Sara Poças1 e Tânia Neves2

Guía de educación para el desarrollo. Y tú…¿cómo lo ves?

ACSUR – Las Segovias (Ed.) (1998). Madrid: Los Libros de la Catarata.

 

Nota sobre a entidade responsável pela publicação:

A ACSUR – Las Segovias é uma Organização Não-Governamental para o Desenvolvimento (ONGD). Nasceu em 1986, com um projeto na região de Las Segovias, na Nicarágua, cujo nome foi adotado para a organização. A instituição trabalha na área da cooperação para o desenvolvimento com os países do Sul, de forma a assegurar uma vida digna e o respeito pelos direitos humanos. Trabalha ainda para o desenvolvimento humano e sustentável, enquanto direito dos povos, tendo por base a educação. Os objetivos da ACSUR – Las Segovias são o combate à pobreza e o desenvolvimento humano sustentável, bem como a promoção de estratégias que visem a eliminação da visão do mundo eurocêntrico, de forma a ser reconhecida a pluralidade de identidades, no âmbito da promoção da igualdade entre homens e mulheres. Ao mesmo tempo, pretende a transformação política dos processos de globalização de forma mais justa, equitativa e democrática, baseada na cooperação pacífica entre os povos. Este propósito promove também o empoderamento das comunidades carentes através da defesa e promoção dos direitos humanos, económicos, sociais e culturais das mulheres e dos homens. A defesa da dignidade humana é feita através da criação de redes de formação e de apoio e movimentos sociais e populares do norte e do sul, para promover a cidadania participativa e solidária. Finalmente, destaca-se ainda o trabalho na preservação do meio ambiente e de uma cultura de paz.

Recensão Crítica

Num mundo de guerras visíveis mas, e sobretudo, de guerras invisíveis perpetradas com armas não convencionais, como a economia global, o mercado mundial, a degradação da natureza, a pobreza e a marginalização de milhões de seres humanos, as Organizações Não-Governamentais (ONG) têm vindo a servir de ambulâncias. Esta metáfora de José Vázquez ilustra a importância de uma energia alternativa e inovadora que possa contribuir para combater e enfrentar estas questões controversas: a solidariedade. O autor tece o seu argumento, ainda, baseado no papel fundamental da educação como solução para os dilemas do mundo contemporâneo, uma vez que é sua função questionar o papel da escola, dos educadores e da própria aprendizagem.

Atribui-se à educação para o desenvolvimento, enquanto processo global que foca aspetos económicos, políticos, sociais e culturais, um contributo singular para o conhecimento e a interpretação do mundo contemporâneo, nomeadamente de forma a refletir sobre a realidade “norte-sul”, a interdependência e a cooperação, e a promover o estímulo de valores como a solidariedade, a tolerância e a justiça social, o respeito pela diversidade social, económica e cultural e a participação responsável e ativa na sociedade.

Como o próprio título indica, estamos perante um guia de Educação para o Desenvolvimento (ED), que se divide em três partes:

Na primeira parte são fornecidas orientações gerais sobre o conceito de ED e sua operacionalização através de programas educacionais em vários campos.

A segunda parte centra-se no debate teórico sobre a integração educativa, fornecendo ferramentas úteis para trabalhar com os jovens no sistema de ensino formal.

A terceira parte concentra-se sobre as possibilidades de planeamento de programas educativos no campo da educação não-formal e é direcionado principalmente para as organizações de juventude e lazer.

Este guia, editado em 1998, é consequência de uma primeira edição, de 1996, atualizada e enriquecida a partir de contribuições que surgiram de experiências práticas implementadas em Espanha.

Na primeira parte, no capítulo 1, apresenta-se a ED como a resposta a uma necessidade social de contar com pessoas comprometidas com os problemas coletivos da humanidade, como um marco de uma formação social crítica e uma ferramenta indispensável na construção de uma cultura alternativa que confronte de maneira crítica e ativa os conflitos mundiais gerados pela pobreza, pela injustiça e pela desigualdade.

O conceito de ED tem vindo a alterar-se, como apresenta Mesa (2000) quando propõe um modelo de cinco gerações da ED onde analisa as alterações de conceitos e de práticas ao longo da sua existência, caracterizando cada uma delas: a caritativa-assistencial, iniciada nos anos 50, e muito equacionada em termos de ajuda humanitária, assistência ou beneficência; a desenvolvimentista, surgida na década de 60, e muito assente na crença inabalável de que é possível todos os países atingirem o desenvolvimento dos países do “Norte” do mundo, considerado como modelo a seguir; a crítica e solidária, surgida como contestação à anterior, na década de 70, fruto dos processos de descolonização e dos movimentos sociais, baseada na crítica ao passado colonial e à pesada herança que este deixara nos países do “Sul”; a ED do desenvolvimento humano e sustentável, da década de 80, que propõe um conceito de desenvolvimento mais abrangente e foca já as questões ambientais; e, por último, a ED enquanto Cidadania Global, conceção mais atual, que propõe a formação de cidadãos preparados para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo, analisando-o e atuando sobre ele, ativa e comprometidamente.

Esta última sugestão de Manuela Mesa, de uma Educação para a Cidadania Global, vem sublinhar a ideia da ED enquanto processo de aprendizagem, na medida em que determina três propósitos para a ED: a sensibilização, a informação e a capacitação. A informação fornecida aos indivíduos é analisada, questionada e refletida a partir da realidade em que atuam e é a partir dela que os indivíduos procuram mobilizar-se para atuar e participar de forma responsável e comprometida. Esta ativação cívica dos cidadãos na procura de medidas inovadoras e eficientes define o processo de transformação social através da ED e releva a sua dimensão política, na medida em que traz ao debate a justiça social e procura a consciencialização sobre as desigualdades sociais e ainda sobre o papel que os cidadãos assumem na transformação social, seja ao nível local, seja ao nível global. Ora, de acordo com esta perspetiva de Cidadania Global, determina-se que os cidadãos compreendam o processo de globalização e todos os setores a que se estende – económico, político, social, cultural, tecnológico e ambiental; respeitem e valorizem a diversidade; se indignem e lutem contra as desigualdades e injustiças sociais; participem de forma ativa na comunidade, criando redes de cooperação; estejam dispostos a construir um mundo mais equitativo e sustentável, acreditando que podem atuar a favor da transformação social e ainda que assumam responsabilidade sobre estas ações (Argibay, Celorio e Celorio, 1997). Em suma, esta perspetiva de Educação para a Cidadania Global, ao promover a compreensão das interdependências globais, procura gerar processos de participação e ação cívicas e reafirmar o vínculo entre valores como a equidade, a justiça social e a solidariedade, assumindo-se enquanto “processo educativo transformador, comprometido com a defesa e promoção dos direitos humanos de todas as pessoas e que procura diferentes formas de ação no âmbito individual, local e global, para alcançar o desenvolvimento humano. Pretende ainda fomentar a autonomia do indivíduo, através de um processo de ensino-aprendizagem baseado no diálogo e na formação de conhecimentos, habilidades e valores, promovendo um sentido de pertença a uma comunidade mundial de iguais” (Boni, 2006: 47).

Realçando mais uma vez o propósito da ED enquanto processo educativo, determinam-se os três tipos de saberes: saber-saber (conhecimentos), saber-fazer (habilidades/competências) e saber-ser (valores/atitudes). Esta “conceção geral da educação” é também destacada pela ACSUR (1998:19), na medida em que nos diz que é a partir da conjugação destes saberes e da sua mobilização que se determina e se eleva o princípio de ação da ED, dando um sentido emancipatório e dialógico, a partir da participação social e do compromisso com a justiça e transformação social.

Em Portugal, a Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento (ENED) congrega e apresenta várias definições de ED, comprovando a diversidade de olhares e as diferentes sensibilidades. A definição da Plataforma das ONGD salienta o facto de a ED ser um processo educativo e enumera alguns dos seus principais objetivos:

A Educação para o Desenvolvimento (ED) é um processo dinâmico, interativo e participativo que visa: a formação integral das pessoas; a consciencialização e compreensão das causas dos problemas de desenvolvimento e das desigualdades locais e globais num contexto de interdependência; a vivência da interculturalidade; o compromisso para a ação transformadora alicerçada na justiça, equidade e solidariedade; a promoção do direito e do dever de todas as pessoas, e de todos os povos, participarem e contribuírem para um desenvolvimento integral e sustentável.

A ED é considerada, assim, uma necessidade maior do mundo contemporâneo como contributo “para a erradicação da pobreza e para a promoção do desenvolvimento sustentável através de abordagens e atividades educativas”, estando integrada na 5ª geração de Mesa (2000) (Consenso Europeu sobre o Desenvolvimento, 2007; Coelho, 2013). O próprio objetivo geral da ENED aponta esta direção da Cidadania Global, afirmando que visa “promover a cidadania global através de processos de aprendizagem e de sensibilização da sociedade portuguesa para as questões do desenvolvimento, num contexto de crescente interdependência, tendo como horizonte a ação orientada para a transformação social” (ENED, 2010).

O capítulo 2 apresenta uma proposta prática de programa de intervenção educativa em ED, utilizando os conceitos referidos no capítulo 1. Para o autor, é fundamental ter em conta alguns fatores:

  • enunciar o objeto à volta do qual se articula um programa de ED;
  • evidenciar uma ordem lógica para avançar firmemente na direção do conhecimento crítico, resultando daqui um itinerário de aprendizagem;
  • exercer um discurso de desconstrução de ideias dos alunos, para lhes dar uma explicação racional do tema;
  • apresentar claramente princípios de procedimento orientadores sobre as operações intelectuais que os alunos deverão efetuar, sobre o conhecimento parcial que se procura produzir mediante as tarefas que lhes são propostas;
  • incluir um conjunto de tarefas de aprendizagem de suporte ao programa educativo, que o aluno deverá realizar, utilizando textos como recursos;
  • disponibilizar um conjunto de documentação e bibliografia especializadas, para que o professor possa ter ele próprio o conhecimento e para extrair o material informativo para os alunos.

Esta proposta tem por base um modelo cognitivo, baseado na teoria crítica para abordar didaticamente o problema do desenvolvimento desigual e a sua lógica de conhecimento:

  1. Perceção do problema: mobilização das ideias construídas através da leitura reflexiva das imagens e informações dos meios de comunicação social, acentuando a sensibilização para as injustiças;
  2. Reconhecimento do problema: promoção de um conhecimento mais realista, através dos contrastes e desigualdades existentes entre a população humana;
  3. Racionalização do problema: abertura a novas perspetivas, questionamento crítico do discurso e necessidade de aprofundar o estudo para encontrar resposta às dúvidas e contradições, através do contraste dos discursos que respondem a interesses opostos, “escutando” com especial atenção os protagonistas diretos das tragédias e conflitos;
  4. Explicação do problema: rutura com os estereótipos e explicações simplistas e consideração do problema e de cada uma das suas manifestações particulares, num marco de relações e interações complexas, através do estudo rigoroso dos fatores que intervêm na produção de um fenómeno ou conflito, reconstruindo processos históricos e estruturais, através dos quais se chegou a determinada situação;
  5. Compromisso com o problema: valorização das possibilidades de ação pessoal e a determinação de empreender uma ou outra linha de ação, através da promoção do conhecimento das atuações que se promovem a partir das instituições, dos organismos internacionais e das associações cívicas, refletindo criticamente sobre os interesses subjacentes e a divergência entre expectativas e realizações.

Com este percurso, pretende-se que os alunos possam chegar aos valores da solidariedade, da tolerância e da justiça.

Contempla como princípios gerais de atuação:

  1. O conhecimento relevante: promover uma visão crítica, problematizada e complexa da realidade, ocupando a atenção dos educandos no reconhecimento, compreensão e transformação das situações que contradizem os ideais de solidariedade, tolerância e justiça;
  2. Os métodos de estudo: tornar explícitos e discerníveis os códigos morais e ideológicos que regem a ação do educador, renunciando, ao mesmo tempo, à neutralidade valorativa e à inculcação impositiva;
  3. A avaliação das aprendizagens: conceber a avaliação como um processo de reconstrução do discurso, onde o que conta prioritariamente é a substituição de estereótipos e prejuízos ideológicos por argumentos e explicações racionalmente fundamentadas.

Por fim, apresenta uma planificação com conteúdos, com base nesta lógica de conhecimento, quer para o ensino secundário, quer para o ensino primário, assim como procedimentos úteis para aplicar na prática.

Este capítulo termina com um anexo que apresenta recursos e atividades, seguindo a estrutura do modelo cognitivo de abordagem do problema, enunciado anteriormente. Estes recursos apresentam imagens, textos e notícias que podem ser adaptados ou modificados.

A segunda parte começa por discutir a importância da ED na escola e as circunstâncias que contribuem para a exclusão da ED dos currículos do ensino secundário, ficando esta dispersa em temas como a educação para a paz ou para os direitos humanos. É de salientar que, à data, os debates em torno do conceito de ED eram muito recentes. No que se refere ao caso português, apesar de a Educação para a Cidadania já fazer parte do currículo há vários anos, após a reforma educativa de 2012 (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho) deixou de ter um tempo letivo específico, passando este tema a ser tratado de forma transversal por todas as disciplinas.

Neste capítulo, discute-se a grande abrangência do conceito de ED, considerando-se que este fator dificulta a sua apreensão e aplicação por parte dos professores e educadores, reforçando o domínio das ONGD nesta área, como, aliás, também se verifica em Portugal (Coelho, 2013).

Aborda-se ainda a “globalização curricular” e a integração da ED na legislação do sistema educativo e no currículo do ensino secundário e respetivas orientações didáticas. Refere-se que os objetivos do projeto apresentado neste guia vão ao encontro das diretrizes dos documentos já referidos, a fim de facilitar a realização das atividades, por parte dos professores.

Apresentam-se pressupostos e princípios de procedimento dos professores na exploração dos temas de ED, assim como orientações metodológicas e para a avaliação. Efetivamente, é evidente a valorização da formação inicial e contínua de professores como fundamental para a compreensão concetual, prática e metodológica da ED, na medida em que são os professores os principais protagonistas da difusão e promoção desta área de trabalho na escola. Os professores assumem-se, pois, neste processo, como moderadores ativos do processo de aprendizagem, ao assumirem como propósito a transformação da educação num processo real de ação e de mudança da realidade social, tendo os estudantes como atores principais desse processo. A ACSUR destaca ainda alguns princípios de ação educativa que devem basear o papel dos professores, ativos e decisivos neste processo de ensino aprendizagem:

  1. Suscitar o questionamento de realidades socioculturais e económicas, das relações norte-sul e de situações de desigualdade, ora num contexto local, ora num contexto global;
  2. Provocar o questionamento; 
  3. Promover processos de análise e reflexão crítica;
  4. Reconhecer estereótipos sobre outros povos e culturas que dificultam um verdadeiro diálogo intercultural;
  5. Estimular a compreensão globalizadora e interdependente dos conflitos;
  6. Promover o estudo de diferenças culturais, como meio de impedir análises condicionadas por um excessivo relativismo cultural, de forma a favorecer a busca de valores e atitudes comuns da humanidade;
  7. Proporcionar uma preocupação com a condição humana, qualquer que seja a sua cultura, assim como atitudes de tolerância perante a diversidade, a cooperação e a solidariedade com os povos ditos do sul;
  8. Disponibilizar modelos práticos de análise do mundo social e das condições de vida dos diferentes grupos sociais;
  9. Provocar a reflexão sobre repercussões sociais ao nível das desigualdades, racismo e xenofobia;
  10. Fomentar o trabalho colaborativo que garanta a introdução de dinâmicas de planificação e de renovação da prática docente em matéria de ED [Adaptado de ACSUR (1998: 94-95)].

Em suma, estes princípios da prática docente determinam a necessidade de criar espaços e tempos educativos para o questionamento, o debate e a reflexão de questões de desenvolvimento locais e/ou globais, que permitam a construção de aprendizagens que tenham por base a cooperação, a problematização e o diálogo (idem: 95). A este propósito, também Merrel (2010) crê que a formação de professores é um importante ponto de partida para a ED, no sentido em que esta deve promover a participação ativa, a identificação de abordagens e práticas alternativas ao nível do desenvolvimento, a análise, reflexão e consciencialização de atitudes e a partilha de experiências. Este exercício de cidadania é, pois, prática fundamental para a ED e para o desenho de princípios inovadores de aprendizagem, tendo a sua formação por base os princípios da educação para a cidadania global.

No final da segunda parte, como anexo, apresentam-se as orientações para as atividades, à semelhança do anexo anterior.

A terceira parte apresenta orientações didáticas para a educação não formal, quer relativamente ao conceito de ED, quer em relação aos animadores/educadores e aos aspetos a ter em consideração na intervenção educativa (princípios e estratégias metodológicas). Apresenta ainda vários tipos de planificação de ações, pensando em vários tipos de grupos alvo (jovens, adultos, grupos organizados que procuram uma formação mais generalista ou mais específica). Em anexo, apresentam-se pistas para planificar, desenvolver e avaliar ações.

Este manual termina com um glossário de termos relacionados com ED.

O Guía de educación para el desarrollo é um documento aberto, com propostas educativas e orientações que podem ser utilizadas e/ou adaptadas à realidade educativa de cada professor/educador que pretende trabalhar a ED, com várias alternativas de aplicação, a fim de formar pessoas com uma consciência social crítica e que possam contribuir para transformar o mundo. Apresenta os principais conceitos e fundamentos teóricos sistematizados, muitos esquemas e organigramas da informação. No entanto, é importante que o professor/educador já possua alguns conhecimentos sobre o conceito de ED e sobre algumas ideias que lhe estão associadas. Caso não tenha, terá alguma dificuldade em entrar no tema.

Tendo em conta esta dificuldade sentida pelos professores em trabalhar algumas das temáticas de ED, a Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (ESE-IPVC) tem trabalhado, desde 2011, com os e as estudantes da formação inicial de professores, os conceitos e práticas de ED na sala de aula, em parceria com escolas cooperantes do município. Esta experiência tem-se revelado interessante e multiplicadora, quer para os alunos desta escola, quer para docentes e membros da direcção das escolas cooperantes, que têm considerado este processo muito enriquecedor (Coelho & Mendes, 2014).

Apesar de o guia ser elaborado por uma ONGD, tem como público-alvo os professores que trabalham na educação formal e educadores que se dedicam à educação não formal.

No campo da educação formal, pode ser utilizado nas aulas de geografia/estudo do meio (por exemplo, em temas como conservação do meio ambiente, população e recursos, espaço urbano e rural, indústria, atividades terciárias, profissões, meios de comunicação, níveis de intercâmbio desigual no mundo, poder político, revolução industrial, capitalismo, imperialismo e descolonização) e ciências naturais/biologia e geologia (por exemplo, em temas como agricultura, pescas, saúde, água, ambiente), mas também pode ser trabalhado em forma de um projeto educativo interdisciplinar, em forma de debate ou numa perspetiva cultural, aproveitando dias comemorativos, com atividades preparadas previamente com os alunos, tanto formativas (mesas redondas, debates, palestras) como culturais (concertos, mostras gastronómicas, exposições, peças de teatro).

Na educação não formal, o guia tanto propõe atividades de média e longa duração como atividades pontuais, de acordo com o tipo de grupo (heterogeneidade, formação, faixa etária). Podem realizar-se cursos de formação com um maior ou menor aprofundamento e reflexão sobre os temas (a imigração, a fome, as relações norte-sul, a cooperação, a interculturalidade, o racismo, questões de género, entre outros) ou exposições, discussão de filmes, debates, seminários, conferências, tal como quando aplicadas à educação formal, quando não integradas na componente letiva. Nestes grupos, sugere-se que os temas e as metodologias devem ser discutidos com o próprio grupo.

Por todos estes fatores, considera-se que, apesar de este guia já ter alguns anos, é recomendado aos professores/educadores que querem formar cidadãos solidários e responsáveis pelo mundo global.

De facto, a Educação para o Desenvolvimento, tema basilar deste documento em análise, é uma ferramenta fundamental para o questionamento contínuo dos indivíduos e para uma ação reflexiva e crítica no universo social, na procura de alternativas aos sistemas que perpetuam as desigualdades e injustiças sociais. O processo de globalização traz várias tensões e problemas à esfera pública, onde os cidadãos são convidados a intervir, através da discussão, da análise e da criação de redes para a resolução e prevenção de conflitos. Por isso, de uma forma integrada e dinâmica, a ED procura estar ao serviço da construção de uma cidadania global ativa e consciente (Argibay, Celorio e Celorio, 1997; Mesa, 2000), assumindo-se enquanto processo educativo e de aprendizagem contínua. Neste sentido, e pela promoção da reflexão, ou autorreflexão, da formação e da ação, entende-se que a ED é o “enfoque que considera a educação como um processo interativo para a formação integral dos indivíduos. É uma educação dinâmica, aberta à participação ativa e criativa (…)” (Argibay, Celorio e Celorio, 1997: 23).  O sentido transformador que a ED determina para a ação e participação dos cidadãos caracteriza-se como emancipadora e dialógica na construção de uma cidadania global mais ativa e potencialmente consciente da realidade da exclusão, das desigualdades e das injustiças sociais. Segundo este modelo educativo, define-se a ED enquanto prática social crítica, uma vez que é, segundo ACSUR, uma necessidade social. Esta ideia resulta da necessidade de sensibilizar e mobilizar os indivíduos para os problemas coletivos e globais da humanidade, devendo ser entendida como um instrumento para a formação de cidadãos capazes de entenderem e de se sentirem implicados neste problema, seja local, seja globalmente (ACSUR, 1998). Este envolvimento dos cidadãos fá- -los ver o seu papel social a partir de si mesmos, vendo-se como parte do problema, mas também como parte da solução para os conflitos que enfrentam. Neste sentido, os indivíduos procuram ter mais autonomia para determinar o seu próprio desenvolvimento e resolver as tensões e os problemas que a globalização traz, ao mesmo tempo que pretendem criar mais e diferenciadas plataformas de diálogo. Neste sentido, segundo Vanessa Andreotti (2006) e estes pressupostos antes expostos, os indivíduos procuram a mudança social – que acontece do interior para o exterior – e têm como princípios base a reflexividade, o diálogo, a contingência e relação ética para compreender a diferença (olhar o outro e compreendê-lo). Determinam-se como estratégias a compreensão e o compromisso com questões e perspetivas globais e ainda o estabelecimento de relações éticas perante a diferença, considerando a complexidade do sistema global e as relações de poder desiguais. De acordo com a perspetiva da investigadora, num sentido informado, crítico e orientado para uma ação ética, a ED tem como objetivo a capacitação dos indivíduos para a reflexão crítica sobre as políticas e os processos das suas culturas, para imaginar diferentes soluções futuras e para assumirem responsabilidade sobre as suas decisões e ações. Assim, e enquanto processo educativo, esta abordagem é fundamental para explicar que se pretende fomentar o sentido crítico, através da criação de espaços onde os cidadãos se sintam seguros e confiantes para analisar e experimentar outras formas de ver/pensar e ser/relacionar com o outro, ao invés de ditar aquilo que os indivíduos devem pensar ou fazer (Andreotti, 2006).

Ora para o contexto educativo formal, ora para o contexto educativo não-formal, a ED deve incitar à participação e ao envolvimento ativos dos indivíduos nas questões atuais e sobre as quais são urgentes alternativas sociais. Através de um trabalho colaborativo e concertado, os atores destes espaços devem estar atentos aos problemas e conflitos, no sentido de, a partir de uma participação e ação comuns, serem capazes de transformar as realidades que lhes são próximas, ao nível local, ou que os afetam, invariavelmente, num contexto macro. Nestes contextos, a ED, enquanto compromisso de educação para a cidadania global, aparece enquanto caminho educativo alternativo para uma ação transformadora das realidades contemporâneas. Em suma, sublinhando a abordagem central deste guia – entende-se a ED como uma necessidade social, mais do que uma possibilidade educativa (ACSUR, 1998) – considera-se uma conceção de educação relacionada com o desenvolvimento integral do indivíduo e com o desenvolvimento social, com os direitos humanos, com a participação e a cidadania. Esta postura interventiva e dinâmica dos cidadãos deve fundamentar-se no desenvolvimento de conhecimentos, competências e valores/atitudes e na sua mobilização para a transformação dos indivíduos em cidadãos e agentes sociais e de desenvolvimento ativos de um mundo global (Boni, 2006).

 

[1] Sara Poças é doutoranda na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) e investigadora no Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP).

[2] Tânia Neves é investigadora no Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP).

 

 

Referências bibliográficas:

  • ACSUR – Las Segovias (Ed.) (1998), Guía de educación para el desarrollo. Y tu…¿cómo lo ves?. Madrid: Los Libros de la Catarata.
  • Andreotti, V. (2006), “Soft vs. critical global citizenship education”. In Policy and Practice: A Development Education Review, 3, 40–51.
  • Argibay, M.; Celorio, G. e Celorio, J. (1997), “Educación para el Desarrollo. El espacio olvidado de la cooperación”. In Cuadernos de Trabajo de HEGOA, 19.
  • Boni, A. (2006), “La Educación para el Desarrollo orientada al Desarrollo Humano”. In Alejandra Boni e Agustí Pérez Foguet (coord). Construir Construir la ciudadania global desde la universidade: Propuestas pedagógicas para la introducción de la Educación para el Desarrollo en las Enseñanzas científico-técnicas. Barcelona: Intermón Oxfam.
  • Coelho, L. S. (2013), Erguer Pontes, Tecer Futuros e Construir Alternativas: a Economia Social e Solidária como prática(s) de Educação para o Desenvolvimento. Tese de Mestrado em Economia Social, Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal.
  • Coelho, L. S. & Mendes, C. (2014), Estado da Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento em Portugal. A inserção da educação para o desenvolvimento na formação inicial de professores. In. José Luis Rozas (ed.) Educar para a cidadania global: experiências, ferramentas e discursos para o cambio social. Vigo: Fundación Isla Couto.
  • Consenso Europeu sobre o Desenvolvimento (2007), O Consenso Europeu sobre o Desenvolvimento: O Contributo da Educação para o Desenvolvimento e da Sensibilização. Disponível aquiconsultado a 20 setembro de 2012.
  • DecretoLei n.º 139/2012, de 5 de julho. Ministério da Educação e Ciência. In Diário da República, 1.ª série – N.º 129 – 5 de julho de 2012.
  • ENED (2010), Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento (2010-2015). Lisboa: IPAD.
  • Merrell, M. (2010), “Training teachers in global education”. In DEEEP Thematic Dossier: A guide to better understand the key topics linked to the collaboration between schools and NGO. Brussels: DEEEP.
  • Mesa, M. (Dir.) (2000), La educación para el desarrollo en la Comunidad de Madrid: tendencias y estrategias para el siglo XXI. Madrid. Adaptado.

 

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