Resumo: A forma como as Instituições de Ensino Superior criam e validam conhecimento é frequentemente acusada de ser demasiado teórica, distante e geradora de epistemicídios. Por seu lado, as Organizações da Sociedade Civil não têm muitas vezes tempo nem recursos para sistematizar as suas aprendizagens. Este diagnóstico prévio faz com que seja imprescindível uma abordagem inovadora e crítica à construção de conhecimento, permitindo que se questionem as relações de poder entre diversos tipos de criadores de conhecimento, procedimentos de validação e processos de disseminação.
Tendo isto em consideração, este artigo aplica o quadro de análise Engaged Excellence in Research ao projeto Sinergias ED, que se propõe fortalecer os processos de aprendizagem colaborativa entre investigação e ação na área da Educação para o Desenvolvimento. A análise de conteúdo é a metodologia utilizada para identificar os fatores que promoveram ou dificultaram os quatro pilares caraterizadores da abordagem teórica: a realização de uma investigação de elevada qualidade, a construção colaborativa de conhecimento, a mobilização das aprendizagens para os impactos e a criação de parcerias duradouras.
Palavras-chave: Educação para o Desenvolvimento; Processos de aprendizagem colaborativa; Engaged Excellence in Research; Epistemologias do Sul; Construção colaborativa de conhecimento.
Resumen: A forma en que las Instituciones de Educación Superior crean y validan conocimiento es a menudo acusada de ser demasiado teórica, distante y generadora de epistemicídios. Por su parte, las Organizaciones de la Sociedad Civil no tienen, muchas veces, tiempo ni recursos para sistematizar sus aprendizajes. Este diagnóstico previo hace que sea imprescindible un enfoque innovador y crítico a la construcción de conocimiento, permitiendo que se cuestionen las relaciones de poder entre diversos tipos de creadores de conocimiento, procedimientos de validación y procesos de diseminación.
Teniendo esto en cuenta, este artículo aplica el marco teórico Engaged Excellence in Research al proyecto Sinergias ED, que se propone fortalecer los procesos de aprendizaje colaborativo entre investigación y acción en el área de la Educación para el Desarrollo. El análisis de contenido es la metodología utilizada para identificar los factores que promovieron o dificultaron los cuatro pilares característicos del enfoque teórico: la realización de una investigación de alta calidad, la construcción colaborativa de conocimiento, la movilización de los aprendizajes para los impactos y la creación de asociaciones duraderas.
Palabras-clave: Educación para el Desarrollo; Procesos de aprendizaje colaborativo; Engaged Excellence in Research; Epistemologías del Sur; Construcción colaborativa de conocimiento.
Abstract: The standard manner in which Higher Education Institutions create and validate knowledge is frequently accused of being too theoretical, distant and a promotor of epistemicides. Civil Society Organisations often have no time nor resources to systematise their learnings. The previous diagnosis makes imperative an innovative and critical approach to knowledge building, allowing the questioning of power relationships between different kind of knowledge creators, validation procedures and dissemination processes.
Taking this in consideration, this paper applies the Engaged Excellence in Research approach to the Sinergias ED project, devoted to strengthening collaborative learning processes between research and action in the DE field. Through content analysis it aims, through a theory testing, to identify the factors which have promoted or hindered high-quality research delivery, knowledge co-construction, impact-oriented evidence mobilisation and building enduring partnerships.
Keywords: Development Education; Collaborative learning processes; Engaged Excellence in Research; Epistemologies of the South; Knowledge co-creation.
Resumé: La manière dont les Établissements d’Enseignement Supérieur créent et valident les connaissances est souvent accusée d’être trop théorique, distante et générateur d’épistémicides. De leur côté, les Organisations de la Société Civile manquent souvent de temps et de ressources pour systématiser leur apprentissage. Ce diagnostic préalable rend indispensable une approche innovante et critique de la construction des connaissances, permettant de questionner les relations de pouvoir entre différents types de créateurs de connaissances, de procédures de validation et des processus de diffusion.
Prenant cela en considération, cet article applique le cadre analytique Engaged Excellence in Research au projet Sinergias ED, qui vise à renforcer les processus collaboratives d’apprentissage entre la recherche et l’action en Éducation au Développement. L’analyse du contenu est la méthode utilisée pour identifier les facteurs qui favorisent ou entravent les quatre piliers caractérisants de l’approche théorique: la réalisation d’une recherche de haute qualité, la construction collaborative des connaissances, la mobilisation de l’apprentissage aux impacts et la création de partenariats durables.
Mots-clés: Education au développement; Processus d’apprentissage collaboratif; Engaged Excellence in Research; Épistémologies du Sud; Co-construction de connaissances.
“O conhecimento é definido de diversas formas: os factos, sentimentos ou experiências de uma pessoa ou grupo de pessoas, uma situação de entendimento ou compreensão e/ou a consciência ou familiaridade obtida pela experiência ou aprendizagem. O conhecimento gera-se por meio da investigação, da experiência dos sábios, do ato de sobrevivência no mundo, e é representado em texto, poesia, música, na linguagem política, nos meios de comunicação social, nos discursos, na dramaturgia e na narração de histórias. O conhecimento liga-se às competências práticas, às nossas vidas profissionais e ao pensamento universal e abstrato. O conhecimento é criado todos os dias por cada um de nós (…)” .
(Escrigas et al., 2014: xxxiii)
Há atualmente um debate à volta da criação e da utilização do conhecimento, focado no que se poderia denominar de “monopólio académico tradicional” (Tandon et al., 2016: 24). As Instituições de Ensino Superior (IES) não só alegam ser quem cria conhecimento, mas assumem também o papel de “árbitros do que é ‘bom’ e ‘válido’”, estabelecendo os padrões de legitimidade, habitualmente por meio de processos de revisão de pares conduzidos por outros académicos dentro do sistema e pela disseminação de resultados por meio de canais académicos tradicionais (por ex., revistas científicas, conferências). Este processo pode ser estéril e alienado, alimentando um sistema fechado de informação (académicos comunicando com e para académicos).
Esta situação acarreta diversos riscos: i) uma vez que os académicos estudam frequentemente a realidade através de modelos científicos (que aplicam, elaboram ou fornecem), com base em artigos especializados e no âmbito de uma perspetiva disciplinar, o seu trabalho corre o risco de se distanciar da realidade, de se fragmentar e não ser capaz de perceber as complexidades das autênticas relações e interações de múltiplos fatores; ii) debaixo da tirania da validação do conhecimento científico, “da palavra escrita” (Davies, 2016: 137), que estabelece uma hierarquia entre o único conhecimento que é válido e os outros, denominados de “conhecimentos subalternos” (Oswald et al., 2016), tem-se dado um “epistemicídio em larga escala”, a eliminação de qualquer tipo de conhecimento ou práticas sociais que geram um conhecimento que não aquele validado na academia (Santos, 2007a); iii) muitas vezes acusada de recorrer a uma linguagem cifrada, apenas compreensível em contexto académico, corre-se o risco de que os principais resultados da investigação sirvam apenas um propósito académico, não cumprindo de forma nenhuma a sua finalidade mais prática e pragmática de inspiração das políticas públicas e transformação da sociedade (Ansley e Gaventa, 1997; Tandon et al., 2016; Schucksmith, 2016; Georgalakis et al., 2017).
Este diagnóstico torna imprescindível abordagens inovadoras e críticas à construção de conhecimento.
Santos propôs a teoria das Epistemologias do Sul3 (Santos, 2007a; 2007b; Santos e Meneses, 2009). Os argumentos desta teoria baseiam-se na caracterização do pensamento moderno ocidental como um “pensamento abissal”, que consiste “na concessão à ciência moderna do monopólio da distinção universal entre o verdadeiro e o falso” e na eleição do conhecimento científico como o único capaz de alcançar a verdade, considerando as outras formas de conhecimento (aquelas do Sul) apenas como “crenças, opiniões, compreensões intuitivas ou subjetivas” (Santos, 2007a: 47). Diante desta injustiça cognitiva, Santos sugere uma ecologia de saberes, a defesa de uma diversidade epistemológica do mundo, o reconhecimento da existência de uma pluralidade de formas de conhecimento para lá do conhecimento científico (Santos, 2007b).
O relatório InterAction. How can academics and third sector work together to influence policy and practice? (Schucksmith, 2016) reflete sobre o porquê da necessidade das Universidades se relacionarem com outros tipos de atores, nomeadamente as Organizações da Sociedade Civil (OSC), reconhecendo que ambas são criadoras de conhecimento e atores sociais.
Neste relatório foram esboçadas duas formas alternativas de apresentar a interação entre académicos e não-académicos, que tiveram ecos noutra literatura (Apgar et al., 2016; Pittore et al., 2016; Mitton et al., 2007; Georgalakis et al., 2017; Wehrens, 2014):
- uma, mais centrada nos indivíduos e baseada em soluções intermédias, propõe a possibilidade de um trabalho de mediação4 realizado por “mediadores de conhecimento5, intermediários de conhecimento ou organizações mediadoras, que podem criar as pontes que permitam ultrapassar o fosso existente entre os investigadores e os atores na prática e/ou os decisores” (Oswald, 2016: 7). Isto é essencial não apenas para facilitar os contactos, mas também para “sintetizar e transformar os dados numa fórmula eficaz e acessível para os outros atores das políticas e das práticas, por meio de um processo semelhante à alquimia” (Schucksmith, 2016: 34-35). Este papel pode ser desempenhado por indivíduos ou “organizações mediadoras”6 (Apgar et al., 2016), mas é fundamental que entendam as culturas de ambos os mundos. Inclui-se aqui “quem tenha passado da prática para a academia, ou vice-versa” (Hart e Wolff, citados por Shucksmith, 2016: 30). Roque Amaro, reconhecendo que muitas aprendizagens na área do Desenvolvimento provieram da prática, interroga-se se no futuro será possível ter Investigação isolada da Ação e se o papel dos criadores de conhecimento não deverá ser desempenhado por um agente híbrido a que apelida de “investigator”7 (Roque Amaro, 2003: 25).
- outra, mais sistémica, propõe a produção colaborativa de conhecimento (Oswald, 2016; Oswald et al., 2016) através do estabelecimento de ligações entre estes dois domínios de formas inovadoras e provocadoras “que interferem com as práticas convencionais de investigação e as funções dos investigadores, de tal forma que a ciência passa a ser mais do que um mero proporcionar informação e se envolve num processo de intervenção social” (Schucksmith, 2016: 35), com base na importância sublinhada da criação de redes de trabalho e relações de confiança de longo prazo entre académicos, seus parceiros, decisores políticos e comunidades de prática.
Esta segunda opção, mais radical, é a que coloca o maior desafio. No entanto, assumindo que a justiça cognitiva e a democratização do conhecimento (na sua criação, disseminação e acesso) são importantes contribuições para uma transformação social que reduza as desigualdades, há autores (Santos, 2007a; Schucksmith, 2016; Tandon et al., 2016) que sublinham ser agora o tempo para as pessoas encontrarem, coletivamente, novas formas de trabalhar em conjunto e de se envolverem quer em investigações quer em ações que ajudem a dar resposta às complexas questões com que o mundo se debate (Datta, 2012).
O nosso estudo pretende aplicar o quadro de análise Engaged Excellence in Research ao projeto Sinergias ED: Conhecer para melhor Agir – promoção da investigação sobre a ação na ED em Portugal, que se propõe fortalecer os processos de aprendizagem colaborativa entre investigação e ação na área da Educação para o Desenvolvimento (ED). O nosso propósito principal é problematizar como e até que ponto os processos colaborativos formulados no âmbito do projeto podem ser percebidos à luz desta abordagem e, em última análise, questionar e enriquecer o próprio enquadramento tendo em consideração as aprendizagens desta experiência particular.
Este artigo representa uma primeira fase de uma investigação mais aprofundada, que se transformou no objeto de estudo de um processo de doutoramento, no qual se testa e se aplica o modelo de análise Engaged Excellence in Research, nomeadamente os seus quatro pilares propostos – a realização de investigação de elevada qualidade, a construção colaborativa de conhecimento, a mobilização das aprendizagens para os impactos e a criação de parcerias duradouras8.
Apresentam-se algumas reflexões e conclusões quanto à relevância e aplicabilidade desta abordagem através da análise de conteúdo de alguns documentos elaborados no âmbito do projeto9 e da transcrição de um painel (registado em vídeo) dedicado ao trabalho colaborativo que teve lugar no Encontro Internacional Sinergias para a transformação social – diálogos sobre Desenvolvimento, em janeiro de 2016, com a presença de representantes de organizações participantes no projeto.
O artigo tem a seguinte estrutura: na 1ª secção, apresenta-se o enquadramento concetual e teórico com um relevo especial nos seus pilares e principais conceitos e a proposta de uma matriz de indicadores a serem usados na análise de conteúdo; na 2ª secção, contextualiza-se o estudo, nomeadamente através de um resumo do projeto, das suas características específicas e da apresentação da metodologia; a 3ª secção é dedicada à discussão dos resultados acerca da aplicabilidade do modelo de análise; na última secção, tecem-se algumas conclusões e considerações acerca das próximas fases do estudo.
2. Enquadramento e abordagens concetuais e teóricas
Investigação Comprometida (Engaged Research) e Engaged Excellence in Research
A Investigação Comprometida é uma das abordagens que procura juntar diferentes atores na criação do conhecimento. Este quadro teórico proporciona uma oportunidade para pensar o que realmente significa “realizar investigação colaborativa para a transformação social num contexto de relações desiguais de poder e obstáculos estruturais” (Dolan et al., 2016: 38). Esta afirmação aponta para algumas dimensões da reflexão empreendida por quem deseja um autêntico envolvimento entre a investigação e a prática, que podem determinar que tipo de investigação comprometida virá a ser promovido: quais as motivações para o envolvimento dos atores implicados; qual a escala/intensidade de envolvimento destes diferentes atores; em que fases da investigação se dará esse envolvimento (definição das questões, recolha de dados, análise dos dados); como as assimetrias de poder existentes serão assumidas, enfrentadas e negociadas; como determinar a autoria do conhecimento produzido.
O modelo Engaged Excellence in Research, identificado pelo Institute of Development Studies (IDS) com sede na Universidade de Sussex, como fator determinante da sua estratégia 2015-2020, é um exemplo das maneiras de conceber a investigação comprometida baseada na premissa de ser esta “uma abordagem distintiva para a construção e mobilização de conhecimento, e para o ensino e aprendizagem mútua para o desenvolvimento. Engaged Excellence significa que a elevada qualidade do nosso trabalho (excellence) depende da sua ligação e envolvimento com quem se encontra no cerne da transformação que pretendemos ver (engaged)” (IDS, 2015: 6).
O IDS identifica quatro pilares para a Engaged Excellence in Research na sua Estratégia 2015-2020: i) a realização de investigação de elevada qualidade; ii) a construção colaborativa de conhecimento; iii) a mobilização das aprendizagens para os impactos; iv) e a criação de parcerias duradouras (IDS, 2015: 7). Apresentam-se a seguir cada um destes pilares, que são mutuamente dependentes.
i. Realização de investigação de elevada qualidade
Uma vez que este estudo questiona as formas académicas clássicas de legitimação e validação de conhecimento (habitualmente por meio de processos de revisão de pares e medições de publicações), é importante que comecemos pelo debate acerca do que se considera ser “elevada qualidade” e “excelência”.
A excelência participada adota uma perspetiva construtivista, que reconhece que a investigação de elevada qualidade não é a verdade, assumindo que tal não existe, mas sim uma “pluralidade de perspetivas legítimas” (Oswald, 2016: 13), o que abre espaço para a subjetividade, para uma mistura de factos, emoções e valores. Para além destas duas características – ser “comprometida” e defender uma “pluralidade de perspetivas legítimas” – são referidas outras que conferem “elevada qualidade” a um processo de investigação (Oswald et al., 2016; Oswald, 2016) para o tornar legítimo e digno de confiança: rigoroso – tem de ser capaz de explicar porque foi escolhida uma determinada abordagem metodológica; sólido – na aplicação dos métodos/abordagens anteriormente escolhidos; relevante e útil – pertinente para os problemas a que procura dar resposta. Deste ponto de vista, a participação não só não diminui o rigor da investigação, como também aumenta as possibilidades de se alcançar um impacto positivo pelo uso efetivo dos resultados para políticas e/ou práticas (Pittore et al., 2016: 103).
ii. Construção colaborativa de conhecimento
Este pilar edifica-se sobre a suposição de que é fundamental convocar diferentes tipos de conhecimento (cognitivos e não-cognitivos) e múltiplas perspetivas (não apenas da academia, mas também de outros atores), descolonizando os currículos académicos, dominados pelo paradigma ocidental – um monopólio de conhecimento, que gera injustiças cognitivas (Oswald, 2016; Santos e Meneses, 2009). É fundamental abrir espaço para uma autêntica ecologia de saberes (idem, 2009).
Para que isto se possa realizar, é da maior importância repensar e reformular: os atores a serem envolvidos, tais como os atores mais envolvidos no terreno e os decisores políticos; as metodologias que sirvam o processo de construção colaborativa, desconstruindo formulações reconhecidas e gerando uma compreensão alargada do mundo (Pittore et al., 2016); a luta contra “formas extrativas de investigação [mais] tradicionais” (Oswald et al., 2016: 7) propondo outras mais participativas; a promoção não apenas da cognição e do pensamento racional, mas também da ação (aprender pelo fazer) e do sentir sobre o mundo (fenomenologia da vida quotidiana) (Tandon et al., 2016). Para se passar de um contacto mais superficial para um processo de participação mais estruturado e profundo, é necessário “clarificar intenções, decidir com quem se envolver, como o fazer e as melhores formas que este envolvimento deve assumir” (Datta, 2012: 14), enfrentando as desigualdades inerentes entre investigadores e comunidades.
Se existir um autêntico empenho em desafiar a forma clássica de fazer investigação, é crucial enfrentar as desigualdades inerentes entre investigadores e comunidades. Caso contrário, corre-se o risco de julgar que se está a incluir, enquanto apenas se introduzem outros conhecimentos nos nossos “enquadramentos” habituais e reconhecidos, reforçando os paradigmas tradicionais com novos “slogans” ou “chavões” da moda (Dolan et al., 2016). “Como é que a investigação pode ser feita numa colaboração horizontal com outros atores sociais num sistema que privilegia a publicação em revistas de elevado impacto que fundamentam uma hierarquia de classificação que define a qualidade da universidade?”, questionam-se Boni e Gasper (2016: 9).
Este não é um processo isento de dificuldades. Oswald (2016: 21) apresenta diversos desafios identificados neste processo de construção conjunta, citando diversos autores: “estruturas de incentivo individual existentes na academia que desencorajam abordagens mais participativas (Fouché e Chubb, 2016); nichos disciplinares e setoriais no interior da academia e das instituições (Knapp e Trainor, 2013); linguagem e terminologia diferentes usadas por académicos e não-académicos, mas também entre disciplinas (Clark e Jasaw, 2014: 512); cronogramas e modelos de prestação de contas que limitam a nossa flexibilidade (Mackenzie et al., 2012: 17); a complexidade de gerir múltiplos atores (ibid.); e as exigências dos financiadores que limitam a nossa escolha de parceiros (ou seja, só podemos trabalhar com quem cumpra determinados critérios estabelecidos pelos financiadores) (Williams, 2013: 228)”.
Dolan e Shahrokh afirmam de forma inequívoca: “a medida em que a participação alarga a nossa forma de ver o mundo ou reforça preconceitos prévios e inquestionados é um importante indicador para saber se se alcançou ou não uma significativa construção colaborativa de conhecimento nas abordagens de investigação e aprendizagem” (2016: 39).
iii. Mobilização das aprendizagens para os impactos
A primeira clarificação necessária consiste em saber o que na abordagem da Engaged Excellence se entende por impacto. Neste modelo, falar de impacto é não apenas falar das consequências ou resultados finais, mas também das aprendizagens e das transformações no decurso do processo, “aprendendo durante toda a investigação, não somente no final” (Dolan et al., 2016). Por conseguinte, o primeiro tipo de impacto tem lugar a um nível individual – envolvimento individual que pode transformar as relações entre investigadores e comunidades – e a um nível institucional e estrutural (Dolan et al., 2016). Isto é possível porque se parte da multiplicidade e diversidade de atores envolvidos, desafiando as relações de poder estabelecidas. O envolvimento de diferentes atores em todo o processo de investigação permite também um impacto mais efetivo nas práticas e nas políticas e ainda, tendo em conta as relações criadas durante o processo, na sustentabilidade da própria parceria.
Para reforçar este pilar, é necessário que se repense e reformule a avaliação dos impactos. É claramente assumido por esta abordagem que o impacto não é mensurável, por exemplo, através de critérios bibliométricos, ou seja, de acordo com o número de artigos publicados em revistas científicas ou de citações (Green, 2017).
iv. Criação de parcerias duradouras
Para concretizar os outros pilares – comprometimento, construção colaborativa de conhecimento e impacto – é fundamental promover e manter parcerias. Estas parcerias, edificadas para reunir diferentes perspetivas, têm de ser duradouras, de longo prazo, e estáveis (Oswald, 2016), sendo necessário dedicar algum tempo a atingir o estádio em que se desenvolvem relações pessoais e institucionais entre investigadores e grupos da sociedade civil (Pittore et al., 2016: 110). Tendo por base a confiança, a transparência e a interdependência mútua, estas relações sustentam-se pela reciprocidade, com papéis ativos e benefícios para ambos os lados da parceria. Alguns autores (Ely e Marin, 2016; Dolan et al., 2016) sublinham a importância de partir de relações pré-existentes entre parceiros. Porém, caso os parceiros não se conheçam, sugere-se: a promoção de atividades conjuntas para criar um espírito de equipa (Dolan et al., 2016); o reconhecimento dos valores partilhados e das complementaridades; e a partilha de responsabilidades (Schucksmith, 2016).
Ainda que haja vantagens consideráveis para ambas as partes, estes envolvimentos não são ainda muito comuns e de forma nenhuma fáceis. Há habitualmente preconceitos de ambas as partes que dificultam uma relação espontânea e livre: “por parte da universidade, há uma desvalorização do conhecimento das comunidades, uma visão dos membros das comunidades como objeto de investigação e não como parceiros, uma dificuldade de controlar o rigor numa investigação colaborativa ou na perceção dos benefícios que a colaboração pode proporcionar; por parte das comunidades, percebe-se uma visão da universidade enclausurada na sua ‘torre de marfim’ ou com uma produção irrelevante para as suas necessidades, paternalista, manipulativa e não muito transparente” (Boni, 2016: 10-11).
A concretização da democratização do conhecimento “exigirá muita coragem, trabalho em rede, vontade de enfrentar os defensores do cânone ocidental e das ortodoxias disciplinares” (Tandon et al., 2016: 32). Por outro lado, é crucial que todos os parceiros abracem este processo com suficiente abertura e flexibilidade para se empenharem numa perspetiva dialógica que inclua todos os atores, permitindo que possam aprender com os outros membros do processo colaborativo, superando o que Duncan Green identifica como os principais obstáculos entre OSC e IES: incentivos – “impacto versus publicação”; cronograma – “urgência versus esperar para ver”; prioridades – “status quo versus originalidade”; e competências – “pensar versus falar” (Green, 2017: 24).
No esquema 1, baseado em John Gaventa (Oswald, Gaventa e Leach., 2016: 2), mas já reelaborado pela autora do artigo, identificam-se o que consideramos serem os principais indicadores para reconhecer cada um dos pilares:
Esquema 1 – Os quatro pilares da Engaged Excellence in Research
Fonte: Adaptação da autora com base no modelo apresentado por John Gaventa no workshop Transdisciplinary Methods for Developing Nexus Capabilities, na Universidade de Sussex, em Junho de 2015 (Oswald, Gaventa e Leach, 2016: 2)
3. O contexto do estudo
A. Descrição geral do projeto
O nosso estudo pretende analisar o projeto Sinergias ED: Conhecer para melhor Agir – promoção da investigação sobre a ação na ED em Portugal[10] à luz da abordagem Engaged Excellence in Research, examinando os processos de trabalho colaborativo estabelecidos entre as entidades envolvidas no projeto, identificando os fatores que promoveram ou dificultaram a realização de investigação de elevada qualidade, a construção colaborativa de conhecimento, a mobilização das aprendizagens para os impactos e a criação de parcerias duradouras.
Este projeto foi elaborado em 2012 numa parceria entre o Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP) e a Fundação Gonçalo da Silveira (FGS), a partir das perspetivas para um percurso em conjunto partilhadas pelas duas instituições (Cardoso et al., 2015):
- O reconhecimento da necessidade de metodologias alternativas de investigação científica, pondo de lado a investigação mais tradicional e vertical, dominada exclusivamente por académicos, e que considera as organizações e atores no terreno como simples objetos de estudo e promovendo uma investigação baseada na colaboração entre estes dois tipos de atores, numa lógica horizontal de reflexão e produção conjunta de conhecimento, que se quer participativa e que venha a ter implicações práticas como força motriz para a transformação e legitimação das ações no terreno.
- O pressuposto de que a ED “é um paradigma de enquadramento que favorece a reconceptualização do conhecimento e promove o papel transformador da educação” (Tarozzi e Torres, 2016) e, por isso, para ser coerente com os princípios da ED, é crucial superar o conceito de criação científica do conhecimento e incluir outras formas de considerar a criação de conhecimento e a aprendizagem, como processos colaborativos em que todos os atores podem participar com as suas próprias experiências e em condições de igualdade.
- A assunção da importância da ED como disciplina fundamental para uma visão e intervenção integradas na área do desenvolvimento, que “obrigue a ter em conta as questões de poder, política, identidade e cultura” (Andreotti, 2006), bem como a necessidade de fortalecer a investigação científica em Portugal e de promover uma relação mais próxima entre Universidades e ONGD nesta área específica.
- A convicção de que a promoção dos valores e da relevância da ED é um sinal de resistência por parte das ONGD e das IES à situação geral de crise e austeridade no país e às conceções políticas, económicas e sociais dominantes e de empenho pela transformação social.
O projeto, submetido às candidaturas de financiamento do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, o organismo nacional do Ministério dos Negócios Estrangeiros responsável pela área do Desenvolvimento, teve início em dezembro de 2013. Procurou estabelecer elos de ligação entre IES e OSC, entre as suas equipas de trabalho, investigadores, docentes e estudantes, num processo colaborativo de aprendizagem, tendo em vista criar um diálogo institucional e uma dinâmica de cooperação que fortaleça as sinergias e complementaridades em torno da investigação e da ação na área da ED.
O nosso estudo analisa, mais especificamente, a atividade dedicada à “produção de trabalhos de investigação realizados em parceria pelas OSC e pelas IES, bem como a criação de uma dinâmica de ligação entre os atores envolvidos a partir da realização de encontros presenciais e da manutenção da comunicação conjunta à distância” (Cardoso et al., 2015: 119).
B. Descrição do trabalho colaborativo
O projeto tinha como objetivo estabelecido a promoção de 6 parcerias envolvidas num trabalho colaborativo. Assim sendo, no início da sua implementação, a equipa de coordenação, composta por dois membros da FGS (ONGD) e do CEAUP (centro de investigação), decidiu convidar 12 Instituições do Ensino Superior (IES) e 12 Organizações da Sociedade Civil (OSC). Os critérios usados para a decisão sobre as entidades a contactar foram: relevância ou interesse na área da ED; diversidade de entidades (institutos de ensino superior, universidades, centros de investigação, ONGD, associações locais); descentralização territorial (difusão pelo território, não apenas em Lisboa); e facilidade de contacto (sobretudo através do conhecimento prévio e de contactos pessoais). O claro interesse expresso pelas IES e OSC, que se refletiu num número mais elevado do que o esperado de instituições que aderiram ao projeto – 10 IES e 11 OSC –, foi uma garantia de que este preenchia um vazio sentido na comunidade portuguesa em torno da ED.
O trabalho colaborativo passou por diversas fases, desde o alinhamento dos parceiros (com base em relações pessoais ou institucionais prévias, fatores geográficos ou interesses comuns), à eleição dos tópicos de investigação, metodologias, fontes, etc., passando pela recolha de dados, e terminando, nalguns casos, com a análise e escrita colaborativa de um estudo. Este processo foi estimulado pela realização de quatro reuniões presenciais (a descrição do projeto apontava apenas para duas) e pela monitorização e acompanhamento levados a cabo pela equipa de coordenação do projeto.
Foram assim concluídos e publicados 6 estudos colaborativos no terceiro número da revista científica Sinergias – diálogos educativos para a transformação social. Os outros quatros trabalhos colaborativos não resultaram numa publicação escrita, por diversos constrangimentos (pessoais ou institucionais), mas os atores permaneceram envolvidos no projeto, nomeadamente na sua 2ª edição (que não é objeto deste estudo).
Para além disso, as dinâmicas que se geraram foram muito inspiradoras e reveladoras de um grande potencial uma vez que, no decurso do processo de colaboração, a maior parte das instituições aceitou um crescente envolvimento e compromisso, o que nalguns casos resultou na contribuição para outras atividades do projeto (estabelecimento de uma comunicação virtual, participação ativa no encontro internacional previsto no projeto com uma mesa redonda especificamente dedicada aos processos colaborativos, organização conjunta de eventos entre entidades e criação de um curso de pós-graduação numa parceria entre várias entidades participantes no projeto). Graças à motivação dos diversos parceiros, o trabalho em conjunto que foi realizado deu azo à criação de um embrião de uma rede/comunidade de interesse, empenhada não apenas no trabalho colaborativo entre IES e OSC nesta área, mas também na partilha de experiências, eventos, novas ideias e projetos.
C. Metodologia e fontes de informação
Para responder à questão que nos propúnhamos estudar, optámos por uma investigação qualitativa, partindo da teoria para analisar a realidade, de uma perspetiva concreta, questionando a própria teoria no decurso da investigação e, quando possível, desenvolvendo-a (Valles, 1999). O ideal qualitativo corresponde à identificação empática entre o investigador e o sujeito da investigação, já não tido como um objeto, mas um sujeito ativo com quem é necessário estabelecer envolvimento, comunicação e interação. Devido ao seu carácter “empírico, interpretativo e empático” (Stake, 2009), a metodologia qualitativa permite uma melhor e mais profunda compreensão de relações complexas; toma em consideração as especificidades, visando encontrar a unicidade do caso; permite interpretações e observações; procura padrões e significados que emergem de uma instância única.
A eleição do “estudo de caso” como melhor desígnio de investigação para a nossa análise relaciona-se com os nossos propósitos de investigação, a aplicação dos princípios da abordagem Engaged Excellence in Research a uma situação real. Esta considerou-se como estratégia apropriada uma vez que nos permite “o estudo da particularidade e complexidade de um caso único, sendo capaz de perceber a sua atividade no âmbito de circunstâncias importantes” (Stake, 2009: 11); por outras palavras, o nosso estudo, um “estudo de caso intrínseco” dada a importância assumida pelo caso, permite-nos perceber até que ponto os pilares do enquadramento escolhido estão ou não visíveis no projeto Sinergias ED.
Segundo Robert Stake, o estudo de caso permite-nos repensar e questionar a formulação de asserções, a partir de “compreensões bem fundamentadas dentro de nós, cuja derivação pode ser uma mistura escondida de experiência pessoal, trabalho académico e asserções de outros investigadores” (2009: 28). Considera-se importante sublinhar que a investigadora esteve ativamente envolvida no projeto, assumindo um empenho pessoal em relação ao tema do estudo, tendo tido uma função partilhada de coordenação. No entanto, uma vez que a autora está também consciente das questões éticas levantadas pelo facto de desempenhar ambos os papéis, está particularmente atenta aos riscos de parcialidade na identificação e análise seletiva de dados. Os processos de recolha e análise de dados foram consequentemente sujeitos a uma avaliação académica externa e independente, por meio de uma contínua discussão crítica. A investigadora reforçou esta medida de precaução recorrendo a diversas formas de triangulação de dados: triangulação de fontes de dados e triangulação do investigador (Stake, 2009).
A eleição de um estudo de caso representou também um ato de compromisso com o tema do estudo e uma questão de coerência com a parte teórica deste artigo. Stake sustenta que “por ser um exercício de uma tal profundidade, o estudo [de caso] é uma oportunidade de ver o que os outros ainda não viram, de refletir sobre a singularidade das nossas próprias vidas, de ativar a melhor parte dos nossos poderes interpretativos e de fazer, mesmo que só pela sua integridade, a defesa das coisas que prezamos” (Stake, 2009: 149 -150).
As técnicas de investigação foram selecionadas de acordo com os objetivos do estudo, a disponibilidade das fontes e o cronograma do projeto. Baseiam-se em análise bibliográfica, sobretudo para elaborar o enquadramento concetual, e em análise de conteúdo a partir de documentos disponíveis produzidos no âmbito do projeto, de cariz muito diverso, elaborados em distintos momentos, com recurso a diversas metodologias e apresentando múltiplas perspetivas, e da intervenção de participantes do projeto num painel decorrido no âmbito do encontro que marcou o encerramento do mesmo, dedicado à reflexão sobre os trabalhos colaborativos, seus processos e resultados.
Dado que se pretende avaliar o enquadramento concetual, serão analisados:
- A memória de um momento de reflexão proposto durante a 4ª reunião do projeto, em outubro de 2015, com representantes de 14 organizações11;
- A transcrição de um painel (registado em vídeo) dedicado aos processos e resultados dos diversos trabalhos colaborativos realizados no âmbito do projeto, painel que se desenrolou durante o encontro internacional Sinergias para a transformação social – diálogos sobre Desenvolvimento, em janeiro de 2016, com representantes de 7 organizações12;
- O Relatório de Avaliação Final, elaborado por um avaliador externo ao projeto, apresentado em março de 201613, com base numa metodologia mista, mobilizando métodos quantitativos (questionário de avaliação final, em formato digital e de resposta à distância, incluindo questões abertas e fechadas, aplicado à generalidade das entidades participantes do Sinergias ED na fase final do projeto – recolheram-se respostas de 15 entidades – 8 IES e 7 OSC) e qualitativos de recolha de informação de uma forma complementar.
- As memórias de três sessões no âmbito do processo de Sistematização de Experiências (SE), entre setembro e novembro de 2016, e o respetivo Relatório Final de Sistematização de Experiências14. Neste processo participaram representantes de 7 OSC e 7 IES.
4. Discussão de resultados
Aplicando o enquadramento da Engaged Excellence in Research às fontes acima mencionadas foi possível avaliar e refletir acerca da possibilidade do seu uso neste caso particular15. As categorias de análise utilizadas são as indicadas no esquema 1, Os quatro pilares da Engaged Excellence in Research16, adaptados pela autora com base no modelo de John Gaventa (Oswald, Gaventa e Leach, 2016: 2).
i. Realização de investigação de elevada qualidade
Segundo este marco de análise, o compromisso, a participação, é um dos indicadores de uma investigação de elevada qualidade. No Relatório Final de Avaliação (RAF) sublinha-se que o projeto Sinergias ED fundamenta “o seu sucesso nos participantes, na adesão e no envolvimento destes, e não apenas na condução e na iniciativa dos promotores” (RAF: 49). É interessante observar que a participação excedeu em muito as expectativas e que a motivação se manteve durante os dois anos do projeto, mesmo com uma tarefa exigente a realizar e sem qualquer tipo de apoio financeiro (RAF: 41). Este envolvimento foi impulsionado pela convicção de que o trabalho de investigação é importante na vida real, no “abrir-se ao exterior, às organizações” (4M-OSC2 e IES2: 4). O compromisso é outro impulso decisivo: “para além do compromisso profissional e pessoal, acreditar que aquilo que nós estamos a fazer pode ter realmente um impacto qualquer, que pode ser uma peça do puzzle da transformação social” (1SE: 8).
A pluralidade e a diversidade foram identificadas como fatores essenciais do trabalho colaborativo – “a associação do domínio tradicionalmente ‘prático’ da ED ao domínio tradicionalmente ‘teórico’ do Ensino Superior” (RAF: 48) – por vezes vistas como complementaridade, outras como condicionante. Nas diversas fontes analisadas foram assinaladas algumas diferenças (1SE, 2SE e RFSE): enquadramentos concetuais, diferentes linguagens, calendários, perspetivas (TP-IES6), antecedentes (TP-OSC2) e expectativas (TP-OSC3). Para enfrentar estas dificuldades, sublinhou-se a necessidade de mais “tempo para diálogo” (TP-IES6), “clarificação constante” (TP-OSC2) e o desenvolvimento de “competências comunicacionais” (TP-OSC2). Apontou-se que nos casos em que os parceiros se entregam a um trabalho colaborativo, como uma “causa comum”, era mais fácil ter sucesso; quando a natureza do trabalho colaborativo era uma “prestação de serviço” (habitualmente as OSC a solicitaram às IES que investigassem algo para elas), e não um autêntico trabalho colaborativo, era provável que se viesse a fracassar.
Foram feitas poucas referências ao rigor e solidez dos trabalhos colaborativos. Encontrou-se apenas uma, de um representante de uma IES, numa afirmação de autoavaliação da qualidade do estudo, reconhecendo o seu carácter preliminar e a intenção de dar continuidade ao trabalho realizado: “(…) é um work in progress, fizemos um working paper, é muito exploratório nesta altura e iremos continuar agora numa próxima segunda fase” (TP-IES5). No RAF, quando se faz referência ao elemento “qualidade”, afirma-se que o projeto Sinergias ED mostrou ter esta preocupação ao procurar assegurar a qualidade da investigação científica: “os estudos de caso a desenvolver segundo o modelo interpretativo de pesquisa e análise de dados convencional nas ciências sociais, assente no papel da teoria publicada enquanto guião de leitura privilegiado da realidade e no papel do investigador enquanto agente da construção de conhecimento através da recolha e análise sistemática de dados quantitativos e qualitativos” (RAF: 48).
Foram feitas diversas alusões quanto à relevância e à possibilidade de se usarem os processos e resultados do trabalho colaborativo. Ajudou a chegar a uma melhor definição do significado da ED nos projetos, nas palavras de alguns participantes, “nós ainda não definimos tão bem quais não são as áreas que não ED e isso é um grande passo a ser dado” (TP-OSC1); “a elaboração da candidatura para a próxima fase do projeto foi completamente diferente devido à participação neste projeto” (TP-OSC1); teve consequências práticas, como “formular um curso, com os professores das IES, dedicado às questões da ED” (TP-OSC2); e permitiu que as OSC refletissem com maior profundidade acerca do seu trabalho (TP-OSC3). Afirma-se no RAF que 85,7% dos inquiridos no questionário de avaliação final estavam satisfeitos (50%) ou muito satisfeitos (35,7%) com os resultados do trabalho colaborativo desenvolvido (RAF: 22); 71% declararam que os resultados do seu “trabalho de investigação” tiveram “uma transposição direta para os seus contextos institucionais” (RAF: 42). Isto reforça a possibilidade de o projeto ter sido uma resposta a uma “necessidade concreta” dos principais atores do setor da ED em Portugal, ou seja, “acesso a conhecimento especializado e ao aprofundamento teórico, a sistematização de aprendizagens, e a inovação na pesquisa e na formação” (RAF: 49).
ii. Construção colaborativa de conhecimento
A diversa tipologia de atores foi assegurada desde o início do projeto, com o envolvimento de 10 IES – Universidades, Centros de Investigação e Institutos Politécnicos (nomeadamente através das Escolas Superiores de Educação) – e 11 OSC – ONGD e associações locais. Alguns dos representantes sublinharam a possibilidade oferecida pelo projeto de criar um espaço para a compreensão mútua e o trabalho colaborativo, uma oportunidade de interagir com diferentes parceiros (TP-CSO3). Quando questionados acerca dos fatores que promoveram a aprendizagem no âmbito do projeto, 93% dos inquiridos identificaram “a articulação entre OSC e IES” (RAF: 33). Contudo, estas diferentes características tornaram-se também um obstáculo. Em alguns casos, foi difícil integrar as diferenças e explorar as complementaridades levando ao “insucesso nas relações de colaboração” (RFSE: 13). Seja como for, as diferentes características das entidades envolvidas tornaram necessário, como já se referiu, um diálogo e clarificação constantes, nomeadamente no início dos processos, “quando estávamos ainda à procura de um entendimento” (TP-IES6). Foi mencionado ser muito importante perceber as motivações, individuais e institucionais, para a participação, pois isto “ajuda a moldar os papéis que cada um vai ter [na parceria]” (TP-HEI7). Os diferentes antecedentes ajudaram também a definir melhor as expectativas do trabalho colaborativo – uma OSC, propôs, por exemplo, para o trabalho colaborativo, um estudo de impacto de um dos seus projetos, o que foi questionado pelo seu parceiro IES, com mais experiência nesta área, devido aos constrangimentos de tempo e de recursos (TP-OSC3). Este exemplo também evidencia que a colaboração deve ter lugar em todas as fases do processo – não apenas para prevenir desilusões, mas também porque esses são os “processos conduzidos de modo coerente com os valores da ED, assentes na inclusão, participação e valorização de todos os envolvidos” (RAF: 49). Desta forma, nos momentos de avaliação do projeto foi importante refletir não só acerca do que cada par tinha feito, mas, mais ainda, como é que o tinha feito. Uma das parcerias sustenta ter procedido a “uma definição conjunta do tema e do estudo a ser desenvolvido; definição das responsabilidades no estudo; partilha e discussão da informação, análise de conteúdo de alguns documentos” (4M-OSC6 e IES6: 6), mas, ainda que este testemunho ilustre o envolvimento em diferentes fases do processo de investigação, não é possível determinar, unicamente pelos documentos e pela participação dos intervenientes no painel, quão tradicional ou crítica foi a abordagem usada nesta “definição de responsabilidades”. Um outro participante partilhou esta consideração: “seria importante ver de que modo, em todas estas parcerias, se reproduziu o papel pré-definido, de uma certa maneira, de cada ator. Temos sempre esta imagem da academia que avalia, que mede, que injeta métodos científicos, e as OSC que têm as mãos na massa. (…) [seria importante] ver como é que podíamos não nos cingir aos papéis paradigmáticos de cada uma destas instituições, mas ir buscar a sabedoria e a perícia no seio da OSC e práticas também no seio da Universidade” (TP-OSC2).
Alguns representantes sublinharam as vias encontradas para superar o risco de reproduzir o processo monocultural dominante de criação do conhecimento científico e para implementar um processo mais ecológico: a reinvenção da sua “linguagem de investigação própria”, que teria sido diferente caso estivessem a realizar isoladamente o estudo (TP-OSC1); a não determinação a priori de um resultado final específico para o estudo, o que “fez com que a relação não fosse marcada por uma dimensão de poder” (TP-OSC1); e a importância do processo ser colaborativo e partilhado, o que ajudou a motivar para o empenho no trabalho (TP-IES6). No processo de avaliação final do projeto, foi também enfatizado que não só os participantes deram mostras de atitudes que favoreceram uma abordagem diferente, mas o mesmo se verificou por parte da equipa de coordenação, que proporcionou “capacidade de adaptação do projeto aos ritmos e características dos participantes, a abertura à diversidade e a procura de envolvimento que caracterizaram as suas atividades” (RAF: 41). Como resultado, foi possível fortalecer “uma cultura de trabalho colaborativo entre instituições diferentes, superando desconfianças e resistências mútuas e aprendendo a conciliar tempos, linguagens, instrumentos, culturas e objetivos diversos” (RAF: 49).
Alguns participantes sugeriram que as parcerias de maior sucesso foram aquelas que tinham “uma espécie de camaleões”, “pessoas híbridas”, com experiência e ligações tanto às OSC como à área das IES (1SE: 9). Isto recordou-nos a necessidade do trabalho de mediação defendido por alguns autores (Oswald, 2016; Schucksmith, 2016; Apgar et al., 2016; Hart e Wolff, citados por Shucksmith, 2016) e referido na secção 1, bem como a figura de “investigator” sugerida por Roque Amaro (2003).
iii. Mobilização das aprendizagens para os impactos
Quanto ao pilar da mobilização das aprendizagens, foi verificada a preponderância concedida ao processo sobre os resultados: “destacar que o projeto foi muito além daquilo que eram os produtos, este estudo foi o mote para se fazerem muitas coisas, para se desenvolverem projetos, para desenvolver atividades conjuntas. (…) Há todo um circuito de aprendizagem que foi muito além do que inicialmente nos propusemos fazer e para nós isso foi extremamente positivo” (TP-IES6). Como foi realçado por uma das instituições, “o trabalho das duplas foi importante mas há aqui sinergias ao nível do conjunto das instituições envolvidas e a envolver posteriormente que podem ter outros efeitos daqui a algum tempo” (TP-OSC2).
Foi também apontado que a inexistência de fundos para a investigação, no âmbito do projeto, permitiu uma diferente visão das prioridades e ajudou a dar relevância a atividades que eram habitualmente deixadas para trás – “a sua lógica do trabalho colaborativo entre instituições e setores, transversal a todo o projeto, foi entendida como promotora de aprendizagens significativas em pessoas e organizações” (RAF: 32). “Um dos grandes impactos do projeto Sinergias foi a preservação de um elevado nível de prioridade em ambas as instituições para uma linha de intervenção que não tinha financiamento. (…) É engraçado pensar que através de um projeto clássico se conseguiu impulsionar onze iniciativas dentro de uma vintena de organizações sem fundos específicos para estas atividades no orçamento do projeto. Isto permitiu uma emancipação das habituais lógicas de financiamento e de projetos” (TP-OSC2). É possível reconhecer neste testemunho diferentes visões acerca do que seja o impacto e da necessidade de novas abordagens de avaliação. Este foco no processo e a busca de novos modelos de avaliação foram também referidos no processo final de avaliação (RAF: 38). O próprio avaliador final declarou que, de acordo com o carácter inovador do projeto, sentiu a necessidade de desenvolver um modelo de avaliação coerente com os seus principais princípios – o foco no processo e a relação entre reflexão (investigação), aprendizagem e transformação social (ação). Por isso, a avaliação externa, “como em qualquer processo educativo emancipatório, não partiu exclusivamente de um ‘perito externo’, mas sim da promoção do envolvimento, implicação e cooperação de todos os atores do projeto” (RAF: 12).
Foi mencionado o impacto pessoal, bem como as relações pessoais – “a nossa colaboração [entre os dois parceiros] teve início há alguns anos, mas de forma pontual, e foi reforçada nos últimos dois anos com este processo de construção colaborativa”; (…) “um dos impactos é termos aprendido a conhecermo-nos melhor por meio deste processo mais abrangente” (TP-OSC2). 93% dos inquiridos afirmaram ter desenvolvido novas competências (concetuais, metodológicas, relacionais e interinstitucionais) (RAF: 33). Foram também feitas muitas referências ao impacto institucional, umas vezes questionando-o, outras afirmando-o: “Não sei se criou mudança, mas tentamos colocar sementes na academia, nas várias esferas da academia, que possam de alguma forma promover essa abertura e potenciar algum tipo de mudança” (TP-IES6); “observámos elementos factuais de transformação na intervenção que fizemos com as pessoas, vimos um posicionamento claro institucional (TP-OSC2)”. 73% dos inquiridos reconheceram o desenvolvimento de novas aprendizagens por parte das suas entidades (RAF: 33). Com resultados mais profundos ou mais superficiais, estes dados sugerem que a participação no projeto “se traduziu em mudanças significativas nas entidades que a ele se associaram” (RAF: 43) e foi sublinhado, sobretudo por parte das IES, que, apesar da dificuldade de promover transformações em tais instituições, este é um tema que merece mais atenção e reflexão – “a transformação numa IES é uma das dimensões que queremos discutir com os principais interessados” (TP-OSC2).
Na análise de conteúdo que realizámos, não há referências à influência nas políticas por parte do projeto Sinergias ED; contudo, a melhoria das práticas, uma das dimensões do enquadramento analisadas, foi apontada pelos participantes, sobretudo pelas OSC. Um dos estudos desenvolvidos – a reanálise do esboço de um projeto à luz da ED – levou a esta importante reflexão: “a candidatura que apresentámos (…) foi completamente diferente devido à participação neste projeto. A possibilidade, mesmo que não financiada de, com parceiros, e com novos parceiros, repensar o objeto fez com que se mudasse a intervenção e se acentuasse uma série de dinâmicas e, a meu ver, elaborámos um projeto melhor depois disto” (TP-OSC1). 71% das entidades que responderam à avaliação final afirmaram que estes estudos tiveram uma transposição concreta para os seus contextos institucionais: 53% afirmaram ter promovido novos projetos; 33% participaram em novas atividades; 27% estabeleceram novas parcerias em projetos; 27% promoveram eventos de sensibilização pública; 27% promoveram cursos académicos; 20% desenvolveram nova investigação e 30% disseminaram conteúdos, materiais ou iniciativas (RAF: 43).
iv. Criação de parcerias duradouras
Este pilar revelou-se muito significativo para os participantes. Encontraram-se diversas alusões à importância de edificar parcerias, a nível pessoal e institucional, tanto por parte das OSC como das IES (4M; RAF; RFSE). A “qualidade da relação” foi também mencionada diversas vezes e como prioridade (2SE: 8). “Neste trabalho, é necessária uma confiança mútua (…) que remete para um diálogo constante. Nós percebemos que o contacto presencial que o projeto promovia é extremamente importante – às vezes não bastam as chamadas Skype ou os emails” (TP-IES6); “o facto de existirem relações pessoais prévias foi muito importante” (TP-IES5 e OSC4). 40% dos inquiridos mencionaram “relações interpessoais estabelecidas entre os/as participantes” como um fator de sucesso (RAF: 33), com base em “relações interpessoais abertas, afetivas e solidárias e na construção de redes e ‘comunidades’ de interesses e recursos partilhados” (RAF: 49).
Durante o processo de Sistematização de Experiências, foi muito debatida a questão da relação entre as dimensões pessoal e institucional. O que é mais importante para que se edifique uma parceria eficaz, um compromisso pessoal ou institucional? Embora se reconheça que ambas as dimensões são necessárias – “é preciso reconhecer a dimensão pessoal nos processos colaborativos e a dimensão institucional no apoio aos processos colaborativos” – e que o essencial é um bom equilíbrio entre ambos, constatou-se que “para que o trabalho aconteça, o que é mesmo essencial é a apropriação pessoal”. No entanto, esta situação provoca debilidades uma vez que “os processos colaborativos com uma fraca apropriação institucional são sempre muito frágeis, no sentido em que dependem apenas da pessoa ou pessoas que os asseguram” (RFSE: 13).
Verifica-se que a localização é importante para o reforço da relação – constituindo um obstáculo quando as instituições estão muito distantes (TP-OSC1), ou um elemento promotor, se estão próximas (TP-OSC4).
O propósito e riqueza das parcerias é o possibilitarem a partilha de diferentes perspetivas, como referido por uma das OSC: “Vimos de horizontes que estão extremamente codificados, tanto a academia como o setor associativo têm as suas retóricas, as suas terminologias, siglas e conceitos (…). Quando partilhamos conceitos, muitas vezes não associamos o mesmo conteúdo às mesmas palavras, o que impôs uma necessidade constante de esclarecimentos, aprofundamento e melhor escuta para podermos avançar (TP-CSO2)”. Aprofunda-se assim a relação, resultando também numa aprendizagem e benefícios mútuos – “ampliar o seu âmbito de inserção e de influência para além dos contextos conhecidos e confortáveis, reforçando laços com atores de outras tipologias, geografias ou culturas, assim enriquecendo os referenciais de pensamento e de ação do projeto” (RAF: 50). Foi sublinhada a importância da transparência do processo, desde o início, para ajustar expectativas e definir melhor a relação. Este ajuste tem de basear-se na junção de diferentes perspetivas, antecedentes e conceitos num ambiente em que a clarificação e a escuta ativa são fortemente promovidas (TP-OSC2).
Para lá da informação que possibilita analisar os pilares, foi possível encontrar outro tipo de informação considerada válida per se: fatores que promoveram ou dificultaram os processos colaborativos com impacto fora do projeto, como, por exemplo, o reconhecimento de que “embora não tenha sido o propósito inicial do projeto, esta participação (…) ganhou os contornos de uma “rede” ou “comunidade” de atores de ED” (RAF: 41). Dar-se-á mais atenção a esta informação numa outra fase do nosso estudo.
5. Conclusões
O objetivo do nosso estudo é participar e contribuir para o debate mais alargado acerca do monopólio do conhecimento pela academia, aplicando a abordagem Engaged Excellence in Research ao projeto Sinergias ED: Conhecer para melhor Agir – promoção da investigação sobre a ação na ED em Portugal, nomeadamente para refletir mais profundamente acerca dos processos colaborativos desencadeados pelo projeto.
Este estudo preliminar pretendeu apresentar o modelo de análise e verificar a sua aplicabilidade a diversos documentos produzidos no âmbito do projeto – a memória de um momento de reflexão proposto durante o 4º encontro do projeto, em outubro de 2015; o Relatório de Avaliação Final, elaborado por um especialista externo, apresentado em março de 2016; as memórias de 3 sessões do processo de Sistematização de Experiências, que decorreram entre setembro e novembro de 2016 e o seu Relatório Final – e à transcrição de um painel (registado em vídeo) dedicado ao trabalho colaborativo que teve lugar no Encontro Internacional Sinergias para a transformação social – diálogos sobre Desenvolvimento, em janeiro de 2016, com a presença de representantes de sete organizações participantes no projeto, antes de prosseguir para os próximos passos da investigação.
Verificou-se que era possível analisar os processos colaborativos desencadeados pelo projeto à luz da Engaged Excellence in Research. Utilizado as fontes recolhidas pela autora foi possível encontrar elementos para refletir acerca dos quatro pilares da teoria:
i. Quanto ao pilar da realização de investigação de elevada qualidade, foi visível: o reconhecimento da participação empenhada e o compromisso dos intervenientes no projeto, mas também o impacto real e a transformação que foram promovidos; a identificação da pluralidade e da diversidade como fatores primordiais do trabalho colaborativo, umas vezes enquanto riqueza e complementaridade, algumas outras como constrangimento; as referências feitas ao rigor e robustez dos trabalhos colaborativos, embora mais visíveis a partir da análise do avaliador externo do que das intervenções proferidas pelos intervenientes; o número significativo de alusões à relevância e à possibilidade de usar processos e resultados do trabalho colaborativo nos próprios contextos profissionais e pessoais.
ii. O pilar referente à construção colaborativa de conhecimento é aquele com menos referências nos documentos analisados. Contudo, foi possível verificar: a importância da diversa tipologia de atores para criar um espaço para a compreensão mútua e o trabalho colaborativo, enquanto oportunidade de interagir com diferentes parceiros; a necessidade de envolvimento numa real colaboração em todas as fases do processo, ainda que não tenha sido possível determinar, apenas pela análise de conteúdo, até que ponto a abordagem seguida nesta colaboração foi ‘tradicional’ ou ´crítica’; a consciência de superar o risco de se reproduzir o processo monocultural dominante de criação de conhecimento científico e de implementar um processo mais ecológico. Vale a pena mencionar o reconhecimento do papel dos “camaleões” ou “pessoas híbridas”, com experiência e ligações tanto à área das OSC como das IES, como facilitadoras dos processos e das relações.
iii. No que respeita ao pilar da mobilização das aprendizagens para os impactos, verifica-se: a importância dos impactos pessoais e institucionais, ainda que se reconheça que os últimos sejam mais difíceis de obter; a melhoria das práticas, com uma transposição concreta para os contextos institucionais; a relevância do processo sobre os resultados e a busca de novos modelos de avaliação, evidenciada pelas conclusões dos intervenientes mas também pelo processo de avaliação do próprio projeto. Não há referências, nos documentos analisados, à influência nas políticas por parte do projeto Sinergias ED.
iv. O pilar mais significativo no que respeita a referências dos intervenientes é a criação de parcerias duradouras, nomeadamente: diversas alusões à importância de edificar parcerias, a um nível pessoal e institucional, proferidas tanto por OSC como por IES, com base na confiança mútua e num diálogo constante; o reconhecimento da riqueza das parcerias para juntar diferentes perspetivas, mesmo que este processo não seja isento de dificuldades, que se ultrapassam quando se reconhecem as aprendizagens e benefícios mútuos.
Para além da informação que ajuda a analisar os pilares, foi possível encontrar outro tipo de informação considerada válida per se (fatores que promoveram ou criaram obstáculos aos processos colaborativos e resultados inesperados que emergiram no decurso destes processos), a que se dará mais atenção noutra fase do nosso estudo.
Uma vez que este estudo se tornou uma peça num processo de investigação mais aprofundado, apresentam-se os próximos passos:
- Realizar entrevistas semiestruturadas a intervenientes nas parcerias estabelecidas no âmbito do projeto Sinergias ED, em função da sua relevância particular para a investigação;
- Aprofundamento dos resultados, especialmente tendo em conta os seguintes tópicos de análise:
- relação entre o que é dito pelos intervenientes e o tipo de instituição (OSC ou IES);
- categorização dos onze processos colaborativos (onze parcerias) de forma a identificar conjuntos de casos com características similares;
- análise comparativa dos pilares – estão igualmente representados nas referências dos intervenientes? Há pilares mais representados do que outros? Quais? Por que razões?
- principais lições aprendidas quanto aos fatores que dificultaram ou promoveram os processos colaborativos.
- Contribuir para o próprio quadro de análise, questionando e enriquecendo o seu enquadramento com as aprendizagens desta experiência.
Pode concluir-se que o projeto Sinergias ED cumpriu as suas expectativas de questionamento do processo monocultural dominante de criação, validação e disseminação do conhecimento científico, tendo mostrado ser um projeto que abre espaços para “uma leitura eticamente comprometida e analiticamente crítica da realidade, bem como dos conceitos e discursos que (re)constroem, questionando modelos normativos e hierarquizados de produção e validação de conhecimento e promovendo a representatividade de diferentes perspetivas e experiências e os dissensos e consensos entre elas” (Relatório de Avaliação Final: 50).
* Texto publicado originalmente na Revista n.º 7 – Trabalho Colaborativo e Construção de Conhecimento, julho de 2018.
[1] O projeto Sinergias ED propõe-se favorecer o diálogo institucional e dinâmicas de cooperação entre Organizações da Sociedade Civil e Instituições de Ensino Superior, promover um processo de aprendizagem colaborativa, que potencie as sinergias e complementaridades em torno da investigação e ação na área da ED. A sua 1ª edição desenrolou-se de dezembro de 2013 a fevereiro de 2015 e foi promovida pela Fundação Gonçalo da Silveira (ONGD) e pelo Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, com o apoio do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, da Universidade do Porto e da Fundação Calouste Gulbenkian. Este artigo surge no âmbito do projeto e do doutoramento em Desenvolvimento Local e Cooperação Internacional que a autora está a frequentar na Universidade Politécnica de Valencia.
[2] Investigadora, coordenadora e técnica de projetos de Educação para o Desenvolvimento e para a Cidadania Global no Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto e no Gabinete de Estudos para a Educação e Desenvolvimento da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo.
[3] Conceito criado pelo autor pela primeira vez em 1995 (Meneses, 2008) e desenvolvido desde então.
[4] Boundary work, no original.
[5] Knowledge brokers, no original.
[6] Bridging organisations, no original.
[7] Combinação de investigador e ator.
[8] High-quality research delivery, knowledge co-construction, impact-oriented evidence mobilisation e building enduring partnerships, no original.
[9] A memória de um momento de reflexão proposto durante o 4º encontro do projeto, em outubro de 2015; o Relatório de Avaliação Final, elaborado por um especialista externo, apresentado em março de 2016; as memórias de 3 sessões do processo de Sistematização de Experiências, que decorreram entre setembro e novembro de 2016 e o seu Relatório Final.
[10] Para mais informação acerca do projeto, consultar www.sinergiased.org.
[11] Documento referido a partir daqui como 4M.
[12] A transcrição deste painel é referida a partir daqui como TP.
[13] Documento referido a partir daqui como RAF. O Relatório de Avaliação Final pode ser consultado através da seguinte ligação http://www.sinergiased.org/images/biblioteca/Rel.avaliacao.externa.pdf
[14] Documentos referidos a partir daqui como 1SE, 2SE, 3SE e RFSE. O Relatório Final pode ser consultado através da seguinte ligação http://www.sinergiased.org/images/biblioteca/se.relatorio.final.pdf
[15] Por razões éticas, não fazemos uso dos nomes das instituições. Estas foram codificadas com um acrónimo, por tipo de instituição (OSC e IES) e um número. Às entidades que formaram uma parceria foi-lhes atribuído o mesmo número, ex. OSC1 e IES1.
[16] Ver página 16.
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