Marlon Antonio Bianchini[1]Graduado em História pela Universidade de Santa Cruz do Sul. Educador na Escola Família Agrícola de Vale de Sol., Aline Mesquita Corrêa[2]Doutoranda em Educação na Universidade de Santa Cruz do Sul. Bolsista Prosuc CAPES II. & Roberto Kittel Pohlmann[3]Doutorando em Educação na Universidade de Santa Cruz do Sul. Educador na Escola Família Agrícola de Vale de Sol. Bolsista BIPSS/UNISC.
Resumo:
As reflexões que apresentamos integram uma pesquisa participante, comungada junto à Escola Família Agrícola de Vale do Sol (EFASOL), localizada no Vale do Rio Pardo, no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. O objetivo da investigação é compreender os desafios e possibilidades do diálogo freiriano na relação de do-discência com os/as agricultores/as, em tempos de pandemia da COVID-19, na EFASOL. Metodologicamente participamos, virtualmente, de diferentes momentos da Pedagogia da Alternância na referida escola, os quais destacamos: aulas e colocações em comum. Mesmo com o distanciamento social, identificamos que a EFASOL manteve comunicação, problematização e interação dialógica com os/as do-discentes, valorizando os saberes populares e a experiência articulada à vida camponesa. A análise dos achados da pesquisa nos permitem compreender que a práxis dialógica freiriana na EFASOL converge com a trama de uma educação crítica, rompendo com a visão tradicional da extensão do conhecimento.
Palavras-chave: Pedagogia da Alternância; Educação Crítica; Práxis Dialógica; Educação do Campo; Do-discência.
Abstract:
The reflections we present are part of a participatory research, shared with the Escola Família Agrícola de Vale do Sol (EFASOL), located in Vale do Rio Pardo, in the State of Rio Grande do Sul, Brazil. The objective of the investigation is to understand the challenges and possibilities of Freire’s dialogue in the do-discence relationship with farmers, in times of the COVID-19 pandemic, at EFASOL. Methodologically, we participated, virtually, in different moments of the Pedagogy of Alternation in that school, which we highlight: classes and placements in common. Even with the social distancing, we identified that EFASOL maintained communication, problematization and dialogic interaction with the students, valuing popular knowledge and the experience articulated with peasant life. The analysis of the research findings allows us to understand that Freire’s dialogical praxis at EFASOL converges with the plot of a critical education, breaking with the traditional view of the extension of knowledge.
Keywords: Pedagogy of Alternation; Critical Education; Dialogic Praxis; Rural Education; Do-discence.
Resumen:
Las reflexiones que presentamos son parte de una investigación participativa, compartida con la Escola Família Agrícola de Vale do Sol (EFASOL), ubicada en Vale do Rio Pardo, en el Estado de Rio Grande do Sul, Brasil. El objetivo de la investigación es comprender los desafíos y posibilidades del diálogo de Freire en la relación de dodiscencia con los agricultores, en tiempos de la pandemia del COVID-19, en la EFASOL. Metodológicamente participamos, de manera virtual, en diferentes momentos de la Pedagogía de la Alternancia en esa escuela, de los cuales destacamos: clases y prácticas en común. Aún con el distanciamiento social, identificamos que EFASOL mantuvo comunicación, problematización e interacción dialógica con los estudiantes, valorando el saber popular y la experiencia articulada con la vida campesina. El análisis de los hallazgos de la investigación permite comprender que la praxis dialógica de Freire en EFASOL converge con la trama de una educación crítica, rompiendo con la visión tradicional de la extensión del saber.
Palabras clave: Pedagogía de la Alternancia; Educación Crítica; Praxis Dialógica; Educación Rural; Hacer-discence.
Introdução
Ao comemorarmos o centenário de Paulo Freire, no ano de 2021, percebemos o quão atual é o seu pensamento político-pedagógico. Seu legado de uma educação libertadora, transformadora e engajada com as lutas sociais pelo ser mais, reverbera em nosso tempo presente e nos encoraja ao esperançar. Esperançar este que se traduz em sonhos, que sonhamos juntos e juntas todos os dias, por um mundo no qual as pessoas possam estar sendo a partir de seu próprio lugar de existência e (re) existência. Além disso, compreendemos que se trata de um momento oportuno para revisitarmos o pensamento do educador brasileiro e colocá-lo em diálogo com o nosso tempo histórico, reinventando-o a partir das leituras que fazemos do mundo e da realidade em que nos constituímos, juntamente com as gentes que andarilham conosco e comungam por uma sociedade justa.
Nascido em 19 de setembro de 1921 na cidade de Recife, no estado de Pernambuco, no Brasil, Paulo Freire tornou-se mundialmente conhecido, porque, como ele mesmo afirmou: a “minha recificidade explica a minha pernambucanidade assim como a minha pernambucanidade explica a minha brasilidade, a minha brasilidade explica a minha latinoamericanidade e a minha latinoamericanidade me faz um homem do mundo” (Freire, 2014, p. 82). Ou seja, a sua relação orgânica e dialógica com a sua realidade, com o seu dizer a sua palavra a partir de seu lugar, de sua recificidade, o permitia ser um cidadão do mundo.
Essa compreensão de Freire (2014), acerca de sermos homens e mulheres do mundo mediatizados uns com os outros e outras, a partir de nossa realidade histórica, está presente em sua defesa de uma inserção crítica dos sujeitos e sujeitas na materialidade de suas vidas (Freire, 1976). Essa inserção, para tanto, é o que lhes permite atuar como agentes de mudanças essenciais para a transformação da situação que os oprime. A desumanização e as condições sociais injustas, nesse sentido, ferem a vocação ontológica para a libertação, o que nos permite identificar que a pandemia, pela Covid-19, que está presente em nosso cotidiano desde meados de 2020, expõe e intensifica, cada vez mais, um contexto de violência e “coisificação” de todos aqueles e aquelas que têm sido, historicamente, considerados e tratados como inferiores (Freire, 1987).
Esse cenário, portanto, se apresenta e se constitui por meio de opressões antidialógicas e de ser menos. Contudo ao conhecermos o pensamento político e pedagógico de Freire e compreendermos o esforço crítico e coletivo da Escola Família Agrícola de Vale do Sol (EFASOL)[4]No estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, em 2009 é instituída a Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (EFASC), inaugurando a Pedagogia da Alternância, como uma reinvenção pedagógica … Continue a ler pela continuidade do diálogo, mesmo em tempos pandêmicos, como uma dimensão comunicativa e reflexiva, entendemos que se trata de um ato de resistência crítica. Ou seja, porque “o diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o “pronunciam”, isto é, o transformam, e, transformando-o, o humanizam para a humanização de todos” (Freire, 1976, p. 28), permitindo às pessoas dizerem a sua palavra a partir do lugar em que constituem-se como sujeitos e sujeitas de sua própria história.
As reflexões que apresentamos neste artigo integram uma pesquisa participante, que vem sendo comungada junto à EFASOL, que é uma Escola Família Agrícola (EFA) localizada em Vale do Sol, município do Vale do Rio Pardo, região central do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, e que coaduna o curso de Ensino Médio à formação Técnica em Agricultura, com viés ecológico[5]Ecologia, segundo Leonardo Boff (2008, p. 21) relação, inter-ação e diálogo de todas as coisas existentes (viventes ou não) entre si e com tudo o que existe, real ou potencial. A ecologia não … Continue a ler. Essa escola do campo foi instituída no ano de 2014, a partir da Associação Escola Família Agrícola de Vale do Sol (AEFASOL), com o objetivo de constituir uma educação contextualizada, crítica e problematizadora por meio da Pedagogia da Alternância[6]A Pedagogia da Alternância emerge no interior da França, em 1935, momento no qual a insatisfação dos e das estudantes com a escola, assim como o desejo de parar de estudar, fez com que pais, … Continue a ler, juntamente com os filhos e filhas de agricultores e agricultoras do município sede e arredores.
Historicamente, a acolhida da Pedagogia da Alternância em solo brasileiro é demarcada pelo contexto de fechamento democrático, pelo êxodo rural e pelas lutas anti o estado social de repressão, na época instaurado. Tais acontecimentos aproximaram essa pedagogia da Educação Popular e do pensamento político-pedagógico de Freire, assim como da Pedagogia do Oprimido (Freire, 1987) e, por conseguinte, da Pedagogia Socialista (Pistrak, 2011). Com isso, a “Pedagogia da Alternância articula diferentes espaços e tempos educativos, teoria e prática, ensino e pesquisa, trabalho e educação, escola e comunidade visando garantir o direito à educação dos sujeitos do campo” (Molina & Freitas, 2011, p. 115).
O objetivo de nossa investigação foi o de compreender os desafios e possibilidades do diálogo freiriano na relação de do-discência[7]Para Freire (1987) a educação dialógica, crítica e problematizadora se alicerça na compreensão de que a docência e a discência são processos indissociáveis, pois “quem ensina aprende ao … Continue a ler com os agricultores e agricultoras, em tempos de pandemia da COVID-19, na EFASOL. A relação de do-discência, conforme Freire (1999), é permeada pela indissociabilidade de quem ensina e aprende ao ensinar, e de quem aprende e ensina ao aprender, sendo, portanto, processos concomitantes e que dialogam com a tríade ação-reflexão-ação crítica da Pedagogia da Alternância.
Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa qualitativa, de cunho participante (Brandão, 1990) em que três estudantes[8]Os sujeitos participantes da investigação são estudantes da EFASOL que consentiram eticamente a participação na pesquisa. Além disso, os participantes são identificados como Estudante A, … Continue a ler da referida escola compartilharam seus saberes, instigados pelo instrumento pedagógico Plano de Estudos, através de plataformas virtuais, nos diferentes momentos da Pedagogia da Alternância na EFASOL, os quais destacamos as aulas e os momentos de colocação em comum. Ainda, recorremos à análise freiriana dos achados da pesquisa para problematizar a reinvenção do diálogo na Escola Família Agrícola (EFA), em tempos de pandemia (Freire, 1987).
Este instrumento pedagógico consiste numa proposição de pesquisa, organizada a partir do Plano de Formação e apresentada pelos/as monitores aos/às estudantes no final de cada sessão escolar, com propósito de realização durante a sessão familiar e retorno aos colegas e monitores/as na próxima sessão escolar, por meio dos Círculos de Cultura. Isto é, realizada a pesquisa, o/a estudante, partilha, por meio da colocação em comum, as experiências e as feituras inscritas em sua realidade concreta.
No decorrer dos anos, percebemos, pela vivência, que o Plano de Estudos se configura em potente possibilidade de partilha e diálogo, especialmente por enfatizar os saberes populares dos povos do campo, que, num contexto de escolas urbanas, são negligenciados. Selecionamos três experiências de dialógicas para esta escrita, que estão imbricadas em três dimensões das relações que se estabelecem entre a manutenção da vida na agricultura, a produção do conhecimento e a natureza, as quais são: recursos naturais, utilizando-se da forquilha para localizar o fluído da vida na propriedade; meios de produção, por meio da realização da poda em frutíferas; e relações com antigamente, trazendo as influências das fases da lua sobre o plantio. Em todas estas dimensões, estão presentes os saberes ancestrais e da experiência feita, que são dialogicamente problematizados e refletidos na articulação família-escola-comunidade, conforme aprofundaremos no decorrer do presente texto.
A reinvenção do diálogo na Escola Família Agrícola de Vale do Sol
O diálogo pressupõe radicalidade para ser autêntico e crítico-libertador. Isso se expressa em um conjunto de reflexões sobre extensão ou comunicação, a partir da experiência de Paulo Freire com camponeses e camponesas no Chile, onde o educador popular se preocupa com o trabalho educativo do agrônomo, discutindo que este deve atuar educando e educando-se junto aos povos do campo. Ou seja, Freire (1976) identifica que há uma especificidade em ser homem e mulher do campo na América Latina, problematizando questões como a transmissão do conhecimento, a invisibilidade de práticas e saberes populares, a invasão cultural e a dominação que estão presentes em uma perspectiva extensionista, sendo o diálogo uma possibilidade de escuta atenta dos outros e outras.
Para tanto, Freire não se debruçou especificamente sobre a educação do campo, mas entre a denúncia de uma educação bancária e antidialógica e o anúncio de uma pedagogia do e da oprimida, baseada no diálogo e criticidade. Identificamos que há uma visão social de mundo (Löwy, 1996) voltada para humanização de todos e todas que historicamente foram, e têm sido, demitidos de suas próprias vidas (Freire, 1987). Tal perspectiva, portanto, também está presente na educação do campo e, por conseguinte, na EFASOL que por meio da feitura de uma educação contextualizada ao território camponês, junto com os e as jovens agricultoras, se engaja com a co-criação de práxis que encoraja os e as estudantes a lerem o mundo a partir do seu lugar no mundo (Freire, 1987; Santos, 2005). A Educação do Campo, desse modo, conforme Caldart, Pereira, Alentejano & Frigotto (2012) pode ser entendida:
[…] como um fenômeno da realidade brasileira atual que somente pode ser compreendido no âmbito contraditório da práxis e considerando seu tempo e contexto histórico de origem. A essência da Educação do Campo não pode ser apreendida senão no seu movimento real, que implica um conjunto articulado de relações (fundamentalmente contradições) que a constituem como prática/projeto/política de educação e cujo sujeito é a classe trabalhadora do campo (Caldart, Pereira, Alentejano & Frigotto, 2012, p. 16).
Ou seja, refere-se a uma educação que é feita com os e as estudantes, jovens agricultores e agricultoras, sempre tendo a realidade como ponto de partida, constituindo-se como uma práxis social. Tal práxis implica posicionar-se com os homens e mulheres do campo anti todas as estruturas que os desumanizam e atuam para a necrofilia de seus saberes e práticas que perpassam gerações e que os situam no seu tempo histórico (Freire, 1987).
Na EFASOL, a Educação do Campo acontece engajada com a luta pela humanização do mundo, ou seja, pautada na compreensão de que é necessário superarmos todas as formas de opressão que se perpetuam por meio da exploração da força de trabalho, da natureza e das pessoas. Nesse sentido, as práxis educativas constituídas na EFA estão voltadas para o meio rural, contudo as reflexões e problematizações que são tramadas no cotidiano atuam na defesa de que todas as pessoas possam alcançar a libertação. Isto é, a possibilidade de superarem as condições de vida que os impedem de pensarem por si mesmos.
Ainda, por meio da Pedagogia da Alternância, a EFASOL trama os seus próprios caminhos desde 2014, quando oficialmente abre as portas. Porém, anos antes, em 2012, iniciaram as articulações a partir da demanda dos e das agricultoras da região, com o objetivo de fundar uma EFA no município. Com o apoio do setor público, de movimentos sociais, egressos da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (EFASC) e da comunidade, funda-se uma associação que viria a ser a instituição que mantem a escola. Confirma-se, portanto, que a EFASOL é primeiramente uma demanda dos agricultores e agricultoras, cujo processo de emancipação coloca-os como verdadeiros atores de sua própria história. Passados dois anos de articulação e organização a EFASOL é inaugurada no dia 10/03/2014.
O processo de alternância nesta EFA se dá, de forma prática, quando os e as jovens passam uma semana em sessão escolar (tempo escola) e uma semana em sessão familiar (tempo família). Desde sua fundação, a escola trabalha constituindo uma trajetória de educação do campo contextualizada à realidade de jovens oriundos e oriundas de 15 municípios dos territórios do Vale do Rio Pardo, da região Central, do Centro-Serra, do Alto Jacuí e do Alto Botucaraí. A inserção nestes territórios marca a diversidade produtiva, geográfica, social e cultural dos e das estudantes que compõem a escola. Nesse contexto, “a EFA busca, ainda, assegurar a formação humana desses sujeitos e o desenvolvimento do campo com sustentabilidade” (Molina & Freitas, 2011, p. 115). A realidade vivida por estes e estas jovens remonta a história destas regiões, cujos saberes e costumes se partilham na medida em que eles e elas põem-se em contato, uns com os outros e outras.
Como já sinalizamos acima, na introdução, o contexto da pandemia pela Covid-19 intensificou e deixou ainda mais evidente a perspectiva antidialógica, bancária e opressora que historicamente estiveram presentes em nossa sociedade. No âmbito educacional, o ensino remoto e, por conseguinte, as condições desiguais de acesso à internet e às ferramentas necessárias para o acompanhamento das aulas nos permitem identificar que estamos vivendo um momento oportuno para o que Freire (1987) denunciava como um depósito de conteúdos alienantes. No campo, ou seja, no meio rural as dificuldades de acesso e permanência no ensino remoto também são perceptíveis e tendem a ser ainda mais profundas que no meio urbano.
Contudo, mesmo diante da realidade penumbrada e ofuscada pelas estruturas que tendem a distorcer a vocação de sermos sujeitos, existem experiências educativas resistentes que têm atuado em contraposição à desumanização e a opressão vigentes, fazendo emergir práxis libertadoras e sonhos possíveis nesse inédito-viável em que nos encontramos (Freire, 1987). Nesse sentido, a EFASOL está entre estas experiências que insistem rebeldemente por caminhos de historicidade, criticidade e diálogo. Com isso, a construção de uma relação de do-discência dialógica implica em “[…] vivenciar o diálogo. Ser dialógico é não invadir, é não manipular, é não sloganizar. Ser dialógico é empenhar-se na transformação constante da realidade” (Freire, 1976, p. 28).
A luta pela permanência do diálogo, ainda que reinventado pelas condições decorrentes da pandemia, se justifica pela necessidade permanente de estarmos comprometidos e comprometidas com um mundo justo, constituído por pessoas conscientes de seu inacabamento e de sua vocação ontológica para o ser mais. O diálogo implica, também, em uma pesquisa sobre o “universo temático do povo ou o conjunto de seus temas geradores” (Freire, 1987, p. 106) para que, assim, a realidade possa ser problematizada e transformada. Nesse sentido, a seguir problematizaremos nossas reflexões e análises a partir da materialidade do diálogo na EFASOL, a partir das experiências de estudantes dizendo a sua palavra.
O diálogo e a partilha de saberes
Os saberes, historicamente produzidos como ausentes, tornam-se dialogicamente presentes na experiência da EFASOL e são partilhados por meio do plano de estudos. Este instrumento pedagógico é acompanhado de uma colocação em comum, tratada aqui também como círculo de cultura. Assim, os e as estudantes, quando em sessão familiar (tempo família), realizam a observação sobre uma determinada temática na propriedade e a registram em seu plano de estudos.
Na Pedagogia da Alternância, o plano de estudos se constitui como um dos instrumentos pedagógicos que articula a relação dialógica entre escola, estudantes e família. É através dele que se organizam os diferentes tempos e espaços de estudos por meio da construção coletiva porque o Plano de Estudos é elaborado no tempo escola, desenvolvido no tempo comunidade e socializado no tempo escola, tendo a reflexão crítica e problematizadora freiriana como elemento central para a leitura do mundo, da realidade e da palavra.
Esta observação descrita no plano de estudos, cujo objetivo é registrar essas experiências de aprendizagem em casa, é problematizada durante a sessão escolar (tempo escola) por meio da colocação em comum. Este é um dos momentos de troca e ampliação de saberes no que diz respeito aos conhecimentos, já que ali os próprios sujeitos do campo são protagonistas de sua própria história. Durante este ano de 2021, com as aulas remotas, esta socialização aconteceu através de plataformas digitais, oportunizando uma reinvenção do diálogo freiriano que, neste caso, não se esvaiu frente aos desafios impostos ao ensino.
Nesse sentido, as aulas e os Círculos de Cultura aconteceram por meio de encontros virtuais, tendo como suporte áudio e vídeo nos momentos de atividades síncronas. Ou seja, diante da impossibilidade dos encontros presenciais a EFA buscou se reinventar, mantendo seus momentos de diálogo. Dessa partilha, vinculada às observações descritas no plano de estudos, emergem os temas geradores que chegam até a EFASOL e são essenciais para o processo de conscientização e de resgate de saberes que estreitam as relações entre os homens, as mulheres e a natureza por meio da observação da terra, da lua, dos animais e outros fenômenos. Ao compreenderem-se como protagonistas e co-transformadores do mundo, atuam para a superação da agricultura capitalista que tende a ignorar estes saberes populares ao impor seus pacotes tecnológicos, como é o caso da “Revolução Verde”[9]Conforme Pereira (2012), a Revolução Verde surgiu, na década de 1950, com o objetivo de garantir a oferta de alimentos a fim de solucionar a fome, no período do pós-guerra. A Revolução Verde, … Continue a ler.
Esta pronúncia da realidade, em que estudantes inscrevem suas experiências de ser/estar sendo no mundo e com o mundo, pode ser compreendida vinculada no cotidiano da EFASOL. Trata-se de um momento de comunicação dos saberes construídos a partir de várias gerações e que até os dias atuais ainda permeiam a vida dos e das agricultoras. Tal dialogicidade pode ser identificada no relato do Estudante A, do primeiro ano do Ensino Médio:
Para mim foi muito importante poder mostrar o que consigo fazer com uma forquilha para achar água. Por ser aula a distância e virtual tive a ajuda de minha mãe para poder mostrar e explicar meu saber popular, que era muito usado antigamente. Ela “filmo” em plena aula meu saber, em tempo real, onde mostrei o quanto gira a forquilha e também a profundidade que devemos cavar para encontrar a água. [Funciona assim]: corto uma forquilha, seguro com as mãos no vértice virado para baixo e caminho pelo terreno, e, no momento em que encontro água a forquilha gira para baixo até chegar o local exato. Aí eu paro e volto de costa, medindo os passos para verificar qual será a profundidade do poço, no momento que a forquilha voltar à posição inicial. Foi muito bom compartilhar com meus colegas e professor, me senti valorizando os saberes populares que pessoas usavam antigamente. Percebi que tinha este saber quando vi um senhor de idade achar água com uma forquilha de pessegueiro. Eu consigo achar com qualquer espécie de forquilha de árvore. Inclusive, conseguimos achar água e fazer uma cacimba bem no pátio da minha casa com este saber popular.
O Estudante A é filho de agricultores familiares residentes no município de Passa Sete-RS. Ele, na condição de estudante, discorreu que em sua propriedade a família consegue resolver o problema hídrico, utilizando um saber popular antigo. O relato é muito representativo, pois o menino, junto de sua mãe, reproduziu um saber popular para outros 26 jovens, seus colegas, que estavam em suas propriedades, acompanhando a aula através de um computador ou celular. Esta contribuição gerou diversas reflexões e perguntas, já que este saber estava naquele momento sendo resgatado e compartilhado para que outras pessoas possam utilizar desta técnica para solucionar alguns problemas em sua propriedade. Eram poucos os estudantes que conheciam este saber, mas aqueles que já haviam tido contato com esta experiência confirmaram a veracidade da mesma.
A ciência hegemônica, atualmente, não dá conta de explicitar todos os motivos pelos quais a forquilha enverga ao encontrar algum resquício subterrâneo de água. Somado a isso, sabe-se que o fenômeno não se realiza a partir de todas as pessoas. Diz-se popularmente que existe uma conexão entre a terra, a forquilha e o sujeito que realiza a atividade. Há também que se destacar a crendice envolvida na busca pela água.
Essa prática utilizada por esse estudante resolve os problemas hídricos da propriedade em tempos de seca, e, ao ser problematizada por meio do diálogo, torna-se presente numa educação libertadora e humanizadora que vincula o pensar crítico e a comunicação. Ou seja, é possível dizer que mesmo diante das limitações impostas pelas câmeras, microfones e internet, assim como a impossibilidade de presença física, os preceitos do diálogo freiriano são mantidos, reinventados e adequados ao contexto da escola.
Nesse sentido, Santos (2002) e Freire (1987) discorrem que existem critérios que definem o saber e o não saber, constituindo uma monocultura do saber que é um modo poderoso de produção de não existência (Santos, 2002, p. 247). Assim, Freire (1987) problematiza que “não há saber mais, nem saber menos, há saberes diferentes” (Freire, 1987, p. 68) que ao serem mediatizados por homens e mulheres no mundo e com o mundo são co-criados e socializados pelo diálogo porque a “educação como prática da liberdade implica no diálogo que exige o amor, a amorosidade e a confiança na construção do lugar do conhecimento como direito de participação em outro mundo possível” (Fernandes, 2010, p. 148).
As experiências e saberes partilhados são plurais, dialógicos entre si e expressam a importância da ecologia de saberes (Santos, 2002), assim como a operacionalização da EFASOL ao tramar sua práxis posicionando-se anti o desperdício das experiências (Santos, 2002), por meio do diálogo que viabiliza a formação de “pessoas críticas, de raciocínio rápido, com sentido de risco, curiosas, indagadoras” (Freire, 2000, p. 100). Com essa perspectiva, em outro plano de estudos, que tinha como objetivo retratar os meios de produção da comunidade, um estudante novamente ressignifica o diálogo.
Em sua partilha, o jovem Estudante B, educando do segundo ano na época e residente do município de Novo Cabrais, RS, conta sobre as principais técnicas utilizadas na fruticultura em sua propriedade. Em determinado momento do diálogo, a poda das plantas no inverno torna-se a temática e o jovem profere o seguinte discurso: “lá em casa meu pai sempre diz que deve ser feito as podas no inverno e nos meses sem a letra R” Nesse momento o estudante provocou mais um profundo momento de diálogo, como ele mesmo conta a seguir:
Por estar inserido dentro de uma propriedade, onde tenho o convívio diário com meus avós, muitos dos saberes populares que eu sei, foi através do que eles relatavam/relatam para mim. Sendo que um dos mais utilizados na propriedade é a relação dos meses para poda, pois somente os meses que não possuem “R” devem ser usados, bem como deve ser evitada a Lua Nova, dando preferência às demais. O fato se dá porque o período também coincide com o solstício de inverno, onde a atividade da planta está mais calma. Além disso, pelas experiências que vivenciamos, a planta produz melhor, tanto em aspectos quantitativos como de qualidade. Poder ter relatado essas experiências em aula, no ano de 2020, durante a pandemia, foi muito bacana, pois assim pudemos observar o quanto isso ainda permeia a sociedade e o quanto isso é valioso, passando de geração em geração.
Este relato do Estudante B aconteceu em um dia de colocação em comum, instigando todos os e as demais presentes para que o diálogo acontecesse entre os e as próprias estudantes. Além disso, destacamos a curiosidade epistemológica dos educadores e educadoras, reconhecendo-se também como aprendizes nesta relação de do-discência.
Existem órgãos ambientais e secretárias municipais do meio ambiente que orientam os agricultores e agricultoras a realizarem podas programadas nos meses sem R. Segundo estes órgãos e manuais de orientação, esse período é de suma importância para a cicatrização da planta, assim como para o rebrote. Estes períodos coincidem, curiosamente, com esta forma popular de pensar essa atividade agrícola e já está internalizado pelos agricultores e agricultoras. Este, para tanto, é um saber popular construído através de várias gerações e que já estava presente no campo mesmo antes do avanço e da averiguação científica com relação aos elementos que caracterizam os meses mais indicados para o procedimento em discussão. Assim, até hoje realizar as podas nos meses em que não existe a letra R, como maio, junho, julho e agosto é assertivamente o período indicado para efetuá-las, o que nos permite problematizar a existência de uma ciência popular, oriunda do saber da experiência feita (Freire, 1987).
O Estudante B, com a provocação, além de ter proporcionado um excelente momento de troca entre os colegas, fez com que outros saberes e outros sujeitos tomassem o espaço de fala para dialogar. Foi assim com a Estudante C, educanda do terceiro ano da EFASOL, que também reside, como o Estudante A, no município de Passa Sete-RS. Ao entrar no debate, ela relatou aos e às colegas que seus avós costumam utilizar uma técnica bastante característica dos agricultores e agricultoras familiares:
Desde quando nasci, morei com meus avós. Hoje, ela [a avó] está com 70 anos e ele [o avô] com 68. Eles me ensinaram várias técnicas para trabalhar com a agricultura. Um exemplo são as fases da lua, onde utilizamos até hoje para os plantios e semeaduras. A lua crescente é para plantas que há maior necessidade de crescimento para fora do solo, a lua minguante é para plantas com a necessidade de plantio ou semeadura para dentro do solo, exemplo são os tubérculos. A lua cheia é para plantas como o tomate, onde dariam pés bastante carregados de frutos e por fim a lua nova, que geralmente não utilizamos muito como técnica de plantio. Durante o ano de 2020, no meio da pandemia do Coronavírus, tivemos momentos de aula onde conseguimos colocar em comum, com toda a turma, as técnicas das quais mantínhamos até hoje. Ver as singularidades, as diferenças e as semelhanças de cada realidade de forma totalmente virtual e poder aplicar o que foi aprendido com os colegas é algo maravilhoso de viver, principalmente nesse momento onde todos estão tão distantes.
É interessante problematizar que a definição de quais luas são mais propícias para o plantio de determinadas culturas decorre da observação empírica que os trabalhadores e trabalhadoras do campo realizam sobre a terra e a natureza. O relato da jovem estudante, expressa a importância e a necessidade de visibilizarmos outros saberes, assim como constituirmos outros critérios de rigor que, conforme Santos (2002), operam em contextos e práticas sociais declaradas inexistentes, mas que são legítimos e presentes em contextos outros.
Existem aqueles e aquelas que não creem nesse saber sobre as fases da lua e, portanto, acabam por não utilizá-lo. Outros e outras, por sua vez, acreditam e inclusive comprovam a eficácia a partir dos resultados obtidos nas suas produções. Assim, as luas crescente, cheia, minguante e nova são temas de diálogo na grande maioria das famílias dessa região caracterizada pela utilização destas técnicas que são estudadas atualmente, buscando retratar com argumentos agronômicos os fatores que fazem, por exemplo, as sementes germinarem com mais eficiência na lua cheia.
Considerações finais
As falas dos estudantes A, B e C, constituem uma pequena parcela dos saberes partilhados cotidianamente na EFASOL. A riqueza cultural e histórica dos mesmos é impossível de mensurar. Quando se trata de saberes que foram colocados em comum, mesmo em tempos de pandemia, seus significados ganham ainda mais importância, nos permitindo problematizar a existência de uma ciência outra que se trama articulada à experiência, à observação e à inserção no trabalho que também é processo educativo.
Nesse contexto de disputa entre o projeto do capital, que é predatório e desumanizante, e o projeto de uma educação do campo transformadora e dialógica, identificamos que a EFASOL realiza um importante trabalho de resgate e valorização de saberes populares que historicamente vêm sendo invisibilizados pela racionalidade hegemônica e eurocêntrica. Por meio do diálogo, nesse sentido, outros saberes e outros sujeitos passam a ser legitimados como existentes e presentes.
O resgate e a valorização destes saberes, dentro da Pedagogia da Alternância, se fortalece devido a possibilidade dos e das jovens estarem uma semana em casa e outra na escola, desenvolvendo uma relação de do-discência ao aprender/ensinar com a família e com os educadores e educadoras. Assim, pela mobilidade desta prática de alternar tempos e espaços de aprendizagem, a problematização da realidade estabelece diversas possibilidades de diálogo, tanto em sessão familiar, quanto em sessão escolar.
Os e as protagonistas deste processo, e que justificam a existência da escola, colocam-se na construção de sua própria história, utilizando a aula síncrona também como seu lugar de pronúncia da palavra. Emancipados por meio de uma proposta de educação libertadora eles e elas não se silenciam, ao contrário, estão atentos e atentas, durante estes momentos de troca, para acompanhar educadores, educadoras e colegas. E ao reinventarem o diálogo assumem sua co-feitura na construção de uma educação contextualizada com as suas vidas.
Da década de 1960 para cá, a modernização da agricultura foi chegando no espaço rural brasileiro estabelecendo uma nova dinâmica de agricultura, baseada nos princípios capitalistas. A venda do pacote tecnológico, o assistencialismo e o grande incentivo financeiro, acabou por oprimir aqueles agricultores e agricultoras que fizeram a opção por manter-se conectados à agricultura camponesa ou familiar. Aqueles que não aderiram a esta chamada “modernidade” passaram a ser interpretados como atrasados e consequentemente tiveram que se adaptar para sobreviver frente a Revolução Verde em curso. No entanto, estes agricultores e agricultoras, como costumamos chamar, resistem e encontram outras saídas para manter uma perspectiva de agricultura que respeite a história das pessoas e sua relação com o mundo.
A socialização dos saberes populares, construídos através de várias gerações, evidencia a emergência de um outro paradigma (Santos, 2002). Ou seja, recupera a compreensão crítico-problematizadora de que todos nós sabemos e ignoramos coisas, ao mesmo tempo (Freire, 1976). Desse modo, compreendemos, a partilha de saberes, problematizada neste trabalho, como um agente de mobilização das aulas, fazendo com que os e as estudantes, a partir da colocação em comum, sintam-se convidados e convidadas para comungarem por uma educação que lhes possibilite cada vez mais serem “sujeitos dialógicos cada vez mais companheiros na pronúncia do mundo” (Freire, 1987, p. 52). Assim, dialogar se torna uma premissa imprescindível para que as pessoas possam encontrar o seu posto no cosmos, assim como para o resgate de saberes e práticas ancestrais produzidas como ausentes e/ou inexistentes (Freire, 1987; Santos, 2002).
Os saberes outros que foram mantidos pelos e pelas avós tornam-se uma referência epistêmico-prática para a agricultura, principalmente, camponesa, familiar, agroecológica, biodinâmica, permacultura, entre outras. Com isso, na EFASOL os e as estudantes são incentivados a buscar e registrar estes saberes, por meio do plano de estudos, tanto para compor sua formação como técnicos em agricultura, como para assegurar a permanência e reprodução destes para as gerações futuras.
É por isso que partilhá-los é tão fundamental, e o diálogo que é o fio condutor da Pedagogia da Alternância amplia as possibilidades de anúncio da diversidade epistemológica que permeia a vida dos e das estudantes e de suas famílias. Presencialmente dentro de uma sala de aula ou à distância; segurando um computador ou um celular; à sombra de uma árvore ou bem no canto da janela, único local capaz de conectar o sinal telefônico, emerge a boniteza do diálogo freiriano. Por meio da horizontalidade os e as estudantes se engajam na construção de uma agricultura justa e que reconheça as diversidades, considerando o novo e o antigo saber como importantes.
Por fim, compreendemos que a EFASOL tem como ponto de partida e de chegada a premissa de que “só o diálogo comunica” (Freire, 1976, p. 115) e impulsiona o pensar crítico entre os homens e as mulheres mediatizados entre si, no mundo e com o mundo. Nesse sentido, entendemos que a EFA está emaranhada à vocação ontológica de sermos sujeitos, encharcando-se de uma postura dialógica que implica em uma práxis social transformadora.
Referências
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- Freire, Paulo (1987). Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
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1 | Graduado em História pela Universidade de Santa Cruz do Sul. Educador na Escola Família Agrícola de Vale de Sol. |
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2 | Doutoranda em Educação na Universidade de Santa Cruz do Sul. Bolsista Prosuc CAPES II. |
3 | Doutorando em Educação na Universidade de Santa Cruz do Sul. Educador na Escola Família Agrícola de Vale de Sol. Bolsista BIPSS/UNISC. |
4 | No estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, em 2009 é instituída a Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (EFASC), inaugurando a Pedagogia da Alternância, como uma reinvenção pedagógica freiriana (Moretti & Vergutz, 2018) na Região do Vale do Rio Pardo. Em 2014, também encharcada na pedagogia freiriana, como mencionado no texto, é instituída a Escola Família Agrícola de Vale do Sol (EFASOL). Ainda, no estado do Rio Grande do Sul, a EFASERRA (2013) e a EFASUL (2016) integram esse conjunto de escolas que tramam a educação do campo contextualizadas à realidade dos sujeitos e sujeitas deste processo educativo. |
5 | Ecologia, segundo Leonardo Boff (2008, p. 21) relação, inter-ação e diálogo de todas as coisas existentes (viventes ou não) entre si e com tudo o que existe, real ou potencial. A ecologia não tem que ver apenas com a natureza (ecologia natural), mas principalmente com a sociedade e a cultura (ecologia humana, social, etc.). Numa visão ecológica, tudo o que existe coexiste. Tudo o que coexiste preexiste. E tudo o que coexiste e preexiste subsiste por meio de uma teia infinita de relações onicompreensivas. Nada existe fora da relação. Tudo se relaciona com tudo em todos os pontos. |
6 | A Pedagogia da Alternância emerge no interior da França, em 1935, momento no qual a insatisfação dos e das estudantes com a escola, assim como o desejo de parar de estudar, fez com que pais, mães, Igreja Católica e Sindicato de Trabalhadores Rurais (Moretti & Vergutz, 2018) buscassem uma alternativa de educação que integrasse ao currículo os conhecimentos vinculados à materialidade da vida no campo. Com a criação da Maison Familie Rural (MFR), Casa Familiar Rural (CFR), a Pedagogia da Alternância andarilhou pela França e chegou em território italiano na década de 1960. Em 1968, já estava no Brasil, no estado do Espírito Santo e hoje está presente em outros países como Argentina, espalhando-se por todo o continente sendo mais presente nas Américas Central e Latina (García‐Marirrodriga & Puig‐Calvó, 2010). O modelo italiano de EFA é o que chega ao Brasil e organiza-se pelo tempo escola, na própria EFA em que ocorre a problematização e sistematização dos conhecimentos, e pelo tempo família-comunidade, que refere ao período que os e as estudantes realizam seus estudos e investigações por meio da inserção crítica no meio em que vivem. |
7 | Para Freire (1987) a educação dialógica, crítica e problematizadora se alicerça na compreensão de que a docência e a discência são processos indissociáveis, pois “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (Freire, 1996, p. 25). |
8 | Os sujeitos participantes da investigação são estudantes da EFASOL que consentiram eticamente a participação na pesquisa. Além disso, os participantes são identificados como Estudante A, Estudante B e Estudante C, pois por questão da preservação do anonimato se omitem os nomes. |
9 | Conforme Pereira (2012), a Revolução Verde surgiu, na década de 1950, com o objetivo de garantir a oferta de alimentos a fim de solucionar a fome, no período do pós-guerra. A Revolução Verde, desse modo, foi considerada, por um lado, como uma possibilidade de aumentar a produção agrícola. Por outro, foi entendida como um problema social, econômico, político, cultural, agronômico e ecológico, requerendo uma análise crítica em especial pela condição de dependência dos agricultores e agricultoras das empresas globais e de seus pacotes tecnológicos- insumos químicos, sementes de laboratório, irrigação, mecanização e a necessidade grandes extensões de terra. Ainda, acerca disso, Petersen (2012) discorre que “a Revolução Verde disseminou globalmente um novo regime tecnológico baseado na dependência da agricultura em relação à indústria e ao capital financeiro” (Petersen, 2012, p. 42). Aqueles que não aderiram ao pacote tecnológico e que resistiram à opressão deste sistema, mantiveram uma gama de conhecimentos populares cujo objetivo era solucionar problemas rotineiros da vida no campo. |