Valéria Araújo Sousa [1]Professora de Educação Infantil ao Ensino Fundamental da Rede Municipal de Salvador/Ba – Brasil. Graduada pela Universidade Estadual de Feira de Santana, Mestra em Ciências da Educação … Continue a ler

Resumo:

À luz do Referencial de Educação para o Desenvolvimento, documento orientador que visa enquadrar a intervenção pedagógica da Educação para o Desenvolvimento como dimensão da educação para a cidadania, o presente artigo tem por objetivo fazer reflexões teórico-práticas sobre como a Educação para o Desenvolvimento se operacionaliza na pré-escola privilegiando o direito à participação das crianças conforme Convenção dos Direitos das Crianças (1989). Compreendendo que a Educação Pré-escolar é a primeira etapa da educação básica, num processo que perdura ao longo da vida, a mesma favorece a participação da criança da vida no grupo, permite que as mesmas tomem iniciativas e assumam responsabilidades, de modo a promover valores democráticos tais como a participação, a justiça e a cooperação. Outrossim, justifica-se, portanto, o por que a ênfase nesta etapa da educação básica dado que o referido documento contempla da mesma ao ensino secundário. Neste sentido, parto da seguinte problemática: como os princípios freirianos que embasam a prática pedagógica do educador favorecem a operacionalização da Educação para o Desenvolvimento na pré-escola? A fim de contemplar a questão norteadora deste trabalho, os seguintes objetivos foram delineados: i) compreender a perspetiva de Educação para o Desenvolvimento que marca o mesmo; ii) identificar qual ou quais a/as conceção/ões de criança contida nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar e como esta/as evidencia/am a participação da criança enquanto atores sociais; iii) relacionar os objetivos propostos pelo Referencial de Educação para o Desenvolvimento com as aprendizagens sugeridas pelas Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar e iv) debater e aprofundar o papel do educador enquanto promotor de aprendizagens voltadas para a Educação para o Desenvolvimento. Neste sentido, optou-se por uma revisão sistemática da obra Pedagogia da Autonomia – saberes necessários à prática educativa, intentando construir um (re)leitura desta, destacando quais saberes são essenciais na prática pedagógica que fortalecem a Educação para o Desenvolvimento, apontando desta maneira possíveis caminhos a serem trilhados.

Palavras-chave: Referencial de Educação para o Desenvolvimento; Educação para o Desenvolvimento; Direito à Participação; Criança; Educação Pré-escolar; Pedagogia da Autonomia.

Abstract:

According to the Education for Development Benchmark, guiding document that aims to include the Education for Development pedagogical intervention as a citizenship education aspect, this article aims to make theoretical and practical reflections on how the Education for Development becomes operational in preschool, evidencing the children’s right to participate, in agreement to the Children Rights Convention (1989). Understanding that the Preschool Education is the first stage of the basic education, in a lifelong process, the Preschool Education favors the child’s participation in a group life, allows them to take initiative and responsibilities, promoting democratic values as participation, justice and cooperation. Furthermore, the emphasis in this basic education stage is justified since the document covers from the basic education to the secondary education. In this way, I start from the following question: how the Freirian principles that supports the educator’s pedagogical practice favors the operationalization of the Education for Development in the preschool? For the purpose of consider the guiding question of this work, the following objectives were outlined: i) to understand the perspective of Education for Development; ii) to identify which child conception(s) contained by the Curriculum Guidelines for the Preschool Education and how this/them evidences the child’s participation as social actors; iii) to connect the objectives proposed by the Education for Development Benchmark with the learnings suggested by Curriculum Guidelines for the Preschool Education and iv) to discuss and deepen the educator’s role while fomenter of learnings focused on the Education for Development. In this sense, we opted for a systematic review of the work Pedagogy of Freedom – Ethics, Democracy, and Civic Courage, intending to build a (re)interpretation of it, highlighting which knowledges are essential in the pedagogical practice that strengthens the Education for Development, thus pointing out possible paths to be followed.

Keywords: Education for Development Benchmark; Education for Development; Right to Participate; Child; Preschool Education; Pedagogy of Freedom.

Resumen:

A la luz del Marco de Educación para el Desarrollo, documento rector que busca enmarcar la intervención pedagógica de la Educación para el Desarrollo como una dimensión de la educación para la ciudadanía, este artículo tiene como objetivo hacer reflexiones teórico-prácticas sobre cómo la Educación para el Desarrollo se lleva a cabo en la educación preescolar privilegiando el derecho a la participación de los niños según la Convención sobre los Derechos del Niño (1989). Siendo la Educación Infantil la primera etapa de la educación básica en un proceso que dura toda la vida, esta favorece la participación del niño en la vida en el grupo, le permite tomar iniciativas y asumir responsabilidades, con el fin de promover valores democráticos tales como participación, justicia y cooperación. Esto justifica, además, el énfasis en esta etapa de la educación básica, debido a que el documento antedicho abarca desde la educación infantil hasta la secundaria. En este sentido, se ha planteado la siguiente cuestión: ¿cómo los principios freirianos que sostienen la práctica pedagógica del educador permiten llevar a cabo la Educación para el Desarrollo en la educación preescolar? Para contemplar la pregunta orientadora de esta investigación, se delinearon los siguientes objetivos: i) comprender la perspectiva de Educación para el Desarrollo; ii) identificar qué concepciones de infancia están presentes en las Directrices Curriculares de Educación Preescolar y cómo evidencian la participación del niño como actores sociales; iii) relacionar los objetivos propuestos por el Marco de Educación para el Desarrollo con los aprendizajes sugeridos por las Directrices Curriculares de Educación Preescolar y iv) debatir y profundizar en el rol del educador como promotor de aprendizajes orientados a la Educación para el Desarrollo. En este sentido, optamos por una revisión sistemática de la obra “Pedagogía de la Autonomía: conocimientos necesarios para la práctica educativa”, tratando de construir una (re)lectura de la misma, destacando los conocimientos son esenciales en la práctica pedagógica que fortalecen la Educación para el Desarrollo, de esta manera subrayando los posibles caminos a seguir.

Palabras clave: Marco de Educación para el Desarrollo; Educación para el Desarrollo; Derecho a la Participación; Niño; Educación Preescolar; Pedagogía de la Autonomía.

Introdução

O presente trabalho tem por objetivo fazer uma breve análise sobre o Referencial de Educação para o Desenvolvimento bem como os contributos que o mesmo evoca alinhado às Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar. Para tanto, parto da seguinte problemática: como os princípios freirianos que embasam a prática pedagógica do educador favorecem a operacionalização da Educação para o Desenvolvimento na pré-escola, ou seja, que saberes e fazeres podem ser mobilizados para sua implementação?

Assim, o mesmo se debruça sobre as características que abarcam a educação pré-escolar. Cabe pontuar que o Referencial de Educação para o Desenvolvimento abrange da educação pré-escolar ao ensino secundário. Porém, aqui será feito um recorte que privilegia apenas a Educação Pré-escolar. Longe de tornar esse trabalho reducionista descaracterizando o teor do Referencial de Educação para o Desenvolvimento – documento proposto para análise. Ao contrário, assim será feito no intuito de dialogar com essa etapa da educação tão essencial – a pré-escola – e os saberes e fazeres que a abarcam.

Para tanto, a primeira parte tem como destaque um breve esboço do conceito de Desenvolvimento bem como a perspetiva de Educação para o Desenvolvimento que marca o Referencial. A segunda parte, destina-se a descrição da/s conceção/ões de criança contida nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar e como esta/s potencializam a participação das mesmas enquanto atores sociais. A terceira parte, debruça-se sobre o debate em torno do papel do educador de infância enquanto promotor de aprendizagens voltadas para a Educação para o Desenvolvimento. Por fim, na última parte, trago as considerações finais como forma de exercício no fazer educativo.

O conceito de Desenvolvimento e Educação para o Desenvolvimento: entre a pluralidade e perspectivas

A primeira parte do trabalho, intenta delinear a perspetiva de Educação para o Desenvolvimento (ED) que marca o Referencial da Educação para o Desenvolvimento (RED). Antes de adentrarmos neste objetivo é salutar buscarmos o que se entende por Desenvolvimento. O conceito de desenvolvimento não tem uma definição única. Logo, é plural.

O conceito de desenvolvimento toma como base a experiência dos países europeus considerados desenvolvidos, no âmbito das chamadas sociedades industriais, entendendo-se como “boas práticas as suas evoluções, a caminho de uma sociedade da abundância” (Amaro, 2003, p. 42). Assim, pode-se afirmar que o trajeto percorrido com êxito pelos países europeus tornou-se uma bússola para os demais países em desenvolvimento, portanto, desenvolvimento e crescimento económico viviam uma relação de simbiose.

Amaro (2003, p. 48) aponta que essa relação trouxe duas consequências: de um lado, o crescimento económico – enquanto processo de aumento de produção de bens e serviços – como condição indispensável do desenvolvimento de que dependiam a melhoria de bem-estar da população a outros níveis: educação, saúde, sistema político, habitação etc.; do outro, a utilização de indicadores de crescimento económicos para classificar os países em desenvolvimento.

Convidando Vasconcellos & Garcia (2014) ao debate, estes ponderam, que “alocação de recursos pelos diferentes setores da economia, de forma a melhorar os indicadores de bem-estar económico e social (pobreza, desemprego, desigualdade, condições de saúde, alimentação, educação e moradia)” (p. 242), são vislumbradas como desenvolvimento económico, embora um conceito numa visão mais qualitativa.

Todavia, essa relação de simbiose tomou outra dimensão. O conceito de desenvolvimento saiu do viés economicista e sofreu uma renovação: desenvolvimento sustentável, desenvolvimento local, desenvolvimento participativo, desenvolvimento humano, desenvolvimento social e desenvolvimento integrado. Não vamos aqui nos debruçarmos sobre cada um destes conceitos com suas respectivas características. Porém, é válido pontuar que o mesmo trouxe uma nova ótica em relação às conceções tradicionais de desenvolvimento.

De forma geral, podemos elencar uma série de características que emergem frente ao conceito de Desenvolvimento: o carácter multidimensional atentando para uma visão interdisciplinar; uma mudança da satisfação das necessidades para realização das capacidades das pessoas; relação com conceito e processos de cidadania; uma nova relação com a natureza; protagonismo diversificado – para além do Estado (Amaro, 2005, p. 60).

Uma vez esclarecido este ponto, compre-nos adentramos na questão central desta secção – perspetiva de Educação para o Desenvolvimento marca o RED. Segundo Mesa (2011) a Educação para o Desenvolvimento considera sobretudo o enfoque na educação para a cidadania global. De acordo com esta autora, a ED é considerada como:

a educación para el desarrollo es un proceso dinámico, que genera reflexión, análisis y pensamiento crítico sobre el desarrollo y las relaciones NorteSur; se centra en un proceso pedagógico que combina las capacidades cognitivas, con la adquisición de valores y actitudes, orientados hacia la construcción de un mundo más justo, en el que todas las personas puedan compartir el acceso al poder y a los recursos (Mesa, 2011, p. 165).

É basilar pontuar que este conceito evidencia aspectos relevantes, por ser um processo dinâmico que promove a crítica sobretudo no tocante às relações de interdependência Norte-Sul global e, para além deste, considera a dimensão pedagógica como fator indispensável na promoção de práticas educativas pautadas nos princípios da equidade e justiça.

O princípio da equidade pode ser considerado como:

aplicação operacional dos princípios de igualdade, não discriminação e de justiça a casos concretos, promovendo o acesso aos direitos e às oportunidades em igualdade de condições e sem discriminação para todas as pessoas e comunidades em função das suas necessidades e dificuldades (ENED, 2018).

Por outro lado, o princípio da justiça:

significa promover relações de poder justas e prevenir e combater a discriminação. A justiça social baseia-se no reconhecimento de que diferentes níveis de poder significam diferentes níveis de acesso a recursos e capacidades de participação e decisão e consequentemente condicionam a realização plena dos direitos humanos (ENED, 2018).

O próprio princípio da equidade dialoga com o princípio da justiça, da igualdade e não discriminação. Portanto, podemos afirmar que tais princípios se entrelaçam e intentam na formação de cidadãos comprometidos, críticos, éticos e desejosos de uma transformação social buscando construir uma sociedade mais justa, solidária e inclusiva.

Já o documento Educação para a Cidadania – linhas orientadoras, aprovado em 2012, considera que a Educação para o Desenvolvimento é uma das dimensões da educação para a cidadania cuja tônica é:

a consciencialização e a compreensão das causas dos problemas do desenvolvimento e das desigualdades a nível local e mundial, num contexto de interdependência e globalização, com a finalidade de promover o direito e o dever de todas as pessoas e de todos os povos a participarem e contribuírem para um desenvolvimento integral e sustentável (p. 3).

Tal conceito reafirma o aspecto do pensar criticamente sobre as desigualdades, semelhante ao conceito anterior, porém, acrescenta uma das dimensões da cidadania: a participação. A mesma se apresenta não apenas como direito, mas também como um dever na construção do desenvolvimento integral e sustentável. Portanto, as pessoas se apresentam como protagonistas ativas no processo que ocorre ao longo da vida. Assim sendo, a ED tem em si como um dos princípios a participação que implica “mobilização e cidadania ativa, liberdade de expressão e de decisão e influência sobre opções que determinam a vida coletiva” (ENED 2018-2022).

Dado que a ED é uma dimensão da educação para a cidadania, é válido pontuar a caracterização desta como:

Un proyecto de Educación para la Ciudadanía implica una educación para unos nuevos sujetos sociales y comunitarios susceptibles de reivindicar y construir nuevos modelos de desarrollo en claves de sostenibilidad, donde los derechos individuales y colectivos de las mayorías planetarias sean posibles, donde la diversidad sea una fuente de desarrollo y riqueza social, donde nuevas formas de gestión de la riqueza colectiva impida los privilégios de clase, etnia y género… (Celorio & Munain, 2007, p. 123).

É notório que o conceito de educação para a cidadania dialoga com a ED à medida que o mesmo também ressalta a importância da reivindicação, portanto, participação, de novos modelos de desenvolvimento pautados na sustentabilidade.

Todavia, o conceito de ED presente no Referencial de Educação para o Desenvolvimento, o considera uma vertente da educação para a cidadania, vertente essa transversal e transdisciplinar.

Revisitando a/as conceção/ões de criança nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar

O Referencial de Educação para o Desenvolvimento constitui-se como documento orientador que visa enquadrar a intervenção pedagógica da ED, como dimensão da educação para a cidadania, e promover a sua implementação na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário. De natureza flexível, não prescritivo, o presente Referencial pode ser utilizado em contextos diversos, no seu todo ou em parte, sequencialmente ou não.

Portanto, uma das formas de utilização do RED (2016) pode ser por meio da:

Dimensão transversal da educação para a cidadania, em contexto de ensino e de aprendizagem de qualquer disciplina, nos 1.º, 2.º ou 3.º ciclos do ensino básico e no ensino secundário e também no âmbito da educação pré-escolar, tendo em conta as orientações curriculares em vigor para este nível de educação (p. 8).

Em ED, enquanto dimensão transversal e transdisciplinar da educação para a cidadania – ênfase deste trabalho na educação pré-escolar -, importam quer os conteúdos quer a forma de os trabalhar, valorizando a coerência entre a teoria e a prática, entre o processo e o produto, tendo por base metodologias diversas que, ajustadas à faixa etária e ao nível e ciclo de educação e ensino dos/das educandos/as, promovam a inclusão.

A educação pré-escolar é um nível educativo cujo currículo se desenvolve com articulação plena das aprendizagens, onde os espaços são geridos de forma flexível, em que as crianças são chamadas a participar ativamente na planificação das suas aprendizagens, nas quais o método de projeto e outras metodologias ativas são usados rotineiramente, em que se pode circular no espaço de aprendizagem livremente.

Desta forma, a criança deixou de ser “olhada” como um ser passivo, onde era contemplada apropriada pela sociedade, para passar a ser entendida como um ser ativo, implicado em vários campos da sua vida. Esta modificação deveu-se sobretudo a redescoberta da infância pela sociologia da infância assistindo-se, nestes últimos anos, a “(…) um crescente interesse pela eleição da criança como objeto de estudo” (Ferreira, 2002, p. 5).

Partindo deste pressuposto, as Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar – OCEPE (2016) consideram a criança enquanto sujeito ativo e ponderam que a mesma tem papel de suma relevância no processo educativo onde:

O reconhecimento da capacidade da criança para construir o seu desenvolvimento e aprendizagem supõe encará-la como sujeito e agente do processo educativo, o que significa partir das suas experiências e valorizar os seus saberes e competências únicas, de modo a que possa desenvolver todas as suas potencialidades (OCEPE, 2016, p. 9).

Esse papel ativo da criança decorre também dos direitos de cidadania, que lhe são reconhecidos pela Convenção dos Direitos da Criança (1989), a saber: o direito de ser consultada e ouvida, de ter acesso à informação, à liberdade de expressão e de opinião, de tomar decisões em seu benefício e do seu ponto de vista ser considerado. Garantir à criança o exercício destes direitos tem como consequência considerá-la o principal agente da sua aprendizagem, dando-lhe oportunidade de ser escutada e de participar nas decisões relativas ao processo educativo, demonstrando confiança na sua capacidade para orientar a sua aprendizagem e contribuir para a aprendizagem dos outros (OCEPE, 2016, p. 9).

É importante pontuar que ao afirmarmos que as crianças assumem, frequentemente, um papel ativo na construção social da sua infância, é relevante explicitar onde tal construção social ocorre. Ferreira (2002) afirmou que a construção da infância acontece “(…) nas instituições e/ou nas práticas sociais onde a infância é socialmente construída pelas próprias crianças e adultos, nas experiências quotidianas onde elas se inserem, jogam e negociam discursivamente posições subjetivas impregnadas por relações de género, idade social, classe e poder” (Ferreira, 2002, p. 17).

No mundo das crianças, a cultura infantil está relacionada com os “(…) valores, preocupações partilhadas, mas também com aspectos públicos, coletivos e performáticos da vida social” (Corsaro, 2001, p. 26). Ao mencionar cultura infantil, no singular, têm-se a perceção que o universo das crianças é marcado pela homogeneidade.

Todavia, essa perceção é limitada dada a heterogeneidade que marca a infância. Logo, podemos falar de culturas infantis, no plural por compreender que

(…) as formas e conteúdos das culturas infantis são produzidas numa relação de interdependência com culturas societais atravessadas por relações de classe, de género e de proveniência étnica que impedem definitivamente a fixação num sistema coerente e único dos modos de significação e acção infantil (Sarmento, 2002, p. 4).

Compreendendo todas as nuances que envolvem a infância, as OCEPE, integram novas áreas como nucleares, em particular a Educação Física e a Educação Artística, tornando claro que é proposto um caminho de desenvolvimento integral das crianças. De igual modo, há uma preocupação acrescida com a transição para o primeiro ciclo, assumindo-se claramente que uma educação pré-escolar de qualidade é um preditor de sucesso na escolaridade e na qualidade de vida dos jovens e dos adultos.

Dada a importância da Educação Pré-escola, como incorporá-la na Educação para o Desenvolvimento, ou seja, que pistas apontam para que a ED se operacionalize? Desta maneira, veremos o diálogo que se estabelece entre o Referencial de Educação para o Desenvolvimento – temas e objetivos e as Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar – aprendizagens promovidas.

Entre objetivos e aprendizagens – possibilidades de saberes e fazeres na Pré-escola

As Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar, contemplam duas Áreas de conteúdos que concorrem para a Educação para o Desenvolvimento: Área de Formação Pessoal e Social – componente: Independência e Autonomia e Área do Conhecimento do Mundo.

É válido pontuar que

a distinção entre áreas de conteúdo corresponde a uma chamada de atenção para aprendizagens a contemplar, que devem ser vistas de forma articulada, dado que a construção do saber se processa de forma integrada, e há inter-relações entre os diferentes conteúdos, bem como aspetos formativos que lhes são comuns (OCEPE, 2016, p. 7).

Neste sentido, as áreas de conteúdo não são compartimentos estanques a serem abordados separadamente visto que, como aponta Morin (2003) “o retalhamento das disciplinas torna impossível apreender o que é tecido junto, isto é, o complexo, segundo o sentido original do termo” (p. 14).

A Área de Formação pessoal e Social, considerada como área transversal, pois tendo conteúdos e intencionalidade próprios, está presente em todo o trabalho educativo realizado no jardim de infância e pressupõe:

no desenvolvimento de atitudes, disposições e valores, que permitam às crianças continuar a aprender com sucesso e a tornarem-se cidadãos autónomos, conscientes e solidários (OCEPE, 2016, p. 6).

Esta área contempla aprendizagens essenciais interligadas às seguintes componentes: construção da identidade e da autoestima; independência e autonomia; consciência de si como aprendente; convivência democrática e cidadania. A mesma parte do “(…) reconhecimento da criança como sujeito e agente do processo educativo” considerando que

(…) É nos contextos sociais em que vive, nas relações e interações com outros e com o meio que a criança vai construindo referências, que lhe permitem tomar consciência da sua identidade e respeitar a dos outros, desenvolver a sua autonomia como pessoa e como aprendente, compreender o que está certo e errado, o que pode e não pode fazer, os direitos e deveres para consigo e para com os outros, valorizar o património natural e social – Educação para os valores (OCEPE, 2016, p. 32).

Sadio destaca que Educação para os valores não é um processo que se ensine. Os valores se constroem nas relações que se estabelece com o outro. De forma específica, na pré-escola podemos pontuar a cultura de pares onde “as crianças aprendem uma com as outras num espaço de partilha comum” (Sarmento, 2002, p. 14). Assim, é interagindo entre pares – ou seja, entre crianças – que elas adquirem capacidade para se apropriar do mundo em que vivem, bem como reinventá-lo e reproduzi-lo.

Dito isto, tem-se como objetivos essenciais a serem trabalhados na pré-escola, conforme o tema – Desenvolvimento – propostos no Referencial de Educação para o Desenvolvimento:

Compreender o desenvolvimento na sua contextualização histórica, bem como os principais conceitos e indicadores associados; valorizar a diversidade de culturas, sociedades e mundivisões, atribuindo-lhes uma relevância equitativa (RED, 2016, p. 15).

A fim de atingir tais objetivos podemos propor as seguintes aprendizagens para a criança na pré-escola na área de Área de Formação Pessoal e Social – componente: Independência e Autonomia [2]Privilegia a vida das crianças em grupo como condição para que as mesmas assumam responsabilidades que promovam valores democráticos como: participação, justiça e a cooperação. Tem como … Continue a ler: escolha das atividades que pretende realizar e vai adquirindo progressivamente maior autonomia na seleção dos recursos disponíveis para as levar a cabo, sem perturbar o grupo; que se encarregue das tarefas que se comprometeu realizar, executando-as de forma cada vez mais autónoma.

Tais aprendizagens promovem para que a criança tenha conhecimento da noção de bem-estar e identifiquem noções de bem-estar em relação a si mesmo e aos outros. Desta forma, o conceito de Desenvolvimento vai ao encontro da noção de bem-estar dado que o mesmo “é portador de grandes potencialidades, nomeadamente assumindo-se enquanto processo das pessoas e das comunidades pensarem e trabalharem em conjunto no sentido de criarem respostas aos seus problemas e aos desafios da humanidade” (RED, 2016, p. 11). Para o efeito, é necessário:

mobilizar capacidades e alargar o âmbito daquilo que se pode fazer, tendo por base princípios relacionados com o bem-estar económico, social, cultural e político numa lógica de respeito pela natureza e pela liberdade das pessoas e das sociedades, assente nos valores da justiça, equidade e solidariedade (RED, 2016, p. 11).

No tocante ao tema da Paz, o mesmo convida a desconstruir a ideia de que a paz esteja ligada diretamente à ausência de guerra e reporta a uma construção permanente pautada no respeito e valorização das diversidades. Esta construção permite que as crianças sejam capazes de refletir criticamente sobre si próprios e sobre a sociedade, fazendo escolhas no seu dia-a-dia que contribuem para criar clima de diálogo, de escuta mútua, de negociação e de construção de compromissos, bem como para chamar à responsabilidade os decisores, aos níveis local, nacional e internacional, que têm o poder de transformar políticas que geram conflito em políticas de promoção e de reforço da paz.

A despeito dessa construção dialógica, Freire (1987), considera que é uma exigência existencial que não pode se reduzir ao ato de depositar ideias de um sujeito no outro dado que é por via do diálogo que se solidariza tanto o agir quanto o refletir dos sujeitos que se predispõem a transformar e humanizar o mundo.

Partindo destes pressupostos, o RED elenca os seguintes objetivos ligados ao tema da Paz:

compreender que a construção da paz exige o esforço continuado de todas as pessoas, instituições e comunidades; compreender os vários tipos de situações de insegurança violência, guerra e ausência de paz; compreender a interdependência entre paz, direitos humanos, democracia e desenvolvimento (RED, 2016, p. 16).

Para tanto, podem ser desenvolvidas as seguintes aprendizagens: a criança ter consciência dos riscos físicos que pode correr e adota normas de segurança em casa, no jardim de infância e na rua; se preocupa com o bem-estar e segurança das outras crianças, alertando o adulto quando se apercebe que alguma corre perigo.

Assim, pode-se sintetizar, conforme Quadro 1, a relação entre objetivos à luz do RED e aprendizagens propostas pelas OCEPE da seguinte forma:

Tema Objetivos (RED) Aprendizagens (OCEPE)
Desenvolvimento Compreender o desenvolvimento na sua contextualização histórica, bem como os principais conceitos e indicadores associados. Escolha, por parte da criança, das atividades que pretende realizar e vai adquirindo progressivamente maior autonomia na seleção dos recursos disponíveis para as levar a cabo, sem perturbar o grupo; que se encarregue das tarefas que se comprometeu realizar, executando-as de forma cada vez mais autónoma.
Paz

Compreender que a construção da paz exige o esforço continuado de todas as pessoas, instituições e comunidades;

Compreender os vários tipos de situações de insegurança, violência, guerra e ausência de paz;

Compreender a interdependência entre paz, direitos humanos, democracia e desenvolvimento.

Proporciona meios para a criança ter consciência dos riscos físicos que pode correr e adota normas de segurança em casa, no jardim de infância e na rua; se preocupa com o bem-estar e segurança das outras crianças, alertando o adulto quando se apercebe que alguma corre perigo.

Quadro 1 – Área de Formação Pessoal e Social: pistas de operacionalização de ED na pré-escola.
Fonte: Referencial de Educação para o Desenvolvimento e Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar – DGE/2016.

A segunda área que concorre para a Educação para o Desenvolvimento é a Área do Conhecimento do Mundo. A mesma apresenta uma característica peculiar, conforme as Orientações Curriculares para a educação Pré-escolar:

é uma área em que a sensibilização às diversas ciências é abordada de modo articulado, num processo de questionamento e de procura organizada do saber, que permite à criança uma melhor compreensão do mundo que a rodeia…implica também o desenvolvimento de atitudes positivas na relação com os outros, nos cuidados consigo próprio, e a criação de hábitos de respeito pelo ambiente e pela cultura, evidenciando-se assim a sua inter-relação com a área da Formação Pessoal e Social (p. 85).

Assim sendo, a abordagem do Conhecimento do Mundo parte do que as crianças já sabem e aprenderam nos contextos em que vivem. A extrapolação do meio próximo da criança tem para esta um sentido afetivo e relacional, que facilita a sua compreensão e apreensão e também proporciona a elaboração de quadros explicativos para compreender outras situações mais distantes.

A mesma contempla três componentes: Abordagens às ciências, introdução à metodologia científica e mundo tecnológico e utilização das tecnologias. Quatro temas podem ser trabalhados nesta área: Desenvolvimento, Paz, Pobreza e Desigualdade e Cidadania Global.

O objetivo do tema Pobreza e Desigualdade é:

Reconhecer o respeito pelos direitos humanos como imperativo para a implementação de políticas coerentes de combate às desigualdades, à pobreza e à exclusão social (RED, 2016, p. 15).

A aprendizagem que pode ser desenvolvida permite que a criança fale sobre recursos tecnológicos existentes no seu meio, revelando algum conhecimento sobre a sua utilidade (semáforos, máquinas de lavar roupa e loiça, binóculos, cinema, câmara de vídeo, etc.).

O tema Cidadania Global contempla três objetivos:

Compreender a construção de compromissos éticos e cívicos como condição para a criação de uma sociedade mundial justa e sustentável; reconhecer o papel de vários tipos de atores na assunção de diferentes formas de participação e de corresponsabilidade na construção da cidadania global e compreender a humanidade como parte do planeta e do universo (RED, 2016, p. 16).

As aprendizagens que podem ser promovidas no intuito de atingir esses objetivos são: identificar algumas manifestações do património cultural e paisagístico do seu meio e de outros meios como, por exemplo, tradições, arquitetura, festividades; identificar os membros da família próxima e falar sobre os graus de parentesco.

Assim, a Área do Conhecimento do Mundo considera os saberes que a criança construiu a partir da sua relação com o meio. Portanto, é neste contexto que se desenvolve a ED como uma vertente da cidadania global, enquanto formação de pessoas responsáveis, autónomas, solidárias, que conhecem e exercem os seus direitos e deveres, em diálogo e no respeito pelos outros, com espírito democrático, pluralista, crítico e criativo.

Tema Objetivos (RED) Aprendizagens (OCEPE)
Desenvolvimento Valorizar a diversidade de culturas, sociedades e mundivisões, atribuindo-lhes uma relevância equitativa.

Promove a reflexão sobre a diversidade cultural e social aproveitando datas e eventos nacionais e internacionais.

Compreende e aceita a diversidade de hábitos, vestuário, alimentação, religiões, etc. caraterísticos de diferentes realidades culturais.

Conhece elementos centrais da sua comunidade, realçando aspetos físicos, sociais e culturais e identificando algumas semelhanças e diferenças com outras comunidades.

Paz Compreender os vários tipos de situações de insegurança violência, guerra e ausência de paz. Usa e justifica algumas razões de práticas promotoras da saúde e segurança (lavar as mãos antes das refeições, evitar o consumo excessivo de doces e refrigerantes, atravessar nas passadeiras, etc.).
Pobreza e Desigualdade Reconhecer o respeito pelos direitos humanos como imperativo para a implementação de políticas coerentes de combate às desigualdades, à pobreza e à exclusão social. Fala sobre recursos tecnológicos existentes no seu meio, revelando algum conhecimento sobre a sua utilidade (semáforos, máquinas de lavar roupa e loiça, binóculos, cinema, câmara de vídeo, etc.).
Cidadania Global Compreender a construção de compromissos éticos e cívicos como condição para a criação de uma sociedade mundial justa e sustentável.

Reconhecer o papel de vários tipos de atores na assunção de diferentes formas de participação e de corresponsabilidade na construção da cidadania global.

Compreender a humanidade como parte do planeta e do universo.

Identifica algumas manifestações do património cultural e paisagístico do seu meio e de outros meios como, por exemplo, tradições, arquitetura, festividades.

Identifica os membros da família próxima e fala sobre os graus de parentesco.

Identifica diferentes elementos da comunidade educativa, percebendo os seus papéis específicos.

Se reconhece como ser vivo com características e necessidades semelhantes às dos outros seres vivos (crescimento, nutrição, abrigo, etc.).

Quadro 2 – Área de Conhecimento de Mundo: pistas de operacionalização de ED na pré-escola.
Fonte: Referencial de Educação para o Desenvolvimento e Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar – DGE/2016.

Saberes necessários à prática pedagógica que favorece a Educação para o Desenvolvimento – O papel do educador

Revisitar quais os saberes são essenciais na prática pedagógica que fortalecem a ED tomando como ponto de partida a obra Pedagogia da Autonomia, se constitui enquanto possibilidades, possibilidades essas que não se esgotam aqui e não minimizam o teor da obra supracitada. Ao contrário, convida-nos a repensar um novo jeito de caminhar.

Esse novo caminhar encontra respaldo, por um lado, na evolução dos conceitos de ED, em simbiose com as transformações nas concepções de desenvolvimento – de visão economicista do desenvolvimento para uma perspetiva mais centrada nas pessoas e no ambiente – e, por outro, na articulação crescente com outras abordagens educativas – como a Educação para a Paz, a Educação para os Direitos Humanos, a Educação para a Igualdade de Género, a Educação Intercultural ou a ED Sustentável (ENED 2018-2022).

Considerando essas especificidades, cuja tônica repousa nos princípios da justiça, equidade e solidariedade, ao educador é atribuído um papel preponderante: comprometer-se com uma prática pedagógica transformadora promotora do direito e do dever de todas as pessoas, e de todos os povos, participarem e contribuírem para um desenvolvimento integral e sustentável. Por conseguinte, uma prática educativo-crítica.

Dentre os princípios freirianos que se destacam e permeiam toda e qualquer prática, repousa no facto de que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (Freire, 1996, p. 12). Neste sentido, compete ao educador considerar que tal produção ou construção voltada para ED – reitero aqui as características que a abarcam dentre elas a ação transformadora – pressupõe uma relação dialógica.

É neste encontro, portanto, entre educando e educador que juntos constroem conhecimento, que se delineia outros saberes fundantes de uma prática voltada para a ED (Quadro 3). Os mesmos se apresentam como caminhos que, uma vez trilhados em conformidade com os objetivos e aprendizagens (Quadro 2), favorecem a participação da criança na pré-escola reafirmando a sua condição enquanto “ser único, com características, capacidades e interesses próprios, com um processo de desenvolvimento singular e formas próprias de aprender” (OCEPE, p. 8).

Destarte, um dos saberes essenciais à prática educativa pautada nos princípios freirianos em comunhão com a ED, é o respeito aos saberes dos educandos no ato de ensino. Freire (1996), pondera que para além do respeito aos saberes dos educandos, urge discutir a razão de ser destes. Este diálogo, entre educandos e educador, favorece a superação da visão do senso comum para uma leitura crítica acerca da realidade que os circunda. Neste compasso, a Plataforma Portuguesa das ONGD (2018) traz a tona essa superação reafirmando que a Educação para o Desenvolvimento e Cidadania Global, enquanto processo ativo e participativo, visa facilitar processos de aprendizagem com base em novas experiências – individuais e coletivas – suscitando a reflexão crítica, a ação, o diálogo e a empatia.

No seguimento, Freire (1996) adiciona a criticidade enquanto condição sine qua non para a superação, não ruptura, da curiosidade ingênua, apregoando-a enquanto “inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento” (p. 15). Assinala-se, à luz da CDC (1989), o direito à liberdade de expressão haja vista que este direito compreende “a liberdade de procurar, receber e expandir informações e ideias de toda a espécie, sem consideração de fronteiras, sob forma oral, escrita, impressa ou artística ou por qualquer outro meio à escolha da criança” (art. 13).

É, portanto, a partir dessa posição inquietante, mediada pelo educador, que se constitui a apreensão da realidade caracterizada pela construção, reconstrução e constatação para mudar (Freire, 1996). Aqui se patenteia o papel do educador do qual “testemunha o direito de comparar, de escolher, de romper, de decidir e estimular a assunção deste direito por parte dos educandos” (p. 28).

Atrelado a esse conjunto de saberes, tem-se o reconhecimento de que ensinar exige a convicção de que a mudança é possível (Freire, 1996). Tal princípio freiriano retoma a constatação como forma de intervenção. Neste sentido, o autor convida-nos a repensar enquanto seres capazes de intervir na realidade, tarefa “incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente de nos adaptarmos a ela” (p. 30).

É necessário, portanto, reafirmar o papel meritório que é atribuído ao educador (Freire, 1996) enquanto mediador da construção do conhecimento, reafirmando o seu compromisso com educandos no intuito de oportunizar “a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação” (p. 31). Sedimenta-se, desta maneira, um olhar crítico considerando a dimensão pedagógica como fator relevante na promoção de práticas educativas onde o foco seja a “formação integral das pessoas, o desenvolvimento do pensamento crítico e eticamente informado, e com a participação cidadã” (ENED, 2018-2022).

A partir desta re(leitura) da obra supracitada, podemos assim sintetizar os saberes necessários à prática pedagógica voltada para a ED, conforme quadro 3. A saber:

Saberes necessários à prática pedagógica Papel do educador Premissa
Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos Respeitar os saberes com que os educandos chegam à escola e discutir a razão de ser destes; Articular saberes curriculares fundamentais aos alunos às suas experiências enquanto indivíduos;
Ensinar exige criticidade Promover a criticidade a partir da curiosidade crítica, insatisfeita e indócil; Curiosidade humana histórica e socialmente construída e reconstruída;
Ensinar exige apreensão da realidade Contribuir positivamente pra que o educando seja artífice da sua formação; Apreender para transformar a realidade, intervir, recriar;
Ensinar exige convicção de que a mudança é possível Promover mudança de postura – de postura rebelde para posturas revolucionárias que se enganjem no processo de transformação do mundo; Papel no mundo: não apenas constatar, mas intervir como sujeito de ocorrências;

História como possibilidade não como determinação;

Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo Testemunhar eticamente ao ensino dos conteúdos exprimindo coerência entre o que se diz, o que se escreve e o que se faz; Intervenção para além dos conteúdos ensinados que implica reprodução da ideologia dominante ou seu desmascaramento;
Ensinar exige reconhecimento e a assunção da Identidade Cultural Propiciar condições para que os educandos, nas suas relações, quer inter quer intrageracional, ensaem a experiência de assumir-se; Assumir-se como ser pensante, critico, comunicante, histórico, social, criador e transformador;

Quadro 3 – Saberes à prática pedagógica voltada para a ED.
Fonte: Pedagogia da Autonomia – Saberes necessários à prática educativa.

À guisa de conclusão

O percurso até aqui traçado aponta para a temática da ED como de suma relevância. Assim pode ser considerada dado ao fato da mesma perpassar desde a educação pré-escolar até o ensino secundário. Todavia, o seu ponto de chegada não é o ensino secundário, ao contrário, são os aprendizados construídos desde a educação pré-escolar que se estendem ao longo da vida.

Sendo assim, compreende-se que a ED é dimensão transversal da educação para a cidadania com base no Referencial de Educação para o Desenvolvimento que considera que as Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar o documento norteador para a construção de um currículo que privilegie a referida temática.

A mesma parte do princípio de que a criança é um ser ativo, produtora de cultura mediante relação com os outros e com o mundo, assim como é sujeito e agente do processo educativo cabendo ao educador estimular o aprendizado e aprendizado a partir do meio que a circunda e das interações que ocorrem no espaço do jardim de infância.

Foi observado, conforme Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar, que a Área de Formação Pessoal e Social e a Área de Conhecimento do Mundo concorrem para a ED. Aqui foi feito um possível exercício de ligação entre objetivos/temas (consoante RED) e aprendizagens promovidas (OCEPE). Longe de ser um “receituário”, as propostas aqui contidas são apenas pistas que concorrem para ED, compreendendo que as Áreas de Conteúdo devem ser vistas de forma articulada, dado que a construção do saber se processa de forma integrada, e há inter-relações entre os diferentes conteúdos, bem como aspetos formativos que lhes são comuns.

O desenvolvimento da Formação Pessoal e Social baseia-se na organização do ambiente educativo, construído como um ambiente relacional e securizante, em que a criança é valorizada e escutada, o que contribui para o seu bem-estar e autoestima, e, ainda, como um contexto democrático em que as crianças participam na vida do grupo e no desenvolvimento do processo da aprendizagem.

Já a abordagem ao Conhecimento do Mundo implica o desenvolvimento de atitudes positivas na relação com os outros, nos cuidados consigo próprio, e a criação de hábitos de respeito pelo ambiente e pela cultura, evidenciando-se assim a sua inter-relação com a área da Formação Pessoal e Social.

Portanto, ambas, em consonância com os princípios freirianos, tornam-se terreno fértil para uma prática voltada para ED transformadora. Prática essa, cujo papel exercido pelo educador em diálogo com seus educandos, considera a criança como agente do processo educativo e reconhece-lhe o direito de ser ouvida nas decisões que lhe dizem respeito conferindo-lhe um papel ativo no planeamento e avaliação do currículo, constituindo esta participação uma estratégia de aprendizagem.

Referências Bibliográficas
  • Amaro, R. (2003). O conceito de desenvolvimento local no quadro da revisão do conceito de desenvolvimento. Reflexões e pistas para o desenvolvimento local, 155-169.
  • Celorio, G. & Munain, A.L de. (Coords.). Diccionario de Educación para el Desarrollo. Bilbao, Espanha.
  • Corsaro, W. (2001). Teorias Sociais da Infância. In Sociologia da Infância, Porto Alegre: pp. 17-39.
  • Educação para a cidadania – linhas orientadoras (2012). In Direção-geral da Educação. Fonte: https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/ECidadania/Docs_referencia/educacao_para_cidadania_linhas_orientadoras_nov2013.pdf.
  • Ferreira, M. (2002). A gente aqui o que gosta mais é de brincar com os outros meninos. Porto: Universidade do Porto.
  • Ficha temática de Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global (2018). In Plataforma Portuguesa da ONGD: https://www.plataformaongd.pt/uploads/subcanais2/ficha-tematica-de-edcg.pdf.
  • Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra.
  • Freire, P. (1987). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
  • Mesa, M. (2011). Reflexiones sobre el modelo de las cinco geraciones de Educación para el Desarrolo. In Educación Global Research. http://educacionglobalresearch.net/wp-content/uploads/09-Comentario-Maniela-Mesa.pdf, pp.161-167.
  • Morin, E. (2003). A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução Eloá Jacobina. 8a ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 128p.
  • Sarmento, M. (2002). Imaginário e culturas da infância. pp. 1-8.
  • Torres, A., Figueiredo, I.L., Cardoso, J., Pereira, L.T., Neves, M.J., &. Silva, R. (2016). Referencial de Educação para o Desenvolvimento. In Direção Geral de Ensino Superior: dge.mec.pt.
  • Vasconcellos, M. &. (2014). Fundamentos da Economia. 5a ed. São Paulo: Saraiva. 243p.

References
1 Professora de Educação Infantil ao Ensino Fundamental da Rede Municipal de Salvador/Ba – Brasil. Graduada pela Universidade Estadual de Feira de Santana, Mestra em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.
2 Privilegia a vida das crianças em grupo como condição para que as mesmas assumam responsabilidades que promovam valores democráticos como: participação, justiça e a cooperação. Tem como objetivo geral: saber cuidar de si e responsabilizar-se pela sua segurança e bem-estar; ir adquirindo a capacidade de fazer escolhas, tomar decisões e assumir responsabilidades, tendo em conta o seu bem-estar e o dos outros.
[1]Professora de Educação Infantil ao Ensino Fundamental da Rede Municipal de Salvador/Ba - Brasil. Graduada pela Universidade Estadual de Feira de Santana, Mestra em Ciências da Educação pela … Continue a ler Resumo: À luz do Referencial de Educação para o" data-link="https://sinergiased.org/educacao-para-o-desenvolvimento-sustentavel-saberes-e-fazeres-na-pre-escola-um-olhar-freiriano/">

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1 Professora de Educação Infantil ao Ensino Fundamental da Rede Municipal de Salvador/Ba - Brasil. Graduada pela Universidade Estadual de Feira de Santana, Mestra em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.