Tania Ramalho[1]State University of New York – School of Education, Curriculum & Instruction Department.
Neste trabalho, examino a obra Education for Social Change: Perspectives on Global Learning – Educação Para a Mudança Social: Perspectivas Sobre a Aprendizagem Global (2022, Bloomsbury Academic) de Douglas Bourn, professor/mentor e pesquisador associado ao DERC – Development Education Research Center (Centro de Pesquisa de Educação Para o Desenvolvimento) do Instituto de Educação da Universidade Central de Londres. A obra visa servir a professores e alunos da comunidade acadêmica, mas é igualmente de interesse para o público, em virtude da grande variedade de assuntos relevantes para a relação educação e sociedade. Ofereço aqui uma descrição detalhada do tomo, o qual avalio como uma contribuição importante para os campos de estudo pertinentes.
Preparando-se para sua palestra professoral, quando refletia sobre seu percurso desde estudante a acadêmico ativista, a ideia do livro se revelou para Bourn. Recorda que após o doutorado, diz ter “tido a sorte” de se envolver com organizações baseadas, uma nos objetivos e princípios da educação para a mudança social; e outra, no serviço ao meio ambiente. Tornou-se então diretor-fundador da Associação de Educação Para o Desenvolvimento e levou a mesma orientação ao organizar o novo centro de pesquisa universitário. Assim, o aprendizado e a educação global tornaram-se assuntos norteadores dos estudos e investigações sobre desenvolvimento, com vista ao nivelamento das desigualdades sociais e planetárias através da sustentabilidade e da cidadania global.
Educação Para a Mudança Social examina, em doze capítulos e quatro seções, várias formas de compreender, interpretar e executar o tema da educação e mudança, fundamentada numa pedagogia para a justiça social global que crê na esperança de que as sociedades possam alcançar equidade e justiça para os povos. Educadores e educandos devem acreditar nesta possibilidade e se comprometer pessoalmente com a transformação social através da reflexão, do diálogo, e da ação, concepções claramente fundamentadas na pedagogia crítica freiriana e seus seguidores.
Na verdade, aponta o autor, para se introduzir uma mudança, não importa qual político ou partido esteja no poder. Há sempre “espaços que podem ser criados os quais permitem desenvolver e sustentar práticas radicais e progressistas” (p. 4) no cotidiano; espaços criativos são pré-requisitos de mudança. Por esta razão, grupos, especialmente de jovens, devem receber apoio e recursos para desenvolver projetos onde novos atributos de ação possam ser testados. Mostra-se abertamente otimista e confiante no futuro com esta postura, e convida os leitores a compartilhá-la, apesar das dificuldades impostas pelos desafios socioeconômicos, políticos e ambientais à nossa frente.
Bourn identifica autores e compila suas contribuições mais importantes para os tópicos considerados, assim estabelecendo um mapa sólido da relação educação e mudança social como campo de estudo. A primeira seção (capítulos 1-3) faz referência a conceitos fundamentais nestas discussões e práticas. O primeiro capítulo reconhece que a humanidade já alcançou um acordo formal sobre o direito universal à educação desde 1948, quando estabelecida a Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas. Nickel (2007) sugere a seguinte definição,
Direitos humanos são normas universais que descrevem os padrões de comportamento que protegem pessoas de todas as idades contra todas as formas de abuso, sejam estas sociais, econômicas, políticas ou legais (p. 14).
A UNESCO (2019), baseada neste trabalho, identifica os direitos humanos, como reconhecidamente diversos, universais, e de alta prioridade – não como simples promessas, mas como garantidos. O direito à educação, além de beneficiar o indivíduo, é também fundamental para o desenvolvimento de vários aspectos da sociedade: da economia; da paz e democracia; da cultura, através da aprendizagem de línguas, artes e esportes; das identidades nacionais; e da justiça social, especialmente no que toca às questões de desigualdade de gênero (p. 16) e raça. Presentemente, o direito à educação é o quarto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, com as metas, além de outras, de assegurar educação pré-primária, fundamental e secundária, gratuitas e de qualidade, e o letramento de jovens e adultos, incluindo-se os objetivos de sustentabilidade.
Bourn discute a história das ideias sobre o papel da educação na sociedade desde o princípio do pensamento sociológico e a contradição entre a educação formal que serve aos interesses do status quo capitalista (tese da reprodução), e a educação crítica, que oferece oportunidades de resistência e mudança (tese da transformação ou liberação). Apple (1982), influenciado por Gramsci, escreve:
A educação… é uma arena de conflito sobre a produção de conhecimento, ideologia, e emprego, um lugar onde os movimentos sociais tentam satisfazer seus propósitos e os donos de negócio reproduzem sua hegemonia (p. 25).
A pedagogia crítica se desenvolve a partir desta premissa sobre as posições contraditórias da escola, onde os professores, como intelectuais da transformação, podem questionar a ideologia dominante, assim agindo de modo contra-hegemônico, de acordo com o pensamento de estudiosos como Apple, Freire, Giroux, Aronowitz e Postman e Weingarner (p. 27-28).
A relação democracia-educação é tratada no segundo capítulo, com foco na cidadania, nas escolas democráticas e exemplos de educação para democracia na Europa Oriental e Central e na África do Sul. Segue o capítulo sobre educação para liberação, examinando a experiência de líderes de lutas anticoloniais e contra a opressão – Gandhi enfatizou o lado mais espiritual da educação para liberação; Nyerere discutiu a ligação entre educação e a liberação da nação; Freire examinou a educação liberadora baseada no diálogo, reflexão, e ação para ultrapassar as condições de opressão. Para a americana negra bell hooks, recentemente falecida, ensinar e aprender são atos revolucionários da educação como resistência às forças de opressão de classe social, raça e sexo-gênero. Rosen (n.d.), por sua vez, determina que três requisitos da educação para liberação são: a cooperação entre mestres e alunos no exercício da autonomia no ato de aprender; princípios alternativos de organização da educação e das escolas; e princípios alternativos para uma educação democrática baseada na investigação, descobrimento, discussão, imaginação e jogos (p. 57).
Os capítulos de 4 a 7, a segunda seção do livro, aborda conceitos e esforços concebidos por visões da sociedade como socialista, como global e globalmente justa, e em transformação, rumo a um futuro sustentável para a humanidade construído por cidadãos globais. Nas questões relativas à educação para o socialismo (pp. 59-75), Bourn inclui Robert Owen, o socialismo educativo dos líderes do Partido dos Trabalhadores inglês (Labour), e representantes da educação marxista, com exemplos de Cuba e da educação popular de Augusto Boal, com o teatro do oprimido, e da Escola Folk Highlander, ligada à luta pelos direitos civis dos negros americanos. A educação para uma sociedade global (pp. 77-94) discute três temas principais: a influência da globalização, inclusive de movimentos sociais globais que levam o etos do capitalismo para a educação, dirigindo-a para a criação de economias baseadas no conhecimento; a influência da mídia social; e exemplos de programas de aprendizagem global.
Para o autor, qualquer forma de programa educacional com perspectiva global deve indagar: O que significa a desigualdade social? Por que algumas pessoas são pobres e outras ricas? Qual o impacto do colonialismo? Como as forças poderosas econômicas e da mídia social influenciam o currículo e a instrução? Estas perguntas levam a questionamentos importantes para o currículo.
“Pedagogia para a Justiça Social Global”, o sexto capítulo (pp. 94-120), examina os termos pedagogia e pedagogia crítica, justiça social, a perspectiva global dentro da justiça social, e a educação para a justiça social e sobre os direitos humanos. Adams, Bell e Griffin (1997) definem educação para justiça social tanto como objetivo, como processo:
Acreditamos que o processo para se atingir o objetivo de justiça social deve ser democrático, engajado, inclusivo, e afirmativo da agência e capacidade humanas para o trabalho colaborativo de construção da mudança. O objetivo da educação para a justiça social é a participação igual e completa na sociedade, moldada para satisfazer necessidades, de todos os seus grupos (p. 104).
A pedagogia da justiça social global, emancipatória e decolonial desenvolve a conscientização através dos “E” oferecidos por Tan (2009): Engajamento; Educação com ensino de competências críticas e acadêmicas; Experiência; Empoderamento pessoal e Exercício da ação.
“Educação para Transformação, Futuro Sustentável e Cidadania Global” (pp. 121-138) conclui esta seção, com a pedagogia da aprendizagem transformativa de Mezirow, aquele ensino-aprendizagem que afeta a identidade do aluno através da ação social. Stephen Sterling é chamado para identificar três níveis pedagógicos – de transmissão de conhecimentos, de interação, levando em conta o contexto social, e o de transformação no campo de ação. Por sua vez, educação para a sustentabilidade e cidadania global oferecem uma cacofonia de vozes e perspectivas contemporâneas sobre estes assuntos, entre elas as de Goren and Yemini, Pashby, da Costa, Stein e Andreotti, Shultz, Gaudelli e outros, incluindo o próprio autor (pp. 129-133).
Após estas considerações históricas, teóricas e práticas, nos três próximos capítulos da terceira seção, Bourn examina políticas e investigações sobre os indivíduos diretamente envolvidos com a educação, capazes de se tornar agentes de mudança social: professores de crianças e adolescentes, organizações para jovens e os próprios como ativistas, e professores universitários, ou “tutores acadêmicos”, como denominados (p. 187).
Para serem agentes da mudança social, professores de escolas primárias e secundárias devem compreender o papel do professor em relação à justiça social e demonstrar competência em suas práticas, conscientes das forças que influenciam a escola. Devem exercitar autonomia, acreditando que seu trabalho faz diferença, e ser capaz de autorreflexão (p.144). Bourn adverte que “a realidade da experiência do professor e as influências sociais e ideológicas na sua prática diária muitas vezes vão contra… [as expectativas em relação ao papel do professor]” (p.143). Mais, examina o papel do professor em termos das pesquisas sobre aprendizagem global, desenvolvimento profissional, uso de pedagogia transformativa, mudança na escola, e cidadania global.
O capítulo sobre o trabalho com a juventude e os jovens como ativistas (pp.161-185), é rico em informações, considerando o impacto da globalização em relação a oportunidades de emprego, grupos de amizade em redes sociais na Internet, e influências da cultura de consumo. Com exemplos específicos, discute a situação dos jovens em relação à mudança social, à sua participação em questões sociais, especialmente em ações visando a justiça social, e às suas contribuições como agentes de mudança desde a perspectiva global.
“O Papel do Tutor Acadêmico” fecha a terceira parte do livro (pp.187-209), tendo como objetivo, “examinar especificamente como as universidades, e particularmente os acadêmicos, abordam sua função social, e como esta se relaciona com a educação para a justiça social” (p.187). Bourn examina várias perspectivas sobre as mudanças no papel da educação superior, seus objetivos sociais e na procura do bem comum, o professor/tutor como agente de mudança social, a universidade sustentável e como cidadã global. A pesquisa de Bosio na Universidade da Califórnia, Los Angeles, revela que os professores acreditam se tornar agentes de mudança social ao levar o aluno a se conscientizar sobre seu papel no mundo, a ter mais confiança na capacidade de poder se transformar e à sociedade, e a aprender e refletir sobre conhecimentos acerca do mundo (p. 202).
A quarta e última parte do livro (pp. 211-257) abarca dois capítulos intitulados “Organizações da Sociedade Civil Como Agentes de Mudança” e “Organizações Internacionais, UNESCO, Carta da Terra, e Colocando na Prática os Objetivos de Desenvolvimento Global”. O primeiro examina as organizações civis e não governamentais em relação aos mesmos temas, educação para a mudança social, cidadania global, e o desenvolvimento sustentável. De acordo com Tarozzi (p. 229), as ONGs contribuem com vozes críticas inovadoras para a teoria, prática e políticas que eventualmente afetam certas decisões governamentais.
O exame das organizações internacionais (pp. 237-257) demonstra sua importância para a mudança social global através de debates e iniciativas, particularmente sob o auspício das Nações Unidas e de seu órgão educativo e científico, a UNESCO; especificamente, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, e a Década para o Desenvolvimento Sustentável (2005-2014). Bourn discute o trabalho de Brown e McCowam sobre o conceito de buen vivir, sugerindo pôr em prática os princípios de pluralismo epistemológico (justiça cognitiva); de flexibilidade nos espaços educativos entre disciplinas e profissionais da educação; holismo na aprendizagem (manual, prática, técnica, abstrata, estética e espiritual); cooperativismo; compaixão e paz (não-violência); coletivismo na aprendizagem em redes humanas e com outros seres, e formas de trabalho não-alienado ricas, bem além da “empregabilidade” somente.
É importante enfatizar que cada capítulo contém exemplos reais que demonstram a aplicação dos conceitos discutidos em projetos e programas de organizações, quando relevantes. Também contém listas de perguntas para maior consideração e que servem de temas para discussões e debates.
No prefácio de Educação e Mudança Social escrevi:
O lado artístico do autor se manifesta nas ideias que tem proposto para a educação: a pessoa educada do nosso tempo deve compreender como o que acontece à volta de si está ligado ao que acontece em outras partes mundo; deve reconhecer a vida numa sociedade global e o valor das perspectivas e experiências alheias; deve compreender o impacto das forças globais através da reflexão crítica sobre dados e informações; deve nutrir atitudes e habilidades de reflexão crítica e diálogo sobre si mesmo e a sociedade, e poder se engajar e trabalhar cooperativamente com pessoas diversas, e ter confiança na crença de que um outro mundo é possível (p. viii).
Bourn guia o leitor de seu livro por muitos caminhos que levam a este tipo de educação e — quem sabe? — à mudança social. Não há dúvidas quanto à possibilidade de se construir um mundo muito melhor e, acima de tudo, mais belo, grande preocupação estética de Freire. Aceito que o mapa destes caminhos apresentado por Bourn sejam incompletos e reflitam, de certo modo, um viés liberal nortenho e modernista. Porém, as possibilidades continuam abertas aos leitores que, a partir deste mapa, podem trabalhar para fazê-lo mais completo e nítido. Um desafio para os pesquisadores da educação para a mudança social serão as questões relativas às interfaces do impacto da mídia social, tão importante no mundo urbano onde quase todos vivemos globalmente, e a educação. Como educadora de professores, ouço meus alunos de mestrado se mostrarem desencorajados com a prevalência das gozações e informações do Tik Tok nas classes e corredores de suas escolas. Que mudanças sociais advêm desta realidade e deste tipo de educação?
Oswego, NY
10 de maio de 2022.
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