Convidamos ao envio de contributos sobre a temática Democracia(s): transformando paradigmas opressivos de poder através da Educação para o Desenvolvimento, desde artigos científicos a práticas e textos de opinião.
Considerando o caso português e que parece ilustrar uma tendência visível em outros países da Europa, assiste-se a uma onda de extremismos e fundamentalismos políticos, polarizações e radicalismo, que ameaça o Bem Comum, e revela um sentir generalizado da sociedade em relação ao status quo. Como pode a Educação para o Desenvolvimento/Educação para a Cidadania Global/Educação para a Transformação Social (ED/ECG/ETS) tornar-se uma resposta para desconstruir narrativas que não são reais? Parece ser necessária uma literacia democrática, com a qual possamos analisar o(s) motivo(s) que leva(m) as pessoas a abraçar tais propostas extremistas e autoritárias, sobretudo as e os jovens.
O presente número observa este cenário com olhos otimistas, movido pelo objetivo de oferecer propostas para a transformação social enquanto se pensa o futuro com esperança.
Este número pretende levar a reflexão para além da Democracia enquanto forma de governo, e mais enquanto forma de agência política que é plural. A Democracia deverá ser entendida como conjunto de processos dialógicos que aproximam pessoas que pensam de forma diferente entre si e que questionam a normatividade, de modo a garantir que cada cidadã e cidadão e as comunidades mais amplas (que incluem redes e movimentos sociais) possam ver a sua voz escutada. A Democracia implica um cuidado cívico para com o Bem Comum, o que requer diálogo entre pessoas que pensam de forma diferente entre si, mas que estão recetivas a concordar discordando, para a construção colaborativa a partir daí. Mais do que votar, a Democracia presume importar-se com e cuidar do Bem Comum, assim como uma continuada ação cívica pelo Bem Comum.
A Recomendação da UNESCO para a Paz, os Direitos Humanos e o Desenvolvimento Sustentável, de 2024 (que revê e acrescenta à Recomendação de 1974), oferece uma perspetiva sobre como a Educação é um fator-chave para alcançarmos os 17 objetivos para transformarmos o nosso mundo, estabelecidos na Agenda 2030. Esta Recomendação foi adotada pelos 194 Estados-membros da UNESCO (2023) e representa um compromisso coletivo para melhorar a Educação a nível mundial. Aqui, o poder transformador da Educação é reconhecido enquanto espaço privilegiado para construirmos sociedades inspiradas pelos valores da Paz, Justiça Social, Equidade, Solidariedade, Inclusão, Sustentabilidade e… Democracia.
Como construir e salvaguardar um espaço para a Democracia, em todos os lugares, mas especialmente naqueles (que se vêm tornando) governados pela censura sufocante do autoritarismo, do extremismo e do conservadorismo radical? Esta é uma tendência crescente na Europa, onde vemos a normalização de tais “ismos” em países onde formatos democráticos de governamentação têm um longo passado e, contudo, estão agora a eleger novas versões de tiranos do passado. Como pode a ED/ECG/ETS construir um espaço seguro para dialogar, onde os desacordos podem ser alvo de reflexão e o conhecimento pode ser aprofundado, de modo a ir mais além da discriminação e do enviesamento?
A posicionalidade da ED/ECG/ETS não é neutra; move-se por valores como Solidariedade, Justiça Social, Paz, para colaborativamente se construir o Bem Comum. Também se move pelo objetivo de construir relações democráticas, onde o poder se reparte e é dirigido à transformação social ao transformar primeiro os indivíduos. Apenas ao questionar quadros normativos de referência de conhecimento e pensamento autoritários, ao desenvolver competências de pensamento crítico e criatividade (entre outras), e ao aprender e agir em prol do Bem Comum, poderá a sociedade, como um todo, ter uma voz e ver cada voz valorizada e escutada. Todas as vozes são necessárias para se discutir e desmantelar as causas da injustiça sistémica e da iniquidade estrutural que mantêm algumas pessoas na periferia, privadas do privilégio, do acesso, da participação e da liberdade.
Neste contexto, convidamos todas e todos a partilharem considerações teóricas, trabalho empírico, e/ou práticas sobre como a ED/ECG/ETS oferece uma lente que inspira a subversão de paradigmas de poder opressivo e autoritário, e fomenta a participação ao criar uma Democracia forte, por oposição a formas “distorcidas” (Freire, 1996) ou “estreitas” (Apple, 2018) de Democracia.
Acolhemos submissões focadas na investigação e/ou na prática, em contextos educativos formais e não-formais, independentemente da geografia, em (mas não limitadas a) uma ou várias das seguintes linhas:
- O crescimento de movimentos de extremismo e fundamentalismo político, polarização e radicalismo, seu(s) significado(s) e a importância de escutar as vozes do povo.
- A importância do diálogo e da pluralidade na construção de espaços democráticos onde concordar discordando é uma prática.
- A Democracia e o impacto de tendências neoliberais e neocoloniais nas sociedades.
- Estratégias e metodologias apoiantes da construção de Democracias fortes através da lente ED/ECG/ETS, especialmente no atual contexto de crescente autoritarismo, extremismo e conservadorismo radical na Europa, mas não só.
- A relação entre pessoas e poder, governo e governança, e a influência da Educação Popular e da democratização da Educação no desenvolvimento de Democracias.
- Que impacto(s) decorre(m) do facto de, num conjunto de países, se ter começado a permitir às pessoas participar na esfera política.
- O papel da Educação e dos diálogos educativos em torno da Democracia e que apoiam a construir Democracias.
- Liberdade de expressão, acesso à informação, literacia democrática, reconhecimento das vozes individuais e coletivas, formas renovadas de censura a jornais e outros meios de comunicação social.
- A lente da ED/ECG/ETS como forma de construir espaços de diálogo, pluralidade e relações democráticas.
- Práticas inovadoras em que as cidadãs e os cidadãos desempenham um papel no desenhar de políticas públicas dirigidas a cuidar do Bem Comum, independentemente da sua idade ou experiência (e.g., projetos escolares, iniciativas cidadãs, iniciativas municipais, etc.).
- A participação das e dos jovens e o papel da educação formal e não-formal na promoção de relações democráticas.
- O processo subjacente à formulação de referenciais e de quadros de referência que envolvem a consulta pública para a construção de políticas públicas, tal como a Agenda 2030 e a Recomendação para a Paz, os Direitos Humanos e o Desenvolvimento Sustentável, e a sua influência na promoção de processos transformativos.
- Exemplos de boas práticas em ED/ECG/ETS nos setores de educação formal, não-formal e informal.