Luís Santos1

  • Título: Global Citizenship Education – Preparing learners for the challenges of the 21st century (Educação para a Cidadania Global – Preparar os estudantes para os desafios do século XXI)
  • Responsabilidade: UNESCO
  • Língua: Inglês
  • Data de publicação: Paris, 2014
  • ISBN: 978-92-3100019-5
  • Nº de páginas: 45
  • Acesso: http://unesdoc.unesco.org/images/0022/002277/227729E.pdf

 

Índice e apresentação sumária de cada rubrica

O texto abre com um Sumário Executivo, que resume todo o documento em página e meia, e está organizado em três capítulos:

  1. Educação para a Cidadania Global: as questões básicas e os debates;
  2. Educação para a Cidadania Global na prática;
  3. O caminho a seguir.

O Sumário Executivo, logo de início, define o conceito de Educação para a Cidadania Global (ECG): um paradigma que engloba o modo como a educação pode desenvolver o conhecimento, as competências, os valores e as atitudes que os estudantes necessitam para assegurar que o mundo seja mais justo, pacífico, tolerante, inclusivo, seguro e sustentável.

É sublinhado o papel da ECG no ir além do desenvolvimento do conhecimento e das capacidades cognitivas, para contribuir para a construção de valores e desenvolvimento de competências e atitudes que promovam a cooperação internacional e a transformação social. É defendida uma abordagem holística, combinando intervenções formais e não formais, a utilização de tecnologias da informação e da comunicação, do desporto e de manifestações artísticas.

 

1. Educação para a Cidadania Global: as questões básicas e os debates

Reconhece-se que o próprio conceito de ECG não é pacífico, havendo lugar a múltiplas interpretações. Constata-se a existência de tensões decorrentes de diferentes sensibilidades e interpretações, mas o documento crê que, não devendo ser ignoradas, não serão irreconciliáveis: solidariedade versus competição, identidade local versus global, e o papel por vezes incómodo da ECG em sistemas educativos mais autoritários. É relativamente consensual, no entanto, que a ECG envolve o sentimento de pertença a uma comunidade mais ampla, e a promoção de um olhar global que faça a ligação entre o nacional e o internacional, entre o local e o global, baseado em valores universais e no respeito pela diversidade e pluralismo. É defendido que uma ECG eficaz não deve ser tratada de forma autónoma, mas de num contexto transdisciplinar. São elencadas diversas competências a desenvolver nos estudantes, colocando o foco no processo de aprendizagem.

2. Educação para a Cidadania Global na prática

São apresentados os princípios que devem guiar a ECG de modo concreto, na prática lectiva, tais como uma aprendizagem centrada no aluno e que promova interacções alinhadas com aqueles princípios, como a colaboração, o diálogo, a literacia em relação aos média, um ambiente inclusivo, práticas de decisão democráticas – e exemplos concretos de como se poderá organizar essa aprendizagem. É discutida a integração curricular e, com bastante destaque, o papel que a Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) poderão ter, sendo referida a rede TIGed com 11 000 professores e 4000 escolas, bem como diversas plataformas colaborativas de aprendizagem de que são dados exemplos. É discutida a abordagem à ECG partindo das artes ou do desporto, bem como de projectos de intervenção comunitária, ligada a problemas locais que são perspectivados de modo global. São, ainda, referidas as questões relacionadas com a formação de professores nesta área, e iniciativas com a participação de jovens. Por último, é tratada a avaliação e monitorização dos processos.

 

3. O caminho a seguir

Considera-se que houve avanços significativos, quer em relação ao conceito, quer em relação à prática da ECG. Sistematizam-se seis pontos a ter em conta e desenvolver no futuro, para aprofundar a ECG, como o dar voz aos jovens, a formação de professores ou o debate sobre os conceitos, dos quais destacaríamos a criação de redes e de comunidades de prática, informais e flexíveis, para partilha de experiências e recursos.

 

Comentário

Este relatório da UNESCO é muito relevante porque faz, de alguma forma, um balanço global da ECG a nível mundial, abrangendo desde aspectos como a discussão sobre os conceitos até ao modo como a ECG tem sido concretizada no terreno, em diversos países. Assim, o leitor encontrará aqui as perspetivas específicas, por exemplo, dos países da América Latina sobre a ECG, onde é dado especial relevo, por razões históricas, à Educação para a Paz, ou dos países asiáticos, em que o foco principal vai para a questão do ambiente sustentável. É discutido como de pode passar de um “simples” problema local para uma perspectiva mais global, pensando nas implicações desse problema: como surge? Quais as razões? Como estruturar o processo de decisão, envolvendo os interessados? Que recursos? É fortemente sublinhado que a ECG não se resume a um conjunto de conteúdos, e o próprio processo de aprendizagem é crucial, devendo respeitar os próprios princípios (de participação, de democraticidade, de dar voz aos interessados, mesmo se muito jovens), já que o processo constitui, ele próprio, uma forma de aprendizagem.

Em Portugal, foram há uns anos extintas as chamadas “áreas curriculares não disciplinares”, onde se integravam, por exemplo, a Educação Cívica e o Desenvolvimento de Projectos, com o argumento de que a escola se deveria concentrar em “matérias” como o Português e a Matemática. Não sendo aqui o lugar adequado para discutir o modo como aquelas duas áreas estavam a ser concretizadas, é relevante assinalar que nelas se poderiam, e em muitos casos assim aconteceu, desenvolver competências que nem sempre é fácil desenvolver no âmbito de disciplinas, apoiando, por exemplo, trabalhos transdisciplinares.

Na perspectiva da ECG, importaria, no entanto, passar-se da perspectiva mais redutora por vezes presente na Educação Cívica (“não cuspir no chão”, “não chamar nomes aos meninos”,..) para uma perspectiva mais global: se os alunos vão participar numa actividade de recolha de lixo espalhado numa serra, poder-se-á recolher informação, discutir e produzir trabalhos sobre as razões da produção de tanto lixo, sobre os modelos de comercialização, sobre os destinos dos vários lixos e como parte deles acaba nos oceanos,… E, nesta perspectiva, este relatório da UNESCO ajuda a pensar os caminhos que levam do local ao global e como, ao mesmo tempo, se desenvolve o pensamento crítico nos intervenientes. O documento, sem deixar de reconhecer a existência de diferentes perspectivas sobre ECG, e mesmo de tensões, defende a possibilidade de convergência das diferentes posições, matéria sobre a qual temos as maiores dúvidas – e nem nos parece desejável, sob pena de a ECG se tornar numa espécie de “albergue espanhol” onde tudo caberia. Pelo contrário, e sem prejuízo do esforço de superação de divergências e de incorporação dos contributos dos diferentes contextos, parece-nos crucial a clarificação de posições, e o sublinhar do papel necessariamente transformador que a ECG deve buscar.

Um aspecto que parece especialmente relevante, e que é mencionado, é a utilização das TIC como um meio de facilitar e promover o trabalho colaborativo. Estando hoje muitas escolas dotadas de infraestruturas mínimas, as TIC facilitam enormemente o acesso a informação, a partilha de experiências, o tornar visível o projecto que se fez, a divulgação de boas práticas. Mas as TIC têm uma curva de aprendizagem, pelo que haverá a necessidade de assumir que há necessidades de formação (aliás, também noutras dimensões): como apresentar o nosso projecto? Como divulgar uma iniciativa nossa? Como construir um texto comum com colegas de outro país?

O documento de Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento, aprovado por despacho em 2010, tem um horizonte temporal que está a terminar, no final deste ano. Na sequência deste relatório da UNESCO, haverá que perguntar que pensa o nosso país fazer nesta área, que sequência irá ser dada e que avaliação se faz destes anos. Seria desejável que um novo documento alargasse o âmbito do anterior, para toda a escolaridade obrigatória, e que as formações inicial e contínua de professores e educadores fossem contempladas, aprofundando-se o trabalho que já algumas universidades e politécnicos vêm fazendo.

Por último, quem se envolve ou se interessa pela ECG, não pode deixar de enfrentar as reticências que por vezes se notam nas escolas no tratamento de temas “mais políticos”. Em última análise, como bem foca este documento da UNESCO, a ECG tem a ver com as desigualdades e com diversos problemas delas decorrentes. E não há como fugir, os diversos problemas que tratamos no âmbito da ECG não são meros fenómenos meteorológicos ou acontecimentos da natureza em relação aos quais pouco possamos fazer – pelo contrário, são problemas de cidadania, que é uma outra forma de dizer da “polis”, ou seja, da política, cuja compreeensão promove nos jovens e nos outros intervenientes uma melhor consciência e capacidade de intervenção.

 

[1]Licenciado em Sistemas de Informação pela Universidade do Minho, professor de Informática no Ensino Secundário e formador de professores; colabora com o CIDAC desde 1978 e é membro da atual equipa dinamizadora da Rede de Educação para a Cidadania Global (www.moodle.rede-ecg.pt); participou no projeto Conectando Mundos e em projetos subsequentes. 

Download do artigo.

Compartilhe nas suas redes