A palavra “desenvolvimento” entrou no léxico corrente com sentidos diferentes e por isso presta-se a ambiguidades como a que está implícita na proposta “alternativas ao desenvolvimento”.
Com efeito, a meu ver, não se trata de procurar alternativas ao desenvolvimento, mas precisar de que desenvolvimento se trata, que conceito temos de desenvolvimento. Ou seja: precisamos de saber de que falamos quando nos referimos ao desenvolvimento e o tomamos como objectivo de iniciativas, estratégias e políticas nacionais, regionais ou locais, públicas ou de iniciativa privada.
Comecemos pela negativa:
O desenvolvimento não é o mesmo que crescimento económico. Pode existir mais crescimento da economia coexistindo com maior pobreza, desigualdades agravadas na repartição da riqueza e do rendimento, maior esforço de trabalho e piores remunerações, delapidação de recursos não renováveis, degradação ambiental, gigantescas concentrações urbanas desprovidas de condições básicas de vida para as populações que nelas residem, vida pessoal e colectiva sem qualidade, etc..
E porque não é mero crescimento da economia, o desenvolvimento não pode ser traduzido pelo Produto Interno Bruto (PIB), o indicador usual das estatísticas convencionais tão popularizado pela comunicação social, graças à aparente singeleza da sua medida – conjunto de bens e serviços produzidos num certo período de tempo, expresso numa dada moeda. Mesmo que se incorpore no conceito do PIB a variação de poder aquisitivo da moeda (PIB a preços correntes versus PIB a preços constantes) o conceito não reflecte a natureza e a origem do produto (por exemplo, soma o valor decorrente da produção de leite e de qualquer outro bem básico com o valor da produção e comércio de armas letais).
Poderia continuar com o enunciado de outras insuficiências deste conceito e desta medida para falar do desenvolvimento.
Nas instâncias internacionais, ONU, Banco Mundial, Organização Internacional do Trabalho, etc., têm-se feito esforços para chegar a um conceito consensualizado acerca do desenvolvimento, adjectivando-o de humano, sustentável, integrado.
Terá sido no Relatório das Nações Unidas para o Desenvolvimento de 1990 que surgiu pela primeira vez a noção de desenvolvimento humano, incorporando no conceito de desenvolvimento a pessoa humana e o seu bem-estar ou qualidade de vida. Em linguagem simples, o desenvolvimento humano consiste em transformar os recursos materiais, culturais e humanos de um País, região ou local, em mais qualidade de vida para os seus cidadãos, incluindo a redução das desigualdades sociais (riqueza, rendimento e outras) e o reforço da coesão social.
Os sucessivos aperfeiçoamentos deste conceito de desenvolvimento humano permitiram dar conta da esperança média de vida e da evolução de outros indicadores de saúde, da igualdade de oportunidades no acesso à educação, da disponibilidade de bens básicos como a habitação e o seu grau de equipamento e conforto, da acessibilidade a transportes e meios de comunicação, da segurança física, etc.
O designado prémio Nobel da economia, Amartya Sen, deu um contributo importante para alargar este conceito de desenvolvimento humano, integrando nele a consideração de outras variáveis de natureza política, social, cultural e ambiental e designadamente a noção de capacitação das pessoas para terem mais liberdade para cuidar de si mesmas e para influenciarem as sociedades a que pertencem e participarem na construção do seu desenvolvimento. Vale a pena mencionar o seu livro publicado em 1999, Development as Freedom, editado pela Gradiva em português, em 2003, com o título O desenvolvimento como liberdade.
Em síntese podemos dizer que, hoje, ao falarmos do desenvolvimento humano devemos ter em mente três vectores:
- O desenvolvimento das pessoas – aumentar as suas oportunidades, capacidades, potencialidades e liberdade de fazer escolhas.
- O desenvolvimento para as pessoas – garantir que os seus frutos sejam apropriados equitativamente por toda a população.
- O desenvolvimento pelas pessoas – ampliar o poder das pessoas e das comunidades na participação da definição do processo de desenvolvimento, assumindo-se, simultaneamente, como sujeitos e como beneficiários.
Por outro lado, a questão ambiental que tem vindo a ganhar destacado e justificado relevo, sobretudo a partir da década de setenta, conduziu ao enriquecimento do conceito de desenvolvimento humano com as variáveis relativas à qualidade do ambiente físico (poluição da atmosfera, terra, rios e mares, aquecimento climático, perda de diversidade de espécies, exaustão de recursos não renováveis, etc.) e adjectivar o conceito de desenvolvimento humano também com a palavra sustentável. Por isso, hoje quando tratamos do desenvolvimento em termos conceptuais ou de realizações práticas neste domínio, não podemos deixar de considerar esta dimensão da sustentabilidade ambiental na fixação dos objectivos e metas, bem como nas escolhas dos meios para os alcançar.
O Papa Francisco na sua recente encíclica sobre o cuidado da casa comum (Laudato Si’) alarga a noção de sustentabilidade, falando de ecologia integral para aliar, indissociavelmente, a dimensão da sustentabilidade física à dimensão da sustentabilidade social e o que esta comporta, designadamente a solidariedade entre as gerações presentes e futuras, a coesão social e a paz.
Com este contributo do Papa Francisco podemos passar a falar de desenvolvimento integral, englobando a dimensão do humano na tríplice acepção atrás descrita (das pessoas, para as pessoas, pelas pessoas) e da sustentabilidade física e social.
Neste contexto, ganha o maior relevo a educação, enquanto projecto e enquanto sistema educativo que assegure efectiva igualdade de oportunidades de acesso e sucesso às crianças e jovens, sem esquecer as que apresentam necessidades educativas especiais e a população adulta com défice de formação e que veicule para os conteúdos dos seus programas escolares e currículos esta dimensão do desenvolvimento integral, como desígnio colectivo, com implicações na formação pessoal dos cidadãos e cidadãs.
À luz da Constituição da República Portuguesa, o desenvolvimento é uma tarefa indeclinável do Estado, mas não se circunscreve à responsabilidade dos governos e demais poderes públicos. Também as famílias, as organizações da sociedade civil e as comunidades religiosas não podem descurar a educação para o desenvolvimento integral.
Uma palavra especial deve ser dirigida à comunicação social e à responsabilidade que esta deve assumir na prossecução de um objectivo comum de educação de toda a população e em particular das gerações mais jovens para um desenvolvimento integral, cuidando dos valores que lhe subjazem, evidenciando os obstáculos a superar e dando visibilidade aos esforços feitos nesse sentido e aos resultados alcançados