Diana Mota[1]Doutorada e Coordenadora da Unidade de Desenvolvimento Social da Gaiurb, Urbanismo e habitação, EM., Elvira Lopes[2]Licenciada e Técnica Superior da Unidade de Desenvolvimento Social da Gaiurb, Urbanismo e habitação, EM. & Sara Cabral[3]Mestre e Técnica Superior da Unidade de Desenvolvimento Social da Gaiurb, Urbanismo e habitação, EM.
Resumo:
Com este trabalho, pretende-se apresentar a prática da intervenção da Escola Oficina e as estratégias inerentes à promoção da inovação social aliada à sustentabilidade. Explorando o paradoxo do social, económico e sustentável, procura-se demonstrar de que forma um projeto de caráter social explora as suas componentes de integração socioprofissionais junto de públicos em vulnerabilidade, conciliando a sustentabilidade económica e a sustentabilidade ambiental. A Escola Oficina foi criada em 2015, com o propósito de estabelecer pontes para o emprego através da capacitação de pessoas desempregadas e promover o reaproveitamento e transformação de desperdícios têxteis, assente nos princípios da educação, integração social e sustentabilidade ambiental.
Palavras-chave: Inovação; Empreendedorismo; Economia Circular; Sustentabilidade; Triple Bottom Line.
O contexto da intervenção da Escola Oficina
A Escola Oficina nasce inicialmente como um projeto de inovação e empreendedorismo social, criada com o propósito de estabelecer pontes para o emprego através da capacitação de pessoas desempregadas, aliado ao reaproveitamento e transformação de desperdícios têxteis, assente nos princípios da educação, integração social e sustentabilidade ambiental. Enquanto projeto de intervenção e de inovação social, assenta numa perspetiva triple bottom line.
Cada vez mais se requer o desenvolvimento de projetos, através de uma nova relação entre a teoria e a ação, procurando as evidências da ação. Este projeto de inovação social foi-se consolidando ao longo dos anos no território como uma prática, procurando, sempre que possível, obter uma visão holística da sua intervenção, sendo esta sistémica, integrada e multidimensional. Segundo Guerra (2002), nunca houve tanta interação entre conhecimento e a ação diante dos principais desafios enfrentados pela sociedade moderna, tais como a exclusão social e a preservação do meio ambiente, entre outros, reconhecendo a complexidade dos fenómenos sociais que a sociedade abarca.
No sentido das contradições e paradoxos, a intervenção social já não consiste apenas na resolução de problemas, mas, sim, na identificação dos mesmos e na construção de um consenso como uma prática criativa e institucionalizada de adaptação de perspetivas entre os atores envolvidos.
Contextualizando a prática, na análise dos impactes sociais da globalização, estamos perante situações de origem variada no atual contexto social em que vivemos. Por um lado, provocado pela instabilidade económica fruto dos conflitos na Ucrânia e Médio Oriente e, por outro, ainda em recuperação de uma pandemia, têm-se agravado situações problemáticas das comunidades desfavorecidas nas áreas urbanas, acentuando-se as necessidades sociais associadas à rutura e exclusão social de grupos e famílias socialmente vulneráveis que agora passam a incluir franjas da classe média no circuito de resposta social, que outrora não faziam parte das prioridades de intervenção.
A pobreza e a exclusão social resultam de desigualdades no acesso à participação social em vários aspetos, não apenas económicos, mas também culturais, sociais e simbólicos, dos atores sociais, que inclui ainda a falta de reconhecimento, respeito e valorização (Paugam, 2003) que concorrem para a pobreza e exclusão social dessas mesmas famílias. Bauman (1999) reforça a ideia de que a pobreza não se reduz à falta de comodidades, sendo ela também uma condição social e psicológica, dado que a impossibilidade de alcançar os padrões estabelecidos pela sociedade é, em si mesma, geradora de angústia e de sentimentos de vergonha ou de culpa que induzem uma redução da autoestima.
Deve-se compreender que não se deve analisar a pobreza em termos de insatisfação das necessidades fundamentais, mas sim das necessidades sociais que remetem para o desejo de integração num dado ambiente sociocultural. Compreende-se, assim, a pobreza como um fenómeno complexo e multidimensional, e a sua definição vai para além de carências materiais (Paugam, 2003), exigindo uma atuação integrada das diferentes áreas setoriais de intervenção pública, e combater a mesma é uma obrigação em matéria de direitos humanos, nomeadamente o direito à educação e o direito a um trabalho digno, que o projeto Escola Oficina procura atingir, entre outros.
Focando, também, a problemática no desemprego, a luta contra o desemprego e a construção de uma sociedade socialmente inclusiva continuam a ser dimensões importantes que necessitam de ser abordadas de forma estrutural. Segundo dados da União Europeia (EU, 2022), têm-se verificado variações nas taxas de desemprego, e assiste-se a uma queda regular dessas taxas desde 2013. Dados de abril 2021 apontam para uma taxa de desemprego na zona Euro de 8%, ligeiramente acima dos 7,3% de 2020. No entanto, a pandemia fez disparar novamente as taxas e, consequentemente, os níveis de pobreza. Tem-se verificado um esforço na recuperação das economias, com consequências nas dinâmicas do mercado de trabalho. As dinâmicas do desemprego, nomeadamente o de longa duração (pessoas desempregadas há mais de 12 meses) continua a ser uma das principais causas da pobreza, permanecendo elevado em alguns países, representando mais de 40% do desemprego total (EUROSTAT, 2021). A ausência prolongada de hábitos de trabalho conduz frequentemente à saída permanente dos trabalhadores do mercado, agudizando a sua condição social, estando estes mais expostos a condições de exclusão social e pobreza (Diogo et al., 2015).
O desemprego, para além da perda de rendimentos, acarreta outras consequências, não apenas para o indivíduo, mas também para a sociedade. Segundo Durkheim (in Caro, 2018) o trabalho desempenha um papel importante na socialização dos indivíduos, na estruturação das suas vidas diárias e na manutenção da ordem social. Assim, o desemprego pode levar a problemas sociais, como pobreza, criminalidade e instabilidade familiar. A população desempregada está mais exposta a situações de risco e situações de exclusão social, que poderão levar à marginalização e/ou aumento de criminalidade, logo, a aumentos de encargos financeiros com a justiça.
O desemprego pode levar à desestruturação e desorganização familiar, carências económicas e diminuição do poder de compra, com consequências ao nível do crescimento económico. Verifica-se a perda de impostos que os desempregados pagariam e que poderiam ser utilizados em benefício de toda a sociedade, bem como um aumento da despesa pública decorrente do pagamento de apoios sociais. Desta forma, não se gera a riqueza que seria capaz de gerar se todos os seus recursos estivessem a ser aproveitados da melhor forma. A nível individual, identifica-se de imediato a consequência de âmbito económico, ou seja, a perda de rendimento para o indivíduo (Almeida et al., 1992; Costa, 1998).
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE, 2023), a taxa de desemprego, em Portugal, fixou-se em 6% em 2022, em que a proporção de desempregados de longa duração representava 45,2%, sendo que mais de 3/5 destes (63,7%) se encontravam nesta situação há dois ou mais anos. O desemprego constitui um fator potenciador de exclusão social, refletindo-se na taxa de risco de pobreza ou exclusão social, que em Portugal tem vindo gradualmente a aumentar, representando 22,4% em 2021, a oitava taxa mais elevada da UE (a 13ª em 2020). O risco de pobreza e exclusão social mantém-se para cerca de 1/5 da população, sendo estes problemas sociais complexos devido à sua multidimensão.
Outro efeito é a depreciação do capital humano, pois estes indivíduos não se encontram a pôr em prática os seus conhecimentos, o que se traduz numa perda de qualificações e hábitos de trabalho. A falta de oportunidades conduz à desmotivação e ao desemprego de longa duração, que leva a consequências psicológicas negativas, como sentimentos de frustração e insatisfação com a vida, diminuição da auto estima, surgimento de problemas de saúde mental e a sua agudização, logo, um aumento de encargos financeiros para o Estado na área da saúde.
Em Portugal, o tema da pobreza e a sua multidimensionalidade, juntamente com a exclusão social e, ultimamente, a desigualdade social, tem sido amplamente abordado em vários trabalhos, sendo de referir, entre outros, os de Costa (1998), Costa et al. (2008), e Costa (2012). A pobreza encara-se como um fenómeno complexo, possuindo diferentes ângulos de interpretação. Neste sentido, a forma como a sociedade se organiza em termos políticos e económicos é determinante, assim como ultrapassar o tratamento setorial das populações desfavorecidas, promovendo programas e projetos que se pretendem inovadores.
O concelho de Vila Nova de Gaia, onde se foca a intervenção da Escola Oficina, evidencia um tecido urbano industrial e de serviços. As maiores vulnerabilidades associadas são os níveis elevados de desemprego e o emprego com baixas remunerações, bem como os baixos níveis de qualificação profissional. Urge explorar a compreender melhor as condições de vida e os fenómenos sociais complexos que levam à pobreza e à exclusão social, e como esses fatores dificultam a plena integração das famílias na sociedade. Por outro, verifica-se a restrição de recursos com que as instituições enfrentam as problemáticas sociais mais complexas e permanentes. O desemprego afigura-se a questão central neste território, evidenciando-se de uma forma extensiva, desde os mais novos aos mais escolarizados, conjugando-se com os fracos níveis de qualificação dos ativos, baixas remunerações do trabalho e insuficientes rendimentos das famílias. Estes são fenómenos que se traduzem na pobreza em muitos indivíduos, incluindo ativos empregados. Segundo dados da PORDATA, no ano de 2022, registou-se 10.544 pessoas em situação de desemprego, sendo que 4.892 estavam desempregados há menos de um ano e 6.343 se encontravam desempregados há mais de um ano (portanto, desempregados de longa duração). Denota-se a prevalência do desemprego de longa duração, atingindo mais mulheres que homens, aumentando a sua condição de vulnerabilidade.
Urge uma intervenção estruturada neste âmbito, através da capacitação de desempregados e promovendo a sua qualificação e desenvolvimento de competências, e a promoção e a criação de postos de trabalho, proporcionando à população uma adequada integração no mercado de trabalho. As respostas sociais e de apoio ao emprego, a formação e qualificação existentes, paradoxalmente nem sempre estão de acordo com as necessidades do mercado, não facilitando o match entre as competências e as necessidades. Esta situação leva, muitas vezes, a que as pessoas em situação de desemprego se vejam conformadas com a falta de oportunidades, por não verem alternativas para a sua integração profissional. As respostas padronizadas existentes no território limitam a intervenção, pela falta de um acompanhamento social personalizado às individualidades de cada um, e é importante reforçar que cada caso é um caso, sendo mais complexo obter resultados através de soluções pré-formatadas.
Os princípios da intervenção da Escola Oficina
A metodologia adoptada pela Escola Oficina valoriza a motivação e o saber fazer, e aposta na (re)integração socioprofissional de públicos desfavorecidos e em situação de precariedade no mercado de trabalho. Procura combater as contradições associadas ao inempregáveis, pressupondo que todas as pessoas são empregáveis desde que queiram trabalhar, e reinventa recursos para a inserção profissional de pessoas vulneráveis e em dificuldade no acesso ao emprego, a partir das empresas que procuram trabalhadores. Leva a cabo abordagens participativas com os vários intervenientes afetados pelos sistemas de exclusão e integração (em primeiro lugar, pessoas à procura de trabalho, mas também empregadores, agentes de integração e técnicos sociais). É uma prática de inserção profissional e de promoção de emprego, cujo fim último, sendo social, atua sobre o económico, mobilizando precisamente o económico e o social, simultaneamente.
Uma das estratégias passa pelo desenvolvimento de programas específicos de qualificação de públicos mais afastados do mercado de trabalho e capacitação de públicos com baixas qualificações e em maior risco de exclusão do mercado de trabalho, em articulação com estratégias mais vastas, melhorando não apenas as oportunidades de emprego, mas também níveis de cidadania e participação na vida social, apostando na resiliência das pessoas e comunidades, em especial as mais vulneráveis, ajudando à sua preparação individual e coletiva. A valorização e reforço das competências é o caminho para este desafio, seja por via da qualificação formal e da formação profissional, seja por via da educação não-formal e aprendizagem ao longo da vida. A promoção de competências técnico-profissionais, assim como de competências pessoais e sociais transversais, é um fator decisivo para o reforço de oportunidades (seja no acesso ao trabalho digno, a rendimentos e ao bem-estar).
O território de Vila Nova de Gaia, onde intervém a Escola Oficina, é muito amplo, compondo zonas rurais e urbanas, e com uma população com características específicas face ao contexto em que está inserido, pelo que se considera que só uma abordagem inovadora, sistémica e holística poderá levar ao sucesso sustentável do combate ao fenómeno do desemprego e da pobreza. A intervenção da Escola Oficina visa a (re)integração sócio-profissional de públicos mais desfavorecidos no mercado de trabalho, através de relações de proximidade com as empresas empregadoras. Trata-se de uma cooperação com as empresas que procura responder às suas necessidades de recursos humanos, promovendo a inserção profissional de pessoas em emprego estável e duradouro, assumindo um lugar ativo na regulação de um mercado de trabalho onde os fluxos de trabalho pouco beneficiam as populações com maiores vulnerabilidades.
Outra problemática adjacente é a da sustentabilidade, nomeadamente a ambiental. A primeira referência a desenvolvimento sustentável surgiu em 1987 no Relatório Brundtland, elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento: (…) a capacidade de satisfazer as nossas necessidades no presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades. Este conceito procura equilibrar os aspetos económicos, sociais e ambientais do desenvolvimento, alcançando um equilíbrio entre o crescimento económico, a justiça social e a preservação dos recursos naturais e do meio ambiente. Esta abordagem incentiva a adoção de práticas de produção e consumo responsáveis, a promoção da igualdade social e a proteção do meio ambiente. Esta teoria procura conciliar o desenvolvimento económico, social e ambiental, de forma a satisfazer as necessidades das gerações presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades. É baseada na ideia de que o crescimento económico não pode ocorrer a qualquer custo ambiental, e que é necessário adotar práticas que respeitem os limites dos recursos naturais e que promovam a preservação e a regeneração do meio ambiente (Lélé, 2013).
As atuais tendências de aumento populacional e consequente pressão nos recursos naturais, o paradigma vigente, baseado na sobreexploração de resíduos naturais, promovem um modelo linear de consumo. Urge a necessidade de as sociedades modernas avançarem para um paradigma mais sustentável, uma economia mais verde que assegure o desenvolvimento económico, a melhoria das condições de vida e de emprego, compreendendo a preservação e manutenção do meio ambiente bem como a regeneração do capital natural, garantindo as necessidades de gerações futuras.
Segundo dados do INE (2018), os resíduos industriais produzidos em Portugal ascenderam a cerca de 10,7 milhões de toneladas, em que cerca de 1,7 milhões destes são encaminhados para eliminação (por exemplo, incineração ou aterro). A responsabilidade pela gestão dos resíduos não urbanos, incluindo os respetivos custos, cabe ao produtor inicial dos resíduos, ou ao seu detentor, devendo ser seguidas todas as disposições estabelecidas para a gestão de resíduos. Muitos dos resíduos não urbanos apresentam determinadas especificidades que os determinam para aterro. Face às taxas aplicadas, acaba por compensar o envio de resíduos para aterro, por ser mais barato do que reciclar, sendo necessário corrigir estas dispersões existentes. Dados da Associação Portuguesa do Ambiente (APA), indicam que, em Portugal, 200 mil toneladas de têxteis vão para aterro, o que equivale a cerca de 20 kg têxteis/habitante/ano.
Uma economia mais circular tem vindo a ser apresentada como um conceito operacional no caminho para a mudança de paradigma, para ações circulares que poderão viabilizar uma redução de 2 a 4% das emissões totais anuais de gases de efeito de estufa, tendo em vista enfrentar os problemas ambientais e sociais decorrentes da globalização dos mercados e do atual modelo económico baseado numa economia linear de extração, produção e eliminação. Uma economia circular impulsionará a competitividade, ao proteger as empresas contra a escassez dos recursos e a volatilidade dos preços, ajudando a criar novas oportunidades empresariais e formas inovadoras e mais eficientes de produzir e consumir (COM, 2015, p. 2). Uma economia circular mantém o valor acrescentado nos produtos pelo maior tempo possível e elimina o desperdício (COM, 2014, p. 2). A economia circular é, assim, apresentada como um catalisador para a competitividade e inovação. Desta forma, é importante compreender a complexidade dos problemas sociais e, a partir daí, estruturar novos modelos organizacionais, para ter maior sucesso na sua gestão (Marques, 2017).
A prática da Escola Oficina
O Projeto Escola Oficina, promovido pela Gaiurb – Urbanismo e Habitação, EM desde a sua criação, está alinhado com a política de responsabilidade e intervenção da empresa, possuindo ações que visam: a redução da pobreza e a exclusão; a promoção da saúde, o bem-estar e a qualidade de vida da população; a valorização e ampliação das competências; o aumento de resiliência das comunidades; a promoção e a qualificação dos recursos; e as parcerias institucionais para a inclusão e a inovação social.
A Escola Oficina surge em 2015, como projeto piloto, procurando testar uma resposta a um desafio e vários problemas sociais. Consolida a sua intervenção como um projeto de inovação social e de empreendedorismo social, procurando identificar e implementar soluções inovadoras para problemas importantes e negligenciados da sociedade. Quando as soluções encontradas são mais eficazes do que as que estão institucionalizadas, obtemos inovação social (Santos, 2012). A Escola Oficina cumpre, assim, os princípios do empreendedorismo social, criando valor para a sociedade através de iniciativas de impacto, inovando na sua abordagem que desafia a visão tradicional, tendo impacto através da transformação de mentalidades e dinâmicas da sociedade, e apresentando um modelo sustentável de funcionamento de forma eficiente e viável. Assim, a Escola Oficina nasce com o propósito de estabelecer pontes para o emprego através da capacitação de pessoas desempregadas, bem como o desenvolvimento de novas áreas profissionais que visam a economia circular, aliado ao reaproveitamento e transformação de desperdícios têxteis, assente nos princípios da educação, integração social, sustentabilidade ambiental e rentabilidade económica das famílias. Nesta perspetiva, as práticas de cidadania conscientes, a sustentabilidade do desenvolvimento económico, a integração social qualificada e a oportunidade de integração no mercado de trabalho de pessoas em vulnerabilidade social constituem o universo de objetivos inerentes ao projeto. A Escola Oficina procura, através de uma resposta socialmente empreendedora, a implementação e desenvolvimento de ideias inovadoras para responder aos problemas identificados na comunidade, visando um fim social e, também, económico.
Para dar resposta, a Escola Oficina encontra-se organizada em duas áreas de intervenção: a Capacitação e a Oficina de Produção. Na Capacitação, o objetivo passa pela construção de conhecimentos/formação, a (re)qualificação e a certificação profissional, essencialmente na área de costura e cartonagem/artes gráficas. Tem-se verificado a necessidade de inclusão de outras competências essenciais, tais como a literacia digital, a literacia financeira, a literacia ambiental, saúde, democracia, cidadania, entre outras, aumentando a capacidade de resposta dos cidadãos aos desafios constantes, reforçando a aprendizagem ao longo da vida, determinante para a coesão territorial e desenvolvimento social e económico de uma sociedade. Dados divulgados pelo INE, referentes aos Censos 2021, demonstram que, em Portugal, os níveis de escolarização da população têm aumentado. No entanto, verifica-se que as pessoas possuem literacias básicas incipientes e que não compreendem o que leem, necessitando de colmatar lacunas e de desenvolver competências para que possam ser plenas no acesso aos seus direitos. Desta forma, a atuação da Escola Oficina procura responder a um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), nomeadamente o da Educação de Qualidade, que visa aumentar o número de jovens e adultos com habilitações relevantes, incluindo competências técnicas e profissionais para emprego, trabalho digno e empreendedorismo. Por outro lado, na Oficina de Produção, o objetivo é permitir que os participantes coloquem em prática os conhecimentos construídos no âmbito da capacitação e iniciem projetos em contexto real de trabalho, que se traduzam na transformação de desperdícios (têxteis, papel e cartão), cedidos pelas empresas. A proposta de valor passa pela transformação e criação de produtos finais com valor acrescentado, evidenciando o forte impacto ambiental através da economia circular.
O projeto possui um princípio empreendedor, segundo o qual as receitas geradas pelo próprio projeto, por via da comercialização dos produtos criados pelos participantes, promovem a sua empregabilidade e a sustentabilidade ambiental, e apoiam a autossustentabilidade do projeto e aumentam a rentabilidade económica das famílias. Deste modo, o projeto procura combater esta inadequação entre as qualificações dos trabalhadores e o mercado do trabalho, por via da sua capacitação para o desenvolvimento de tarefas potenciadoras de valor económico, seja pela criação do próprio emprego na produção de novos produtos, seja pela sua qualificação para o ingresso no mercado de trabalho.
Além da capacitação e da integração no mercado de trabalho, promove-se a sustentabilidade ambiental e aumenta-se a consciencialização da população para a importância da redução e reutilização de lixo. Criam-se produtos de qualidade que capacitam e empregam desempregados e ajudam o ambiente. Sendo outras das preocupações da intervenção da Escola Oficina a sustentabilidade ambiental e a promoção de uma economia circular, destaca-se a intervenção no âmbito da promoção de uma literacia ambiental, onde se envolvem crianças em idade escolar e pré-escolar em atividades de upcycling.
A inovação social surge ao gerar-se uma nova resposta a um problema social, diferenciada das convencionais, que promove a autonomia e gera impacto social positivo, com utilização eficiente de recursos. Trata-se de uma intervenção inovadora e holística, enquanto projeto de empreendedorismo e inovação social que, numa perspetiva triple bottom line, é criadora de valor social, económico e ambiental. Destaca-se por intervir de forma acessível, aplicando uma metodologia de planeamento centrado na pessoa, através de uma intervenção individualizada visando o projeto de vida de cada participante.
O modelo subjacente
Ao ter uma visão sistémica, é possível identificar oportunidades para inovar em múltiplas áreas simultaneamente, permitindo soluções inovadoras que abordam os desafios de forma integrada e holística. Assim sendo, centra-se na compreensão das inter-relações e interdependências dentro de um sistema, as interações entre esses componentes, e o contexto maior em que o sistema opera, para identificar pontos onde podem ser feitas intervenções para melhorar o sistema como um todo.
Uma forma comum de compreender os esforços de sustentabilidade é utilizar o conceito conhecido como Triple Bottom Line, que congrega o que se entende por “três P’s”: lucro, pessoas e planeta (em língua inglesa, profit, people e planet, respetivamente). As empresas podem utilizar estas categorias para concetualizar a sua responsabilidade ambiental e determinar quaisquer impactos sociais negativos e/ou positivos para os quais possam estar a contribuir. A partir daí, integram-se práticas sustentáveis em todas as operações, de forma a impactar positivamente a sociedade e o ambiente, além do propósito da sustentabilidade económica. Este conceito de Triple Bottom Line foi apresentado por Elkington em 1997 e, na década seguinte, surge o conceito de Environmental, Social and Governance (ambiental, social e governança), apresentado pela Organização das Nações Unidas em 2004, com a publicação do relatório Who Cares Wins (2004). A aplicação destes princípios empresariais junto das organizações acrescenta uma diferença de valor para as mesmas. O princípio da sustentabilidade comporta, assim, a capacidade de uma empresa ou organização gerir a sua atividade e criar valor a longo prazo, ao mesmo tempo que cria benefícios sociais e ambientais para os seus stakeholders.
Analisando melhor a aplicabilidade do Tiple Bottom Line (Elkington, 1997) à intervenção da Escola Oficina, temos assim:
- na dimensão económica, a sustentabilidade económica da organização. É importante que a organização seja economicamente viável, garantindo a sua sustentabilidade no longo prazo. O objetivo é que a organização seja capaz de gerar valor económico e atender às necessidades económicas das pessoas que beneficiam da intervenção;
- na dimensão social, os impactos e benefícios proporcionados pela organização à sociedade em geral, incluindo funcionários, clientes, fornecedores e comunidades locais. Envolve questões como a promoção de direitos humanos, igualdade de género, diversidade, segurança e saúde no trabalho, responsabilidade social e envolvimento comunitário. O objetivo é que se contribua para a melhoria da qualidade de vida e bem-estar das pessoas envolvidas nas suas atividades;
- na dimensão ambiental, os impactos e benefícios da organização em relação ao meio ambiente. Inclui questões como uso eficiente de recursos naturais, conservação da biodiversidade, gestão de resíduos e prevenção da poluição. O objetivo é que a organização minimize os seus impactos ambientais negativos e contribua para a sustentabilidade ambiental.
A abordagem do Triple Bottom Line reconhece que o sucesso de uma organização vai além do lucro financeiro e inclui a responsabilidade de gerar benefícios sociais e ambientais. Procura-se um equilíbrio entre essas três dimensões, reconhecendo que elas estão interconectadas e que o desempenho numa dimensão pode afetar as demais. Há uma consciencialização e o reconhecimento de que a integração de aspetos ambientais e sociais nos processos de tomada de decisão pode resultar em novas oportunidades de negócio e ter um reflexo direto na criação de valor económico, aliado ao social.
Conclusão
Explorando o paradoxo do social e económico aliado ao sustentável, a intervenção da Escola Oficina acompanhou, desde 2015, mais de 5.500 pessoas, com mais de 190 integradas profissionalmente. Produziu e comercializou 50 mil artigos confeccionados a partir de 1,4 toneladas de resíduos recolhidos, contribuindo para uma redução da pegada carbónica em cerca de 19ton CO2eq.
A intervenção da Escola Oficina pode estimular o combate às contradições e aos paradoxos da sociedade e ser um desafio para a transformação social, oferecendo uma intervenção que promova uma reflexão crítica para todos, estabelecendo parcerias com a comunidade, capacitando os participantes e formando cidadãos conscientes, seja através de:
- uma formação crítica, estimulando as pessoas acompanhadas a questionar e problematizar as contradições presentes na sociedade. Isto permite que elas desenvolvam competências de pensamento crítico e se tornem agentes de transformação social;
- um acesso igualitário à educação, proporcionando oportunidades de aprendizagem e escolarização para todos, independentemente da sua condição social, económica ou origem, assim contribuindo para reduzir as desigualdades sociais e promover a equidade;
- as parcerias com a comunidade junto de organizações do território, como organizações não-governamentais, empresas locais e órgãos governamentais, para desenvolver projetos que abordem as contradições e os paradoxos presentes no território. Tal permite uma abordagem mais abrangente e efetiva das questões sociais;
- o empoderamento das pessoas acompanhadas, por meio de atividades práticas, acompanhamento técnico e projetos que envolvam a participação ativa das mesmas na identificação de soluções individuais e na resolução de problemas sociais;
- formação de cidadãos ativos e conscientes dos seus direitos e deveres, capacitando-os para o envolvimento, de forma crítica e responsável, na transformação social. Tal inclui o estímulo à participação cívica, o respeito pelos direitos humanos e a valorização da diversidade.
No curto prazo, a intervenção da Escola Oficina permitiu mudanças que vão desde o aumento da autoestima e da autoconfiança das pessoas acompanhadas, à capacitação e aumento de qualificações escolares/profissionais. Estas tornaram-se mais conscientes e sensibilizadas para as questões ambientais, assim como o tecido empresarial ficou mais sensibilizado para os contributos que estes indivíduos podem dar à comunidade e ao planeta, no que concerne às preocupações ambientais e à responsabilidade social.
A médio prazo, as mudanças encerram em si uma visualização consequente da ação. A co-criação destes produtos com a população, o tecido empresarial e os consumidores apresenta uma componente de educação e sensibilização, a par da manutenção da circularidade dos materiais, contribuindo para um futuro mais sustentável. Do ponto de vista económico, existem ganhos claros para todos os atores do projeto: por um lado, com a recolha dos desperdícios pela Escola Oficina, existe uma poupança para as empresas e, por outro lado, com a comercialização dos artigos, contribui-se para a sustentabilidade económica do projeto, permitindo um acompanhamento gratuito aos públicos. Ao mesmo tempo, contribui-se para a rentabilidade económica das famílias, promovendo o desenvolvimento e o fortalecimento social, através da sua integração no mercado de trabalho, permitido a redução de apoios sociais do Estado. Ao integrar profissionalmente as pessoas, contribui-se, também, para a diminuição da taxa de desemprego.
A longo prazo, promove-se a integração social tendo em conta a necessidade fulcral de reduzir os níveis de desigualdade e consequentes níveis de pobreza e exclusão social que caracterizam a sociedade portuguesa, enquanto entraves à coesão social, ao crescimento económico e à participação. Promove-se a diminuição das emissões de CO2 e o consumo de água, e aumenta-se a quantidade de desperdício que é upcycled.
Este projeto é empreendedor e inovador, apresentando uma visão estratégica para um futuro mais integrado e sustentável, demonstrando que um projeto com propósito social pode aliar a sustentabilidade económica à sustentabilidade ambiental.
Referências
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- EU – Unemployment statistics: https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php?title=Unemployment_statistics.
1 | Doutorada e Coordenadora da Unidade de Desenvolvimento Social da Gaiurb, Urbanismo e habitação, EM. |
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2 | Licenciada e Técnica Superior da Unidade de Desenvolvimento Social da Gaiurb, Urbanismo e habitação, EM. |
3 | Mestre e Técnica Superior da Unidade de Desenvolvimento Social da Gaiurb, Urbanismo e habitação, EM. |
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2 | Licenciada e Técnica Superior da Unidade de Desenvolvimento Social da Gaiurb, Urbanismo e habitação, EM. |
3 | Mestre e Técnica Superior da Unidade de Desenvolvimento Social da Gaiurb, Urbanismo e habitação, EM. |