Marta Pereira Alves 1, Maria Luísa Branco 2, Rosa Carreira 3, Sónia de Sá 4, Ana Leonor Santos 5

Introdução

A CooLabora é uma organização da sociedade civil, sediada na Covilhã e que tem como princípio desenvolver os seus projetos em parceria. O Reflexo foi um dos vários projetos desenvolvidos em parceria com a Universidade da Beira Interior (UBI). Teve como objetivo refletir sobre a problemática da difícil relação entre as comunidades ciganas e a escola no sentido de encontrar respostas. Esta parceria englobou, ainda, dois municípios, um agrupamento de escolas e representantes da comunidade cigana do Tortosendo, pois era neste território que iria incidir a intervenção. O projeto foi concluído com um balanço muito positivo, tendo-se criado um recurso pedagógico aprovado e disponibilizado pela Direção-Geral de Educação.

Após finalização do projeto Reflexo, e respondendo ao desafio colocado pela rede Sinergias, a CooLabora e a UBI iniciaram um processo de reflexão sobre o trabalho desenvolvido em parceria. No presente texto, apresentamos a reflexão efetuada sobre a forma como o processo foi conduzido e respetiva avaliação do mesmo. Começa-se por contextualizar o papel das instituições de ensino superior (IES) e das organizações da sociedade civil (OSC) na educação para a cidadania global e na integração das comunidades ciganas na escola, para posterior reflexão sobre o resultado do trabalho colaborativo da OSC, a CooLabora, e da IES, a UBI, a partir de uma análise SWOT, complementada pela presença do “amigo crítico”, no caso, amiga crítica.

ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1. Educação para o desenvolvimento e cidadania global: Responsabilidade social das IES

A universidade é uma instituição com vários séculos, tendo sido a criação original da Idade Média em termos educacionais. Ao longo dos séculos, as conceções sobre a sua missão social têm oscilado entre a primazia dada à importância de uma educação teórica e científica e a obtenção de habilitações práticas, com o objetivo de assegurar a ocupação de cargos sociais. Nos finais do século passado, a Declaração Mundial sobre a Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação, saída da Conferência Mundial sobre Educação Superior, promovida pela Unesco em 1998, em Paris, acentua a responsabilidade social como um dos aspetos intrínsecos ao sistema do Ensino Superior, e em particular, das universidades (Vasilescu et al., 2010).  Esta ênfase deve ser entendida como uma crítica à mercantilização do Ensino Superior, proposta pelo Banco Mundial, sensivelmente na mesma altura. A responsabilidade social é considerada um valor importante na formação dos estudantes, no sentido de os educar para uma participação ativa, tendente à promoção de mudanças no sentido da igualdade e justiça social. Para este desiderato, é fundamental uma gestão que valorize o diálogo e a participação da comunidade universitária (Calderón et al., 2011).

No prazo de uma década, e no âmbito de uma nova Conferência sobre a Educação Superior, em 2009, a UNESCO incorporou e aceitou como válidos princípios neoliberais aplicados à educação, encontrando uma nova bandeira, a luta contra a fábrica de diplomas, valorizando a Responsabilidade Social do Ensino Superior (RSES) enquanto equilíbrio entre o liberalismo político e o económico (direitos humanos versus hipervalorização do mercado). Neste contexto, a responsabilidade social deve ser interpretada sobretudo como a luta contra as instituições que fazem formação de baixa qualidade ou de forma fraudulenta. É ainda realçada a importância de as Instituições de Ensino Superior integrarem, como objetivos, interesses públicos. Esta compreensão não colide com a visão tradicional, de inspiração weberiana, segundo a qual a RSES está relacionada com o cumprimento da sua missão enquanto produtora/sistematizadora e disseminadora do conhecimento, através do ensino, investigação e atividades de extensão, não lhe cabendo fazer opções políticas e de valor relativamente ao favorecimento ou desfavorecimento de determinados grupos sociais (Calderón et al., 2011).

Uma outra visão, que não é incompatível com a anterior, considera que cabe às Instituições do Ensino Superior (IES) resistir ao avanço do neoliberalismo, não se circunscrevendo o seu papel à preparação de profissionais, mas tendo as suas atividades um alcance social. É o caso da posição assumida por Dias Sobrinho (2015), quando defende que a universidade “é uma instituição de educação cuja finalidade é a formação em seus distintos graus e dimensões. O que lhe impende por princípio e fim é a sua contribuição na construção do mundo humano que a cada um cabe protagonizar nos planos da individualidade, da socialidade e da cidadania” (p. 583). A RSES equivale, nesta conceção, à função pública da própria Educação Superior, não se limitando à concessão de diplomas e formação de profissionais, mas desenvolvendo atividades com alcance social.

É nesta perspetiva de instauração de uma ética da responsabilidade social, que privilegia as necessidades das populações, em detrimento das exigências da economia de mercado, que entendemos a RSES, no âmbito deste trabalho. O desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico deve ser posto ao serviço do bem comum, da construção do espaço público e da coesão social. As IES têm um papel primordial no desenvolvimento de uma cidadania global, concretizada num desenvolvimento mais humano e justo.

2. Comunidades ciganas, OSC e cidadania global

As comunidades ciganas em Portugal, à imagem do que acontece nos restantes países da União Europeia, constituem o grupo étnico mais pobre, com piores condições habitacionais, menos escolarizado e principal alvo de discriminação e racismo (Comissão Europeia, 2011). Um contexto de fragilidade que, no caso nacional, tende a perpetuar-se na medida em que o Estado Português não considera as pessoas ciganas parte de uma minoria étnica, continua a classificá-las como nómadas 6 e eterniza a ausência de um diagnóstico social que permita fazer um levantamento exaustivo destas comunidades, das suas necessidades, dos seus traços culturais ou da sua heterogeneidade dentro de um país que tem uma visão massivamente estereotipada acerca ‘dos ciganos’ (Magano & Mendes, 2014).

Também a academia tem mostrado limitado interesse por este grupo étnico, com poucos investigadores e estudos sobre as comunidades ciganas e as suas diversas perspetivas de análise. Ainda que, desde 2006, se tenha registado um incremento da produção científica, “a maioria desses trabalhos são análises qualitativas e têm um caráter micro localizado em bairros e áreas geográficas específicas, faltando estudos longitudinais e dados estatísticos sobre as características e condições de vida dos ciganos portugueses” (ibid, p. 18).

Ora, diante da ausência de um diagnóstico social transversal e de investigações científicas sistemáticas e abrangentes, o espaço para a discriminação, por via de estereótipos e preconceitos, é constante, gerando um conjunto de equívocos e de olhares mais ou menos atávicos que distorcem qualquer discussão razoável sobre as comunidades ciganas em Portugal. Desde logo, sobre o número de apoios subsidiários a este grupo e, claro está, sobre o número de pessoas ciganas em Portugal. Ora, se o Estado Português não distingue este grupo étnico como tal, não há das entidades públicas dados concretos sobre a dimensão desta população (Mendes et al., 2014). Ainda assim, estima-se que esta se situe entre os 40 e 60 mil elementos, de acordo com a Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas (2013-2020).

O contexto é, assim, de grande carência no conhecimento e na satisfação das necessidades e desafios ligados às comunidades ciganas em Portugal. Aqui emerge a relevância notória das Organizações da Sociedade Civil (OSC), na medida em que surgem como resposta no terreno, nomeadamente, no apoio habitacional, alimentar, educativo, formativo, de literacia digital e de competências sociais e relacionais. A OSC na parceria aqui estudada, a CooLabora, é disto exemplo: apoia diretamente uma comunidade de mais de 200 pessoas ciganas da vila do Tortosendo, Covilhã, através, essencialmente, do Programa Escolhas 7 e de projetos de inclusão social, nomeadamente, o Fronteiras (2016) 8 e o Reflexo (2019) 9.

No estudo coordenado pela Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, Opré Chavalé (Baranyai & Kiss, 2016), destaca-se a alta iliteracia das pessoas ciganas, com maior percentagem quando a análise se limita às meninas, às raparigas e às mulheres. Ora, se a educação é o pilar fundamental do combate à pobreza e à exclusão social, e se o espaço escola continua a não ser estimulante para alunas/os deste grupo étnico (Mendes et al., 2020), a educação não formal e complementar, orientada e aplicada em contextos de proximidade pelas OCS, tem funcionado como plataforma incontornável na promoção da integração das comunidades ciganas em contextos educativos. A redução da iliteracia – off e online – revela-se, assim, uma transferência de responsabilidades do Estado para estas organizações que, sob forma de projetos, têm transformado – ainda que com um ritmo menos veloz do que as necessidades prementes destas comunidades – a existência deste grupo étnico marcado pela exclusão social e pela discriminação 10.

O Projeto Mediadores Municipais e Interculturais (97-A/2015), atualizado em fevereiro de 2018 (41/2018), surge como estratégia acrescida de apoio à integração das comunidades mais vulneráveis, através, essencialmente, de OCS preparadas para aplicarem medidas no terreno, adequando as suas ações às necessidades e às características das populações intervencionadas. Também o Programa Escolhas, com mais de uma centena de projetos aprovados por cada geração, abrange, anualmente, centenas de crianças e jovens ciganos/as e outras/os tantas/os não ciganas/os em todo o país. Também aqui o Estado delega a responsabilidade de integração e de aproximação das comunidades ciganas à escola – através da educação não formal e de diversas ações que promovam a igualdade, a dignidade, as relações interculturais e o estímulo pelo conhecimento – por via, em grande parte, das OSC. O programa tem-se destacado pelo seu impacto junto dos jovens e das famílias ciganas pela via do incentivo à inclusão escolar e à educação não formal, um dos eixos prioritários do Programa Escolhas (Fernandes, 2018).

Ainda que medidas positivas estejam em implementação em Portugal, nomeadamente, através da Estratégia Nacional para a Inclusão das Comunidades Ciganas e do Programa Roma Educa, são vários os indícios que revelam carência latente no apoio formal, com letra de lei, à literacia e à integração da comunidade cigana, nomeadamente, através de leis que proíbam a discriminação étnico-racial ou de projetos de desconstrução de estereótipos e de preconceitos ligados às pessoas ciganas em Portugal. Assim, é sobre as OCS que recai a responsabilidade de levantamento, reflexão e aplicação dos programas de apoio à integração, à literacia e à abertura à interculturalidade das comunidades ciganas em Portugal. É o exemplo da CooLabora que implementou o projeto Reflexo, que de seguida se apresenta.

ESTUDO EMPÍRICO

3. Projeto Reflexo como objeto de estudo

3.1. Conceção

O projeto Reflexo teve a sua fase embrionária num anterior projeto também ele dedicado a trabalhar com a comunidade cigana do Tortosendo e cujo foco era melhorar a sua auto-imagem enquanto comunidade, mas também enquanto pessoas integrantes de uma comunidade com uma cultura específica. Para sustentar financeiramente a ideia, apresentámos uma candidatura ao FAPE – Fundo de Apoio à Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas (ENICC), promovido pelo Alto Comissariado para as Migrações I.P. Propusemo-nos criar um recurso pedagógico que pudesse ser usado nas várias disciplinas do 2º ciclo de escolaridade e cujo objetivo era introduzir nos currículos dessas disciplinas, a história e a cultura das comunidades ciganas através de exercícios e tarefas propostas aos alunos e alunas. A sua aprovação acabou por ser a linha de partida oficial para um percurso que tinha começado antes pois já tinha sido feita a auscultação de vários atores-chave onde se incluíam pessoas adultas ciganas, crianças ciganas e não ciganas e ainda docentes que nos ajudaram a fazer um diagnóstico inicial.

Importa salientar que este recurso foi concebido de forma participada pelas crianças e jovens ciganos/as e pelos seus pais e mães, por crianças da sociedade maioritária, por docentes do ensino básico e secundário com experiência no trabalho com este tipo de público e, claro, por uma equipa técnica de áreas como a antropologia, a psicologia, as ciências da educação e a comunicação.  Para além disso, contámos com o apoio de Bruno Gonçalves, ativista cigano que tem impulsionado a entrada de jovens ciganas e ciganos no ensino superior. A sua revisão e comentários às fichas de trabalho das várias disciplinas foram essenciais e tornaram-nas mais ricas e inclusivas.

3.2. Implementação 

3.2.1. O contexto geográfico

O Tortosendo é uma vila do concelho da Covilhã com cerca de 6000 habitantes. A comunidade cigana aí residente é a maior do concelho e perde-se na história a sua chegada a este território. A escolha do Tortosendo pareceu-nos óbvia não apenas pela representatividade desta comunidade, mas também porque a CooLabora desenvolve já desde 2010 trabalho direto com a mesma.

3.2.2. Um projeto que se transforma e se adapta

A ideia de fazer fichas de trabalho que abordassem a história e a cultura ciganas, e que seguissem os programas curriculares das disciplinas de 5º e 6º ano, surgiu já após a aprovação do projeto, pois o objetivo inicial era conceber dinâmicas de grupo que pudessem ser úteis na prevenção e combate da discriminação das crianças ciganas, por parte das crianças da sociedade maioritária. Mas na primeira reunião de parceria, que incluía três professoras do ensino básico e secundário, ficou claro que seria muito importante criar este tipo de recurso. Foi então necessário fazer uma articulação com docentes da Escola Básica 2 e 3 do Tortosendo que nos indicaram os conteúdos programáticos que podiam ser explorados abordando a história e cultura ciganas, que identificaram os objetivos pedagógicos e deram algumas sugestões de exercícios e atividades. Coube, depois, à equipa do projeto, e já com esta informação, desenhar essas propostas pedagógicas. O trabalho só ficou terminado quando a Escola Básica 2 e 3 validou os conteúdos das fichas, assegurando que eles iam ao encontro das sugestões recolhidas no início do projeto junto das professoras e professores das diferentes áreas disciplinares.

A conceção destas propostas pedagógicas foi a parte mais longa e mais desafiante do projeto pois implicou muitas pesquisas e muitas conversas com a comunidade cigana do Tortosendo bem como a testagem dos materiais criados junto de turmas de 5º e 6º ano.

3.2.3. Um projeto que se faz participado

Foram realizadas várias sessões com turmas de 5º e 6º ano que serviram para testar a adaptabilidade aos currículos e às idades em causa. Mas estas sessões acabaram por ser uma prova de que estes conteúdos interessam a crianças ciganas e não ciganas e que a exploração da temática as mantém interessadas e motivadas. Serviram também para perceber que há um grande desconhecimento sobre esta comunidade com quem todas as crianças, professoras e professores convivem desde sempre.

De destacar que, neste processo de testagem, foi possível introduzir algumas melhorias graças aos contributos das crianças envolvidas e também das professoras e professores que assistiam e se envolviam nas sessões. Importantes foram também as reuniões com a comunidade cigana, que ocorreram ao longo de todo o projeto e que tinham como objetivo conhecer e recolher histórias e informações que pudessem ser usadas no recurso pedagógico que estávamos a criar. Serviram também para manter as pessoas informadas sobre o trabalho que estava em curso e para as sensibilizar para a importância da escola. Foi notório o crescimento do interesse pelo recurso e o orgulho sentido por a sua história e cultura merecerem destaque nos conteúdos abordados na escola. Refira-se que algumas das histórias, principalmente as do passado, impressionaram a equipa técnica do projeto por nos reportarem a extrema pobreza e a discriminação de um povo que, ironicamente, sendo nómada, por força das circunstâncias, se sentia muitas vezes encurralado por não lhe ser permitido ir para lugar algum.

Para além do trabalho de terreno, da exclusiva responsabilidade da CooLabora, foram realizadas reuniões da parceria que serviram para refletir sobre a problemática, mas também para trabalhar a estrutura e os conteúdos do recurso pedagógico e para programar a sua apresentação pública e a sua disseminação pelo país. Nelas estiveram sempre presentes representantes da comunidade cigana que deram contributos e informações muito relevantes. Além disso, permitiram aumentar ainda mais a abrangência do olhar sobre a mesma problemática, pois vieram juntar o seu ao da organização não-governamental que coordenava o projeto, ao da academia e da autarquia e ainda ao da escola. Pensamos que as reflexões feitas com estas diferentes perspetivas se constituíram como momentos de aprendizagem coletiva que enriqueceram o trabalho feito e a própria parceria.

A Universidade da Beira Interior e a CooLabora foram as duas entidades parceiras que tiveram um papel mais ativo na conceção do recurso pedagógico, cabendo à CooLabora dinamizar o trabalho de terreno e à UBI fazer as reflexões teóricas que introduzem o recurso pedagógico e validá-lo do ponto de vista da adequabilidade pedagógica. À escola coube a responsabilidade de propor as matérias disciplinares a explorar e de as testar em sala de aula e à comunidade cigana, contribuir com conteúdos baseados nas suas memórias e experiências.

3.3. Metodologia

3.3.1. Análise SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities, Threats) da parceria IES/OSC

A análise SWOT é comumente perspetivada como uma abordagem que permite a identificação de condições que potencialmente podem inibir ou potenciar o desempenho de um sistema, considerando quer o seu ambiente interno, quer externo (Leigh, 2006). No caso presente, o nível de análise considerado foi o grupal, na medida em que o sistema analisado foi a equipa constituída na parceria entre uma IES e uma OSC, avaliada pelos seus próprios membros.

As principais vantagens desta metodologia de análise passam pelo facto de ser de fácil compreensão, de poder ser aplicada a diferentes níveis de análise (e.g., individual, grupal, organizacional), com diferentes graus de profundidade dependendo da complexidade e abrangência dos contextos e, ainda, pelo facto de ser uma análise que é representada num diagrama, o que torna os seus resultados visualmente claros e simples de comunicar (Sarsby, 2016).

A análise SWOT pressupõe a identificação, por um lado, das forças e fraquezas internas e, por outro, das oportunidades e ameaças presentes no ambiente externo. Sendo assim, os pontos fortes ou forças (strengths) são fatores promotores dos resultados desejados e os pontos fracos ou fraquezas (weaknesses) constituem-se como fatores inibidores desses resultados, estando ambos sob o controlo do sistema. Por outro lado, as oportunidades (opportunities) são condições igualmente potenciadoras, assim como as ameaças (threats) consistem em condições que dificultam a concretização dos resultados desejados, sendo, contudo, consideradas como estando fora do controlo do sistema avaliado (Leigh, 2006). Uma força é a característica interna que acrescenta valor e vantagem quando comparado com outros sistemas e, nesse sentido, refere-se a uma característica positiva, favorável e criativa; uma fraqueza advém da falta de uma capacidade ou meio para atingir um resultado importante, apontando, por isso, para uma caraterística interna desvantajosa, negativa e desfavorável; uma oportunidade consiste  numa situação ou condição ambiental que constitua uma vantagem ou força motriz necessária para que uma determinada atividade ocorra e para que se atinjam os objetivos pretendidos; finalmente, uma ameaça é uma situação ou condição do ambiente externo que põe em risco a concretização de uma atividade, tratando-se de uma situação desvantajosa que deveria ser evitada (Gürel & Tat, 2017).

Em suma, a análise SWOT é um processo que envolve quatro áreas organizadas em duas dimensões, sendo tipicamente representada através de uma tabela de quatro quadrantes numa matriz 2×2. De seguida, apresentam-se, no Quadro 1, os resultados da análise SWOT que as quatro participantes na parceria entre a IES e a OSC efetuaram, tendo por base a experiência de trabalho desenvolvido em equipa no âmbito do projeto Reflexo descrito.

 ASPETOS POSITIVOS

 ASPETOS NEGATIVOS

Fatores Internos

 Forças 

Fraquezas

  • Historial de parceria em projetos em áreas diversas
  • Trabalho de parceria prévio e continuado em projetos de inclusão das comunidades ciganas
  • Compromisso da UBI com a responsabilidade social (vice-reitoria)
  • Complementaridade das áreas científicas das participantes na equipa técnica
  • Elevada confiança da comunidade cigana na equipa técnica
  • Reconhecimento mútuo da credibilidade das entidades parceiras
  • Capacidade de mobilizar voluntárias/os por parte de ambas as organizações
  • Divisão do trabalho assumida de uma forma muito convencional
  • Experimentação em sala de aula das atividades da ferramenta pedagógica não envolveu a IES
  • Criaram-se poucas oportunidades de trabalho conjunto

Fatores Externos

 

 Oportunidades

Ameaças

  • Proximidade geográfica da IES e OSC
  • Divulgação e aceitação do Reflexo a nível nacional (e.g., DGE)
  • Possibilidade de a temática assumir maior relevância na academia
  • Persistência da controvérsia em torno da integração das comunidades ciganas que reforça a relevância da parceria
  • Adesão ao projeto Sinergias ED como incentivo à autorreflexão
  • Curta duração do projeto
  • Ausência de feedback do impacto da ferramenta nas escolas a nível nacional
  • Indisponibilidade inicial de alguns docentes da EB 2/3 do Tortosendo para aplicarem o Reflexo pode comprometer a continuidade do trabalho em parceria 11
  • Exigências das atividades profissionais de cada participante na parceria dificulta o desenvolvimento de trabalho reflexivo e colaborativo

Quadro 1 – Análise SWOT da parceria entre a IES e a OSC.

 

3.3.2. Amigo Crítico

A fim de assegurar a validade (adequação dos resultados obtidos à realidade, tal como percebida pelas participantes, que neste estudo são as próprias investigadoras) e a confiabilidade (minimização da subjetividade) dos resultados obtidos mediante a análise SWOT, recorreu-se à técnica do “amigo crítico” (no presente estudo, uma amiga crítica), que constitui uma forma de auditoria externa (Camarillo, 1997).

Ao amigo crítico é solicitado que comente o processo de investigação, de um ponto de vista exterior, a fim de identificar as debilidades e enviesamentos que os/as investigadores/as não conseguem identificar, dado o seu envolvimento no estudo (exponenciado neste caso, dado tratar-se de uma meta-análise). A crítica deverá sempre ter um sentido positivo, destinando-se a permitir às/aos investigadoras/investigadores uma representação da realidade mais fiel às perceções dos/das participantes (Camarillo, 1997). O recurso ao amigo crítico consiste, pois, numa colaboração horizontal, entre duas ou mais pessoas, em que uma assume um papel crítico ativo, cabendo à/às outra/s, por um lado, clarificar o processo de investigação, esclarecendo qualquer dúvida que surja e, por outro, processar as sugestões recebidas (Soto et al., 2017).

A análise do trabalho colaborativo IES-OSC foi assessorada por uma amiga crítica 12 que aceitou colaborar de forma voluntária, após convite da equipa de investigação. A amiga crítica que acompanhou esta reflexão é docente na IES envolvida na parceria, possui sensibilidade para o trabalho social e a sua formação académica (Filosofia/Ética) posiciona-a como capaz de produzir sugestões positivas, tendo como base o questionamento e a indução ao autoquestionamento das investigadoras participantes. Após explanação, pelos elementos da parceria, da forma como foi conduzido o processo, a amiga crítica colocou diversas questões relativas aos resultados de uma primeira versão da análise SWOT, que permitiram melhorar a análise feita, quer pela retirada ou introdução de alguns fatores, quer pela mudança de quadrante de outros.

4. Análise dos dados e discussão dos resultados

Para a análise dos dados que resultaram da análise SWOT realizada, procurar-se-á sintetizar a informação registada em cada um dos quatro quadrantes, de forma a descrever de forma clara a situação atual da parceria, assim como apresentar ações de melhoria que possam ser implementadas para otimizar o seu funcionamento em trabalhos conjuntos futuros. Para tal, recorrer-se-á à integração da informação com base na lógica Matching and Converting, seguindo as orientações de Sarsby (2016, pp. 11-16).

Na fase matching, procuraram-se possíveis correspondências ou ligações entre os fatores externos (Oportunidades e Ameaças) e os fatores internos (Forças e Fraquezas). Considerando a análise SWOT realizada (Quadro 1), reconhece-se a existência de algumas ligações entre alguns fatores internos e externos, designadamente:

  • Oportunidades que estão relacionadas com fraquezas e forças, como é o caso da proximidade geográfica entre as duas instituições e o trabalho anterior conjunto em outras parcerias, que reforça a confiança mútua entre a IES e a OSC, o que deverá promover a criação de mais momentos de trabalho colaborativo, baseado na complementaridade das áreas científicas das participantes.
  • Ameaças que têm ligação a forças e fraquezas, destacando-se o facto de as relações próximas e de confiança entre as duas instituições poderem ser motor para parcerias mais longas e de continuidade, obrigando a uma melhor organização da agenda individual de cada uma das participantes.

A fase seguinte, converting, passa pelo esforço de procurar transformar um fator negativo num fator favorável (ou seja, de que forma uma Ameaça pode passar a ser vista como uma vantagem, convertendo-se numa Oportunidade ou de que forma pode uma Fraqueza ser convertida numa Força). Na perspetiva das participantes, a divisão do trabalho de uma forma mais tradicional, assente na distância e em encontros pouco regulares, permitiu que a parceria conseguisse participar ativamente no projeto apesar das exigências das respetivas atividades profissionais. O facto de existir já colaboração entre algumas das participantes em projetos anteriores, relacionados ou não com a temática da inclusão das comunidades ciganas, levou a que se tenha desenvolvido uma relação de confiança mútua que possibilitou que este modo de trabalho da parceria fosse sendo percecionado como eficaz. No caso do projeto em análise, a qualidade do respetivo output, demonstrada pela clara aceitação e divulgação do Reflexo a nível nacional, veio reforçar a ideia de que a forma como o trabalho foi organizado, ao longo do curto espaço de tempo de duração do projeto, foi adequada e eficaz.

De qualquer forma, como ação de melhoria para parcerias futuras, reconhecemos a importância de gerar condições que promovam a discussão, a análise crítica e o aperfeiçoamento contínuo do trabalho desenvolvido, em particular, quando os projetos forem de média e longa duração. Articulando uma divisão de tarefas compatível com a disponibilidade individual de cada participante com a criação de momentos para um trabalho mais colaborativo e reflexivo da parceria poderá permitir, por exemplo, que a recolha e incorporação do feedback recebido junto da comunidade alvo do projeto possa ser concretizado por ambas as entidades parceiras. Esta mudança poderá promover aprendizagens mais significativas e diversificadas por parte quer das investigadoras da UBI quer das técnicas da CooLabora. Assim, a parceria poderá ganhar uma diferente perspetiva: mais do que a soma dos contributos das partes envolvidas, será necessária uma aplicação efetiva do trabalho colaborativo, de trocas regulares, tanto de presença das investigadoras da UBI no terreno, como da participação das técnicas da CooLabora em momentos de reflexão sobre as ações aplicadas ou aplicar no terreno. Com efeito, sugere-se que haja uma efetiva colaboração através de aprendizagens partilhadas.

A análise apresentada tem algumas limitações, que se prendem com as limitações da própria análise SWOT, referidas na literatura, nomeadamente a relativa subjetividade na atribuição dos fatores a um dos quadrantes e a natureza meramente descritiva e qualitativa centrada no passado e no presente, comprometedoras de uma avaliação mais sistemática e aprofundada, que possa resultar na definição de implicações estratégicas para o futuro do sistema-alvo (Gürel & Tat, 2017). No entanto, encaramos este passo como o ponto de partida para futuros trabalhos em parceria, que decerto terão de ter em conta as mudanças do ambiente, quer interno, quer externo, de cada novo projeto.

5. Conclusões e aprendizagens

A partir da análise à execução do projeto Reflexo, concluímos que, apesar do conjunto de fatores propícios ao trabalho colaborativo da OCS e da IES, nomeadamente, a proximidade e o histórico de parcerias em diversos projetos, o que se registou foi uma soma de práticas e saberes e não tanto uma miscigenação de ambas. Contudo, conseguimos criar uma relação de trabalho de parceria livre de qualquer relação de poder ou de hierarquia, o que nos leva a crer que, em cooperações futuras, e na posse das reflexões aqui feitas, temos todas as hipóteses e condições para desenvolver um trabalho muito mais profícuo. Torna-se, portanto, necessária a aplicação de um trabalho efetivamente colaborativo, capaz de desafiar os papéis tradicionais das instituições parceiras, tendo esta reflexão sido muito produtiva para esta tomada de consciência. Com efeito, e ainda que a concretização do projeto Reflexo tenha sido positiva, conclui-se que há ainda aprendizagens a consolidar no que se refere aos processos colaborativos que são a base de qualquer trabalho em parceria. Dessas aprendizagens, destacamos o reconhecimento da necessidade de um trabalho colaborativo em todas as fases dos projetos de parceria OSC-IES, através do cruzamento constante de práticas e saberes que enriqueçam os processos no terreno e nos períodos reflexivos. Uma prática que, agora, após a reflexão conjunta que este artigo nos proporcionou, nos parece apreendida, mas que, contudo, só será potencialmente verificada em futuros projetos de parceria e de trabalho colaborativo.


[1] Docente e investigadora – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas e Núcleo de Estudos em Ciências Empresariais (NECE-UBI), Universidade da Beira Interior (mpalves@ubi.pt).

[2] Docente e investigadora – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade da Beira Interior e Centro de Investigação em Educação e Psicologia, Universidade de Évora (CIEP – UE) (lbranco@ubi.pt).

[3] Coordenadora do projeto Reflexo e membro da Comissão Executiva da CooLabora (coolabora@gmail.com).

[4] Docente e investigadora – Faculdade de Artes e Letras e LabCom, Comunicação e Artes, Universidade da Beira Interior (soniasa@ubi.pt).

[5] Docente e investigadora – Faculdade de Artes e Letras e Praxis-Centro de Filosofia, Política e Cultura, Universidade da Beira Interior, e Presidente da Comissão de Ética da UBI (amorais@ubi.pt).

[6] Veja-se projetos do Alto Comissariado para as Migrações.

[7] Programa que vai na sétima geração e é aplicado no terreno pelo Projeto Quero Ser Mais E7G.

[8] Exposição fotográfica “Revelação” (2016), resultante do projeto Fronteiras (2016), disponível em: http://www.coolabora.pt/publicacoes/Exposição%20Fronteiras%20-%202016%20Vleve.pdf.

[10] C.f. publicação produzida no âmbito do projeto “Opré Chavalé” promovido pela Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres em parceria com a Associação Letras Nómadas cofinanciado pelo Programa Cidadania Ativa – EEA Grants gerido pela Fundação Calouste Gulbenkian e com o apoio do Programa Escolhas e a Fundação Montepio 2014-2016.

[11] Vice-reitora para Vice-Reitoria para Área de Recursos Humanos, Assuntos Financeiros e Responsabilidade Social.

[12] Participou neste estudo, como amiga crítica, a Ana Leonor Morais Santos, a quem deixamos o nosso agradecimento pelo valioso contributo.

Referências Bibliográficas

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