutoranda em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo. Escola Social Marista Ir Rui Ribeirão Preto/São Paulo., Marcia Regina Nogueira Soares[2]Assistente Pedagógica. Especialista em Escola Restaurativa com Enfoque em Direitos Humanos pela PUC do Paraná. Marista Escola Social Marista Ir Rui Ribeirão Preto/São Paulo., Neuzita de Paula Soares[3]Pedagoga e Diretora. Doutoranda em Educação pela UNIMEP de Piracicaba São Paulo. Marista Escola Social Ir Rui Ribeirão Preto/São Paulo. & Marta Angélica Iossi Silva[4]Professora Doutora do Programa de Enfermagem em Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
Resumo:
A atual realidade social impõe desafios que afetam as relações coletivas, e as violências são alguns dos reflexos. A escola é locus privilegiado para a cidadania, e a partir das Práticas Restaurativas é possível a construção de um ambiente mais democrático e transformador. Trata-se de um relato de experiência de uma escola da periferia brasileira onde a proposta pedagógica é estruturada a partir da perspectiva da cultura de paz.
Palavras-chave: Violência; Escola; Práticas Restaurativas.
Abstract:
The current reality imposes challenges that affect collective relationships, and violence is one of the consequences. The school is a privileged locus for citizenship, and through Restorative Practices it is possible to build a more democratic and transformative environment. This is an experience report from a school of a Brazilian peripheral school where the pedagogical proposal is structured from the perspective of a culture of peace.
Keywords: Violence; School; Restorative Practices.
Resumen:
La realidad actual impone desafíos que afectan las relaciones colectivas, y la violencia es una de las consecuencias. La escuela es un locus privilegiado para la ciudadanía y a través de las Prácticas Restaurativas es posible construir un entorno más democrático y transformador. Este es un relato de experiencia de una escuela de la periferia brasileña donde se estructura la propuesta pedagógica desde la perspectiva de una cultura de paz.
Palabras clave: Violencia; Escuela; Prácticas Restaurativas.
Introdução
Uma educação comprometida com a solidariedade e com a transformação social deve estar pautada na perspectiva crítica e emancipatória do educar, entendendo-a para além da aquisição de conhecimentos acadêmicos e científicos, como um vetor para a formação da cidadania e emancipação dos sujeitos. Esta perspectiva se contrapõe à cultura da educação bancária advinda do período de industrialização que, conforme Freire (2015), visa atender a ideologia neoliberal colocando o educando na posição do não saber, de sujeito passivo, objeto para a formação da massa de trabalhadores.
Além da perspectiva bancária da educação, a sociedade contemporânea herdou a cultura da punição e da violência para a resolução de conflitos pessoais, familiares, sociais e comunitários (Pranis, 2011). Historicamente, a escola, enquanto um espaço reconhecido por ensinar, desempenhou funções punitivas que utilizavam técnicas e adereços de correção físicos, morais e psicológicos. Durante décadas serviu para a civilização e controle social dos corpos, a fim de formar indivíduos e grupos que atendessem aos interesses do poder hegemônico e do mercado (Carvalho et al., 2019).
A história da educação brasileira explicita um percurso dotado de ações disciplinares e regulamentações punitivas empregadas sob o mote de moldar a existência dos educandos e defini-los enquanto seres humanos (Charlot, 2013; Freire, 2015; Paro, 2013). O silêncio e a imobilidade faziam parte da escola tradicional; segundo Charlot (2013), a desigualdade social que é fruto da condição humana histórica sempre foi omitida nos discursos pedagógicos tradicionais, cristalizando-se a idéia de reprodução das desigualdades dentro da escola. O fracasso escolar colocado como responsabilidade individual silenciava as problemáticas vividas no interior das escolas, e a constante busca por estratégias efetivas para lidar com comportamentos disruptivos e gerenciamento de classe recorreram à violência para melhora do clima escolar (Belletti, 2021).
Ao longo do tempo, a perspectiva do silenciamento e da violência foram se transformando juntamente com as alterações políticas, sociais, econômicas e culturais que a sociedade brasileira passou. Destaque para o período de redemocratização iniciado no contexto da ditadura militar, década de 80, que gerou transformações na cena política e no sistema institucional do Estado, e buscou romper com o modelo descritivo e normativo da sociedade (Belletti, 2021; Paro, 2013). Durante o período da ditadura militar brasileira, a educação brasileira foi colocada em evidência e passou a ser rediscutida na esfera social e sob influência dos movimentos populares e lutas de classe em prol da educação. Iniciou-se um período de reconceituação crítica e política, sendo compreendida como espaço para o desenvolvimento de ações pedagógicas que visam a formação para a vida, além de espaço para fomentar valores que sejam condizentes com uma sociedade mais justa, humana e equitativa.
Para Freire (2019), a escola é um dos locais que promovem o desenvolvimento de aprendizagens, sejam elas intelectuais e voltadas para o currículo formal, sejam elas experiências para a vida e coletividade. Portanto, deve estimular a curiosidade, a humanidade, o raciocínio, a descoberta, atendendo a diversidade e particularidade dos sujeitos, em prol de uma educação voltada ao compromisso social.
A sociedade encontra-se em constante transformação, e a realidade atual impõe desafios advindos do sistema hegemônico do poder que afetam diretamente a vida e as relações coletivas, e gera impactos no cotidiano social através de desigualdades, exclusão, individualismo e violências. A cultura punitiva e de violência ainda permeia o ideário escolar e, por vezes, práticas emancipatórias encontram desafios para serem implementadas. Segundo Carvalho et al. (2019), as formas punitivas de controle e as sanções físicas não mais funcionam, mas a violência em suas multiformes ainda está intrínseca no espaço escolar.
O enfrentamento dos desafios da atual realidade exige novos conhecimentos e estratégias educativas que gerem uma consciência coletiva. Assim, acredita-se que a educação é uma das ferramentas para mudanças estruturais, e a escola locus privilegiado para a promoção da cidadania, onde, a partir de uma aprendizagem ética e política, é possível enfrentar tais desafios, visando a transformação social. É neste contexto que temas complexos apresentam uma alternativa concreta de trabalho dentro do espaço escolar. Contribuir para a superação da pedagogia da punição presente na sociedade contemporânea, para uma prática de mediação de conflitos de forma coletiva, consensual, solidária e que fortaleça a voz de todos os envolvidos e a cidadania, é o que fomenta o desenvolvimento da cultura da paz.
Práticas Restaurativas na Escola
Una cultura escolar favorecedora de la convivencia es constructora de sujeto, de un sujeto de derechos y responsabilidades. Es una cultura reconocedora y promovedora de la diversidad y moralmente pluralista (Kolstrein, 2006, p. 52).
As Práticas Restaurativas na Escola foram implantadas primeiramente nos Estados Unidos, e chegaram ao Brasil em meados da década de 90, através de forte influência do poder judiciário. As autoras americanas Boyes-Watson e Pranis (2011) se tornaram referência no assunto após a publicação do primeiro livro que aborda o tema de forma teórico-prática. As Práticas Restaurativas têm como base os princípios da participação, responsabilização e reparação de danos, e nos apresentam em sua abordagem uma forma de pensar e agir tendo como foco o dano causado e o restabelecimento da relação, sem estigmatizar os sujeitos, prezando o diálogo, respeito, corresponsabilidade, negociação e comum acordo, imprescindíveis para as relações humanas. Tais Práticas devem atuar visando a promoção do diálogo entre sujeitos, sociedades e culturas e, dentre seus principais valores, destacam-se a solidariedade, a alteridade, a cultura da paz e da educação integral, a construção das subjetividades e o multiculturalismo. Consegue assegurar a escuta ativa e o diálogo contínuo de atuação mediadora em relação aos conflitos, o acolhimento dos sentimentos, das histórias e inquietações do outro e com o outro (Boyes-Watson & Pranis, 2011).
As Práticas Restaurativas visam a formação cidadã consciente e corresponsável pelo bem-estar pessoal e do outro, a promoção da democracia, dos direitos humanos, a prevenção contra violência e promoção da cultura da paz, e orientam valores como a equidade, respeito, justiça, solidariedade, a diversidade e alteridade. Além disso, trazem para o centro a possibilidade de restauração das relações e resoluções de conflito, funcionando assim como uma alternativa ao sistema punitivo (Clawson et al., 2014).
A verticalidade da relação de poder deve ser quebrada para dar espaço a uma relação horizontal, para que todos sejam incluídos e respeitados por suas diferenças sociais, culturais, sexuais, religiosas, jeito de ser, dentre outros aspectos. Somente assim, a educação pode de fato ser emancipadora. No cerne do contexto escolar, devem promover o diálogo e a reflexão, além de permitir que todos tenham a possibilidade da fala e escuta, que os diferentes modos de ver e sentir uma situação sejam trazidos à tona de forma respeitosa e as decisões deliberadas de forma coletiva (Belletti, 2021). Sendo assim, as Práticas Restaurativas no contexto escolar possibilitam que a educação cumpra o seu papel enquanto formação integral do estudante, pela busca constante da valorização da diversidade no contexto escolar para uma relação de respeito, conexão, inclusão, corresponsabilização e participação no processo de ensino e aprendizagem.
Para que a escola seja um local que respeite as diferenças, é imprescindível a formação contínua por parte dos gestores, docentes e demais colaboradores em Práticas Restaurativas, para um olhar diferenciado, que quebre as barreiras de todas as questões excludentes. Neste sentido, compreendemos que investir na propagação da concepção de cultura de paz dentro da escola é fundamental para romper com práticas baseadas na violência e na educação bancária, promovendo o educando como sujeito ativo, crítico, reflexivo e atuante em seu papel social, além de capaz de resolver os conflitos e problemas através de alternativas saudáveis de manejo. As Práticas Restaurativas permitirão cada vez mais um espaço democrático na escola, através de experiências saudáveis e propícias a um ambiente de paz e, consequentemente, a formação humana integral.
Importante destacar que as Práticas Restaurativas são consideradas uma ciência social que estuda como construir o capital social e atingir disciplina social através da aprendizagem participativa e tomada de decisão (Kolstrein & Bravo, 2015). Conforme Pranis (2011), entre seus principais objetivos destacamos: a possibilidade de construir relações democráticas e saudáveis, a possibilidade de restaurar relações conflituosas e reparar danos, criar espaços seguros entre os sujeitos envolvidos e acolher sentimentos.
Não se trata de desconsiderar o conflito ou alegar que o mesmo passará a não existir na sociedade, mas alterar o trato e as ferramentas para lidar com o problema, colocando o conflito como caminho possível para a busca de soluções, alterando o modo de enfrentá-los e resolver as problemáticas a partir dele (Rosenberg, 2006). A ciência social das Práticas Restaurativas oferece uma linha comum de unir teoria, pesquisa e prática em diversos campos, sendo o ambiente escolar o principal para a transformação da sociedade. Assim, em substituição à prevenção disciplinar, as Práticas Restaurativas na escola são uma possibilidade de desenvolver uma cultura de paz no ambiente escolar e promover a escola como locus de cidadania, respeito, equidade, justiça e solidariedade.
A Experiência em uma Escola da Periferia Brasileira
Este trabalho trata-se de um relato de experiência desenvolvido pela equipe de educadores de uma escola social de educação básica alocada na periferia de uma cidade brasileira. Importante destacar que a metodologia utilizada – ou seja, o relato de experiência – trata-se da descrição de uma dada experiência, em busca de contribuir com reflexões e ações para a área de atuação pesquisada. É a descrição da vivência profissional tida como exitosa ou não, mas que contribua com as discussões, trocas e proposições de ideias para estudos e práticas. Conforme Backers (2012), deve ser contextualizado, com objetividade e aporte teórico, apresentando cientificidade e seriedade.
A escola na qual o trabalho foi desenvolvido é uma escola de caráter filantrópico que possui uma mantenedora que abarca colégios, escolas sociais e universidade de dimensão internacional, e dentre seus objetivos educacionais está a implementação de uma educação de qualidade através de projetos educacionais e pedagógicos, que sejam transformadores e incentivem a formação integral, o protagonismo, a cultura e a consolidação de valores. A escola está alocada em território identificado como de alta vulnerabilidade socioeconômica, e realiza atendimento a 780 crianças e adolescentes com idade entre os 6 e 18 anos, cujas famílias se encontram em situação de pobreza. Os educandos são atendidos no ensino básico, e a escola funciona nos três turnos (matutino, vespertino e noturno), oferecendo no período de contraturno a possibilidade de participarem de projetos socioeducativos e lúdicos que compõem o currículo escolar.
As Práticas Restaurativas foram implantadas na escola a partir do ano de 2018, quando um grupo de educadores realizou um curso de extensão oferecido pela instituição em parceria com uma universidade brasileira. A partir de então, a equipe da escola aprofundou o seu conhecimento em estudos e investigações a fim de compreender melhor esta prática, seus princípios, objetivos e metodologias. Importante destacar que a mantenedora da escola aderiu a esta perspectiva e disseminou um ciclo de formações, orientações e documentos para que as unidades escolares implementassem em seu cotidiano a inserção das Práticas. Assim, constituiu diretrizes próprias que estão alinhadas com a Base Nacional Curricular Comum da Educação Brasileira (Ministério da Educação, 2018), os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e o Pacto Global Educativo. Estes documentos citados também foram incluídos no Projeto Político Pedagógico e no Plano de Formação Contínua da escola.
O retorno presencial gradual à escola, após o período pandêmico em que as aulas foram interrompidas devido a necessidade de isolamento para conter a disseminação do COVID-19, apontou para a equipe a urgência de fortalecer as Práticas Restaurativas na escola, pois as relações de convivência e empatia foram diretamente afetadas pelo isolamento e pelas diversas questões sociais e vulnerabilidades que se expressaram neste período. Sendo assim, trabalhar para o fortalecimento da convivência foi premissa para a equipe escolar no retorno às aulas.
Para o desenvolvimento do Projeto Escola Restaurativa foram utilizadas várias estratégias, como a formação de docentes e dos demais colaboradores da escola em Práticas Restaurativas, abordando a comunicação não-violenta, mediação de conflitos e formação de facilitadores em círculos restaurativos. O projeto político pedagógico foi revisitado a fim de dar luz à formação integral dos sujeitos de forma a emancipá-los. Sendo assim, as metodologias ativas, colocando o educando no centro do processo de aprendizagem, tornaram-se peça importante para momentos de trabalho colaborativo.
O regimento escolar foi reanalisado, a fim de que não seja um instrumento punitivo, mas formativo para os educandos, que possibilite a reflexão e reparação de danos de forma respeitosa, ética e consensual. A exemplo estão as estratégias utilizadas em casos em que educandos estragam determinados objetos ou móveis da escola de forma consciente. No primeiro momento, poderia se pensar em ações de punição pautadas na advertência ou suspensão escolar sem levar o educando a pensar sobre seu ato. Na perspectiva adaptada do regimento, a primeira ação a ser realizada neste caso é o diálogo com o educando e sua família a respeito dos danos causados e concientização de seu papel no espaço coletivo da escola, levando a reflexão da perspectiva individual para a coletiva. Após a ação reflexiva e de conscientização, o regimento prevê que educando, sua família e equipe escolar pensem em ações práticas para a reparação do dano, conserto ou compensação de alguma forma do prejuízo causado a si e aos outros, seja por atitudes de conserto, substituição ou serviços que demonstrem sua responsabilidade de retornar de forma benéfica o prejuízo que causou.
Uma metodologia muito importante e libertadora para a prevenção e/ou resolução de conflitos é o desenvolvimento dos círculos restaurativos ou círculos de paz. Periodicamente, os docentes realizam com suas turmas momentos de círculos. A fala, a escuta e a empatia permeiam as reflexões. Esta metodologia dos círculos tem sido muito presente e reorganizada em função do espaço-tempo escolar. Os círculos são momentos em que se pode refletir e dialogar sobre temas e assuntos emergentes entre os educandos e que atravessam o espaço escolar. Temas como respeito, amizade, sentimentos, família, autovalorização, diversidade étnico-racial e de gênero, violência, autoproteção e comunidade são muito frequentes nestes momentos. O círculo ocorre a partir de perguntas norteadoras que levam os educandos a dialogar e expressar opiniões, sentimentos, sugestões e ideias. Conflitos existentes no espaço escolar também são temas dos círculos, momento em que os educandos são instigados a pensar e propor estratégias e ações de resolução a partir da Cultura de Paz.
A fim de monitoramento e avaliação desta prática, a equipe debruçou-se cuidadosamente em registrar de forma escrita os encontros de formação realizados com educadores (atas, memoriais e portefólios), e utilizou-se recursos visuais e tecnológicos como o registro fotográfico, filmagens e depoimentos gravados dos participantes.
Uma outra estratégia de monitoramento foi iniciar um exercício de quantificação do número de advertências e suspensões aplicadas em cada semestre, controle que é realizado pela coordenação pedagógica e/ou assistência pedagógica da escola, e que são controladas por uma planilha mensal das advertências expedidas. Este controle ajudou a equipe a perceber que, ao longo dos meses, as reincidências e número de advertências foram diminuindo e se tornaram menos frequentes em relação ao período em que a escola não trabalhava na perspectiva restaurativa.
No que concerne às questões acadêmicas e pedagógicas, percebe-se que o trabalho também possui resultados. Anualmente, a equipe analisa a nota qualificada dos educandos para analisar o índice de aprendizagem, pois acredita-se que a implantação das Práticas Restaurativas na escola visa a mudança do espaço escolar a partir da uma nova cultura pautada na paz, na horizontalidade, no respeito, empatia, sociabilidade e resolução de conflitos, que possam afetar o desenvolvimento do processo de aprendizagem no espaço escolar.
Nesta experiência, percebe-se inúmeros impactos positivos e efetivos no cotidiano escolar; porém é elementar apontar alguns desafios no que concerne aos contextos macro e micro estrutural com os quais a escola está envolvida. Em relação ao contexto macro, aponta-se para o contexto de ataque à democracia, esfacelamento dos direitos, retração das políticas públicas e sociais, e avanço das políticas neoliberais que afetam a política educacional, ainda mais se tratando de países em desenvolvimento como o Brasil, que são subordinados aos interesses do mercado e Estado na organização e gestão de políticas públicas e sociais. Gentili (2013), em seu texto, traz uma abordagem crítica sobre a influência direta do neoliberalismo na área educacional, chamando atenção para a necessidade de um olhar atento às questões que, muitas vezes subjetivas, não demonstram as estratégias do mercado e interesses do poder na influência dos objetivos e resultados que se esperam para a educação. Tal contexto afeta diretamente as matrizes e currículos educacionais, tendendo para o retorno da educação bancária e corretiva, promovendo a exclusão dentro do espaço educativo.
A inserção de uma nova prática escolar pautada na paz e na sociabilidade, muitas vezes, encontra-se em contramão da realidade vivenciada por crianças e adolescentes, principalmente aqueles que residem em locais permeados pela violência, conflitos, relações de poder, desigualdades e injustiças sociais. O desafio está em educar para uma nova consciência coletiva singular à realidade expressa no cotidiano dos territórios. Além deste, aponta-se para o desafio constante da formação e capacitação junto aos educadores, e espaços-tempo de qualidade para refletir a dimensão e profundidade dessa prática, contribuindo para a quebra de uma consciência e perspectiva de educação enraizada na punição, violência e no manejo de conflitos.
Por fim, defendemos a urgência do aprofundamento de estudos e investigação acadêmica voltados para as Práticas Restaurativas e a cultura de paz, fortalecendo a base teórico-metodológica e crítica sobre o tema, a fim de subsidiar e fomentar para o campo prático possibilidades de trabalho dentro das escolas e em demais setores da sociedade. Assim, conforme Lima (2020), é possível adquirir novas perspectivas de resolução pacífica dos conflitos que favoreçam o enraizamento da cultura dos Direitos Humanos.
Conclusão
A opção por formas descentralizadas de poder é um desafio latente e constante que precisa ser revisitado no cotidiano da prática escolar, a fim de superar a cultura de punição e violência que ainda predomina nas relações na sociedade. A leitura crítica e conjuntural das relações de poder sociais geridas pelo sistema vigente transmite ideias e valores pautados na punição, violência e exclusão. A educação enquanto política pública não está isenta dos reflexos desta relação, e formata-se a partir da perspectiva dos interesses do mercado e ideias neoliberais. Torna-se, assim, imprescindível que equipes de gestão e os autores escolares obtenham capacidade crítica para refletir sobre tais questões e ressignificar práticas violentas que refletem na organização escolar. Assim, a escola, sendo um locus de formação para a vida e cidadania, tem o desafio de pensar estratégias diferenciadas que busquem romper com a instituição da violência.
As Práticas Restaurativas possuem uma abordagem que propicia pensar novas formas de relação social e resolução de conflitos, a partir de valores como o respeito, equidade, justiça, solidariedade e alteridade. Quando implantadas no espaço escolar, podem contribuir com a ressignificação das relações sociais e comunitárias.
Este relato de experiência demonstra uma nova perspectiva em construção que tem sido realizada em uma escola brasileira, a partir da iniciativa de educadores que refletem e tentam no cotidiano ressignificar, junto com educandos, práticas de violência enraizadas nas ações individuais e coletivas. O trabalho tem sido realizado não somente nas práticas, mas também nos processos de estudos, aprofundamento da teoria das Práticas Restaurativas, formações com os educadores, famílias e atividades com educandos.
É certo afirmar que, por se tratar de Práticas que visam a Paz, os desafios que se põem são diversos, pois tal perspectiva se contrapõe a práticas autoritárias e violência enraizadas, e que têm sido veementemente reforçadas no âmbito social e cultural dos tempos atuais. Porém, este relato busca elucidar possíveis ações e Práticas Restaurativas, que podem ser implementadas dentro das escolas, a fim de lidar com os conflitos e violências que se expressam neste espaço.
Referências
- Backers, D. S. (2012). Vivência teórico-prática inovadora no ensino de enfermagem. Escola Anna Nery, 16(3), 597-602.
- Belletti, T. F. (2021). Justiça restaurativa, liderança moral e clima escolar: Perceções de profissionais de educação em posições de liderança [Dissertação de mestrado, Instituto Universitário de Lisboa]. Repositório do ISCTE. https://repositorio.iscte-iul.pt/handle/10071/24118.
- Boyes-Watson, C., & Pranis, K. (2011). No coração da esperança: Guia de práticas circulares – O uso de círculos de construção da paz para desenvolver a inteligência emocional, promover a cura e construir relacionamentos saudáveis. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Departamento de Artes Gráficas.
- Carvalho, M. E., & Morais, G. M. (2019). Dos castigos escolares à construção de sujeitos de direito: Contribuições de políticas de direitos humanos para uma cultura da paz nas instituições educativas. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 27(102), 24-46.
- Charlot, B. (2013). A mistificação pedagógica: Realidades sociais e processos ideológicos na teoria da educação. Cortez.
- Clawson, K., Davis, A., & Gerewitz, J. (2014). The promise of restorative practices to transform teacher-student relationships and achieve equity in school discipline. Journal of Educational and Psychological Consultation, 26(4), 325-353.
- Freire, P. (2015). Pedagogia da autonomia. Paz e Terra.
- Gentili, P. (2013). Pedagogia da exclusão: Crítica ao neoliberalismo em educação. Vozes.
- Kolstrein, A. M., & Bravo, J. M. P. (2015). Educación en derechos humanos: Una propuesta para educar desde la perspectiva controversial. Comisión de Derechos Humanos del Distrito Federal.
- Ministério da Educação, Brasil (2018). Base nacional curricular comum da educação brasileira. Ministério da Educação.
- Paro, V. (2013). Crítica a estructura da escola. Cortez.
- Pranis, K. (2011). Círculos de justiça restaurativa e de construção de paz: Guia do facilitador. AJURIS.
- Rosenberg, M. B. (2006). Comunicação não violenta. Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. Ágora.
1 | Assistente Social. Doutoranda em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo. Escola Social Marista Ir Rui Ribeirão Preto/São Paulo. |
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2 | Assistente Pedagógica. Especialista em Escola Restaurativa com Enfoque em Direitos Humanos pela PUC do Paraná. Marista Escola Social Marista Ir Rui Ribeirão Preto/São Paulo. |
3 | Pedagoga e Diretora. Doutoranda em Educação pela UNIMEP de Piracicaba São Paulo. Marista Escola Social Ir Rui Ribeirão Preto/São Paulo. |
4 | Professora Doutora do Programa de Enfermagem em Saúde Pública da Universidade de São Paulo. |
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