Albertina Raposo1 & Mônica Mesquita2
Resumo: Este trabalho é uma reflexão sobre as formas de participação pública ativas enquanto ferramenta de transformação social. Baseado em dois casos que decorreram em Portugal, do ponto de vista da mudança ocorrida ao nível das pessoas, das comunidades, das instituições e dos resultados no terreno, perguntamo-nos até que ponto são estes processos colaborativos, processos pedagógicos com tempos e espaços redefinidos.
Palavras-chave: Educação Comunitária; Construção colaborativa de conhecimento; Empowerment.
Abstract: This work is a reflection on the forms of active public participation as a tool of social transformation. Based on two case studys that have taken place in Portugal, from the point of view of the change in people, communities, institutions and results on the ground, we ask ourselves the extent to which these collaborative processes are, pedagogical processes reinvented times and spaces.
Keywords: Community Education; Collaborative knowledge construction; Empowerment.
Resumen: Este trabajo es una reflexión sobre las formas de participación pública activas como herramienta de transformación social. Con base en dos casos que han tenido lugar en Portugal, desde el punto de vista del cambio que se produce a nivel de los individuos, las comunidades, las instituciones y los resultados sobre el terreno, nos preguntamos hasta qué punto son estos procesos de colaboración, procesos pedagógicos con el tiempo y espacios redefinidos..
Palabras-clave: Educación Comunitaria; Construcción colaborativa de conocimiento; Empoderamiento.
Resumé: Ce travail est une réflexion sur les formes actives de participation publique en tant qu’outil de transformation sociale. Sur la base de deux cas de réussite qui ont eu lieu au Portugal, il questionne en tant que processus pédagogiques ces processus collaboratifs auxquelles participent des individus, des collectivités et des institutions, à partir des résultats obtenus sur le terrain.
Mots-clés: Éducation Communautaire; Construction de connaissances collaboratives; Empowerment.
1. Introdução e objetivos
A construção colaborativa de conhecimento pode ser vista numa perspetiva de comunicação deliberativa. Uma vez que ninguém por si só possui toda a informação, a deliberação parece ser um veículo capaz de proporcionar o contexto para a criação do conhecimento necessário para que todos os envolvidos possam ser encorajados a discutir no plano conceptual minimizando o plano do conflito. Não é por acaso que os processos colaborativos, nomeadamente na área da participação pública ativa, são muitas vezes vistos como capazes de resolver problemas complexos, onde o conhecimento especializado por si só se revela limitado. Sabe-se ainda que este tipo de processos é gerador de empowerment ou seja, aumenta a capacidade dos indivíduos participantes de melhorar as suas próprias vidas e de serem capazes de contribuir para a mudança social.
Vasconcelos (2011) define Empowerment como o aumento da força política, social e/ou económica de indivíduos e comunidades. Muitas vezes envolve o desenvolvimento da confiança que os indivíduos/comunidades têm, relativo às suas próprias capacidades. Um dos pioneiros do conceito (Sadan, 1997) refere empowerment como um processo interativo que ocorre entre o indivíduo e o seu meio e durante o qual o sentido do ‘eu inútil’ muda para um ‘eu cidadão’, assertivo com capacidade sociopolítica, processo este que resulta na geração de competências baseadas em reflexões e capacidade para agir. Para Sadan (1997), o grupo emerge como o ambiente perfeito para a tomada de consciência, para a ajuda mútua, para o desenvolvimento de competências sociais, para exercitar a resolução de problemas e para experienciar a influência interpessoal. Empowerment surge como a expansão da fronteira do eu para as possibilidades do nós. Importa aqui referir que o recurso a metodologias participativas e dinâmicas de grupo, geradoras de interação entre participantes, favorecem o aparecimento de laços preliminares; as metodologias que envolvem interações sucessivas dos mesmos indivíduos resultam na formação de laços cada vez mais fortes, em normas de reciprocidade gradualmente consensualizadas, em novos fatores de dinâmica de grupos dando assim origem àquilo a que Wenger (1998) define como uma comunidade de prática.
As manifestações de sinergia resultantes das ações colaborativas e o facto de se saber que as comunidades moldam os seus comportamentos através de um sistema de troca e influência em que as próprias comunidades podem atuar como agentes de mudança para alcançar resultados sociais e comportamentais (Butterfoss, 2006) mostram que as ações locais podem ser uma oportunidade, sobretudo para a transformação social.
Nielsen (2009) defende que a responsabilidade pelos impactos das ações de cada um e das suas escolhas pode ser o pivô da aprendizagem; nesta perspetiva, a recusa do cidadão de tomar conta dos impactos das suas ações (incluindo o seu modo de vida) é a mais forte resistência para a aprendizagem entendida como resultado do trabalho através das experiências. Assim, colocar a sustentabilidade e a democracia como o horizonte para aprendizagem ao longo da vida, implica que os processos de aprendizagem – limitados, específicos, locais e contextuais como sempre são – sejam reconhecidos como parte de uma ampla unidade social e, portanto, uma nova agenda societal focada na sustentabilidade e democratização, é uma agenda de aprendizagem permanente que permite uma mudança da sociedade. Porém, esta mudança não deve ser vista apenas como um processo pedagógico em si, uma vez que as pessoas mudam enquanto tentam renovar a sociedade, mas fazem-no porque se juntam para o fazer e não porque se juntam num processo de aprendizagem. As pessoas mudam enquanto aprendem. E, defende Nielsen (2009), o que deve acontecer perante a renovação é que as pessoas devem desenvolver a imaginação social. A aprendizagem é inerente ao desenvolvimento da imaginação social, mas a imaginação social, como processo criativo, é mais do que a aprendizagem. A imaginação social, diz Nielsen (2009) “está relacionada com a formação de ideias, sketches, visões de ‘como viver’; é crítica, mas ao mesmo tempo utópica, é o meio básico para uma imaginação estética”.
O presente trabalho visa enfatizar o resultado do desenvolvimento de processos colaborativos em Portugal enquanto processos geradores de empowerment e conducentes a uma verdadeira transformação social, sendo eles: 1) Fronteiras Urbanas (FU): desenvolvido na Costa de Caparica, possibilitou a (auto)capacitação e emancipação de membros de duas comunidades, de forma ativa e participativa, exercitando a filosofia das próprias práticas locais e 2) MARGov: desenvolvido na área do Parque Marinho Luiz Saldanha (PMLS), o MARGov possibilitou que todos os parceiros envolvidos se tornassem agentes de mudança naquela área protegida.
2. Apresentação dos casos
2.1 Fronteiras Urbanas
O projeto Fronteiras Urbanas (FU) assentou em encontros transculturais nos quais um conjunto de doze etnógrafos críticos interdisciplinares, desenvolveu um projeto de educação comunitária com duas comunidades situadas na Costa de Caparica: comunidade Piscatória e comunidade Bairro. Fomentado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e apoiado pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, o FU surgiu em 2012 como um álibi para um grupo de pessoas, as quais trabalhavam diariamente no terreno desde 2009, ficarem juntas de uma forma “legal”. Este grupo era constituído por académicos, artistas, pescadores e moradores de um assentamento semi-ilegal reunidos na luta contra a política local de opressão e descaso com as situações limites socioambientais (Mesquita, 2014).
A busca por uma sistematização no processo de permanecerem juntos foi importante uma vez que, durante os três anos que precederam o projeto, os membros do FU encontraram uma série de obstáculos legais tornando-se muito difícil estabelecer uma colaboração aberta e emancipatória. O encontro dos membros do FU não era bem recebido pelas autoridades locais servindo como exemplo tanto a destruição, por parte do governo local, de um centro cultural construído pelo movimento que antecedeu o FU em 2010, bem como os ataques constantes que os membros deste grupo sofreram pela polícia local.
A Costa de Caparica é uma cidade costeira, situada na margem sul do rio Tejo, de frente para a capital Lisboa, e geograficamente limitada pelo oceano e a face da Arriba Fóssil. É uma cidade dormitório para as pessoas que trabalham na capital e uma importante estância balnear, não só para os turistas de todo o mundo, mas também para a elite de Lisboa que mantém propriedades de luxo de veraneio e mantém, também, o seu direito de voto no local. Porém, esta cidade é igualmente uma vila de pescadores, a qual foi fundada por duas comunidades piscatórias distintas de Ílhavo e Olhão – localizadas no norte e no sul de Portugal, respectivamente. A comunidade Piscatória está situada na zona costeira desta cidade, conhecida como Costa. Em contraste, a zona rural – localizada na base da arriba fóssil – conhecida como Terras da Costa. Esta zona rural foi desenvolvida pela comunidade agrícola, sendo atualmente ocupada, em sua grande maioria, por populações de imigrantes de outros países, comunidades ciganas e migrantes portugueses – que formam a comunidade do Bairro (Terras da Costa).
Tanto a comunidade Piscatória quanto a comunidade Bairro foram silenciadas por uma minoria da população, a qual forma uma maioria política local. O encontro dessas comunidades com outro grupo – comunidade Académica – avivou a proximidade entre estas comunidades locais. Esta aliança fortificou ambas as comunidades, alinhou-as para um conjunto de objetivos comuns e foi construída em um processo participativo assente em inúmeras encontros abertos. Pensamentos como a criação de uma associação, uma cooperativa, ou mesmo uma organização não-governamental foram lançados, estudados e discutidos coletiva e minuciosamente por todos. No entanto, uma vez que muitos dos membros das duas comunidades locais eram considerados não elegíveis, nos termos legais, para a criação de qualquer proposta, tais como as previamente mencionadas (ou por serem analfabetos ou por estarem ilegais no país), seria difícil para eles serem aceites como parte de uma organização mais ampla. Assim, uma das opções possíveis foi desenvolver coletivamente um projeto académico etnográfico crítico (Thomas, 1993), no qual todos os envolvidos participariam desde o processo de construção e dos diálogos teóricos, até à recolha e análise dos dados e à disseminação.
No desenho da investigação foi discutido, profundamente, o papel ativo dos membros do FU como parte da diversidade cultural que eles representavam e da hegemonia urbana em que estavam geograficamente incluídos. A valorização do conhecimento local era o foco central deste grupo, o qual desenvolveu a sua proposta fundamentada nos processo educativo de ambas as comunidades locais. Este processo foi centrado na organização e gestão local de situações interativas e diferenciadas de aprendizagem.
Criou-se, assim, o que se identifica no FU como Educação Comunitária – uma educação que se desenvolve na e para a sobrevivência de uma comunidade, nos encontros inter e intra culturais da mesma. As bases fundamentais para esta perspetiva educacional assentam na Educação Popular, desenvolvida pelo educador brasileiro Paulo Freire, na qual o processo de libertação dá-se por meio do conhecimento local ao conhecimento reconhecido pela sociedade maior – o conhecimento formal. Na Educação Comunitária busca-se a libertação por meio do reconhecimento do conhecimento local, começando das próprias bases – nas comunidades – este reconhecimento. A questão da compreensão de que os conhecimentos desenvolvidos nas comunidades, por meio das interações intra e inter comunitárias, são de forte e crucial relevância foi um exercício constante neste projeto.
O conhecimento de cada membro da comunidade é muito importante para a sustentabilidade da mesma. Fazer com que cada membro reconheça no seu conhecimento uma ferramenta de emancipação para as resoluções, as escolhas e as problemáticas que enfrentam em seu dia-a-dia e, principalmente, compreendam que estas problemáticas advêm da sociedade como um todo, na qual a hierarquia económica prevalece, é o foco do educador comunitário. A mais valia de se começar a prestar atenção na educação comunitária das pequenas comunidades foi de cunho político emancipatório e revelou-se a emergência e se estar (1) com o outro, (2) com a natureza, e (3) repensar a alegada supremacia da espécie humana face às outras formas de vida. Os membros das comunidades quando convidados a observarem colectivamente os processos educacionais inter e intra-relacionais existentes em sua comunidade, discutirem estes processos e buscarem uma análise relacional com a sociedade ao seu redor tornaram-se críticos, (auto)capacitaram-se e encontraram um sentimento de pertença, deixando de lado um estranhamento social frequente aos membros das duas comunidades, sem falar numa consciência cívica coletiva. Segundo Barata (2014),
a aceitação das ações de educação comunitária e pessoal e do incitamento à criação de uma consciência cívica e reivindicativa são o exemplo perfeito da capacidade de uma coletividade agir a partir do seu interior, ainda que apoiada num conjunto de vontades e valências exteriores e empenhadas. (Barata, 2014, p.174).
O exercício de ser e estar nas fronteiras fez emergir relações não somente no âmbito dos objetivos e metas do FU, mas na aproximação (tanto do investigador como dos membros da comunidade) das tensões de sobrevivência e de transcendência dessas comunidades.
2.2 MARGov – Governância Colaborativa de Áreas Marinhas Protegidas
O projeto MARGov foi desenvolvido na área do Parque Marinho Luiz Saldanha (PMLS) e assentou em sessões de participação pública ativa entre vários atores no terreno.
O Parque Marinho Professor Luiz Saldanha (PMPLS) foi criado dentro de uma área protegida previamente existente – o Parque Natural da Arrábida (PNA). Esta Área Marinha Protegida (AMP), a primeira a ser criada em Portugal em 1998, está dentro da Rede Natura 2000. O PMPLS foi criado (Decreto Regulamentar nº 23/98 de 14 de outubro) por um processo top-down e os pescadores aceitaram mal as restrições que, de repente, lhes foram impostas bem como o facto de não terem sido ouvidos e envolvidos no processo de tomada de decisão. A 23 de agosto de 2005 foi publicado o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (POPNA) e as suas implicações sempre foram contestadas pela população, mas também pelas autarquias, associações e entidades representativas dos pescadores (Raposo, 2014).
É neste contexto de fragilidade e ameaça da sobrevivência económica da comunidade piscatória e desânimo geral perante as apertadas restrições impostas pelo POPNA, que o MARGov surge no terreno, com a ideia-chave de promover a co-gestão sustentável da área marinha protegida. Para isso, são utilizadas metodologias participativas como instrumento capaz de gerar capacidade de diálogo de modo estruturado, organizado e produtivo.
Assentando em três pilares principais que operaram em simultâneo e articulando-se entre si para potenciar cada um (Governância, Cidadania e Suporte Dinâmico-Espacial) o MARGov trabalhou com base nos sete princípios para a conceção de comunidades de prática de Lave e Wenger (1991) e através de uma metodologia delineada com base nas questões que foram sendo levantadas pelos diferentes atores-chave ao longo das diversas atividades participativas Vasconcelos et al. (2012).
Depois de feitos os contactos com instituições relevantes para o processo participativo, realizaram-se entrevistas aos pescadores, identificaram-se os stakeholders e os conflitos existentes, entrevistaram-se os stakeholders e definiu-se a agenda de trabalho. As entrevistas constituíram a base para a estruturação pois permitiram identificar as questões que preocupavam os stakeholders, i.e., “alimentar a agenda coletiva” (Vasconcelos et al., 2012).
Concluída esta fase de preparação, deu-se início ao processo participativo propriamente dito que incluiu modelos diversificados, dependendo do objetivo e produtos desejados, nomeadamente fóruns alargados, reuniões/ workshops com pescadores, paineis temáticos e seminários (Vasconcelos et al. ,2012).
A descrição do trabalho desenvolvido nos fóruns, é apresentada em Vasconcelos et al. (2012) como se segue:
“Cada Fórum Alargado funcionou como um espaço aberto de diálogo, normalmente começando com uma breve apresentação de um especialista em resposta a algumas das questões prioritárias previamente levantadas pelas partes interessadas (por exemplo, sobre poluição e vigilância), seguindo-se um debate em torno do tema específico do fórum profissionalmente facilitado por um dos membros da equipa. Frequentemente este debate foi substituído por trabalho estruturado em equipa, sendo os participantes divididos aleatoriamente em subgrupos, ou especificamente divididos por parte interessada ou tipo de stakeholder, de acordo com os objetivos específicos da sessão. No final, um representante de cada grupo apresentava os principais resultados dessa sessão de trabalho. A metodologia para cada sessão era cuidadosamente desenvolvida e estruturada pela equipa da governância de forma a assegurar a obtenção de resultados adequadas a cada fase de trabalho.”
3. Análise dos casos
No projeto Fronteiras Urbanas, a partir de 3 propostas científicas: Alfabetização Crítica, Cartografia Múltipla e Histórias de Vida, foi possível, pela participação na política local dos membros das 3 comunidades envolvidas: Académica, Piscatória e Bairro, reclamar, para além de uma educação emancipatória, o direito à água: a presença da água no assentamento “ilegal” e a utilização da costa à pesca artesanal. A comunidade Bairro, assentada há mais de 40 anos nas Terras da Costa, necessitava de buscar água a 1 km para sua sobrevivência. A comunidade Piscatória sofria com os limites temporais e espaciais impingidos por leis ambientais que restringia a arte de pesca local para fora da frente urbana da Costa de Caparica – local onde, com o Programa Polis – CostaPolis, os alvéolos e a lota da pesca local foram construídos. O FU exercitou, cientificamente, a perspetiva filosófica transdisciplinar e transcultural de Ubiratan D’Ambrosio (2006), na qual conhecimento e educação devem satisfazer o seu objetivo essencial de lidar com o problema universal que a humanidade enfrenta hoje de como sobreviver (enquanto uma espécie, uma cultura, e um planeta) com dignidade.
Quanto ao projeto MARGov, o seu objetivo central – de estruturar um Modelo de Governância Colaborativa que pudesse contribuir para a gestão sustentável dos oceanos- foi atingido; as áreas trabalhadas ao longo dos fóruns participativos e a condição de partilha e intercâmbio de responsabilidades entre cidadãos, técnicos, gestores e cientistas terão tornado possível que, no último fórum realizado se convergisse para uma proposta de modelo de governância numa solução de convergência para as partes.
São também visíveis outros resultados processuais nomeadamente a) a construção de credibilidade entre atores-chave, b) autonomia e empowerment, c) capacitação institucional, d) apropriação do projeto pelos participantes e e) aceitação do valor da áera marinha protegida (Vasconcelos et al., 2012)
4. Considerações finais
Poderemos então considerar estes processos colaborativos, integradores de atores, de áreas científicas e de esferas de conhecimento, processos pedagógicos?
Tal como afirmado no relatório “Repensar a Educação, Rumo a um bem comum mundial?”, produzido pela UNESCO (2016), não podemos aspirar a que a educação isoladamente resolva todos os desafios que o desenvolvimento coloca à sociedade atual. Porém, uma abordagem humanista e holística da educação pode e deve contribuir para alcançar um novo modelo de desenvolvimento. Os princípios éticos e morais deste tipo de abordagem contribuem para a minimização da violência, da intolerância, da discriminação e da exclusão. Isto significa, relativamente à educação e à aprendizagem, integrar as múltiplas dimensões da existência humana e oferecer a todos a oportunidade de concretizar o seu potencial para construir um futuro sustentável e uma vida digna. O mesmo relatório enfatiza ainda que essa abordagem humanista obriga a redefinir os conteúdos das aprendizagens e as pedagogias utilizadas, o papel dos educadores e, em nossa opinião, a ponderar os Ágora que estes processos participativos proporcionam como espaços de excelência para que a aprendizagem ocorra.
Se é verdade que a transformação social e a crescente importância dos processos coletivos e globalizantes requer novas abordagens, até talvez das próprias ciências sociais, também é verdade, que em termos educacionais, os paradigmas atuais em que a escola assenta, apresentam muitas vezes restrições institucionais e conceptuais que dificultam a transformação necessária.
Streck (2009), que discute as possibilidades e os limites de uma pedagogia transformadora nos dias de hoje, chega a colocar em xeque o papel clássico da escola. Na opinião do autor “Dentre os desafios, que ao mesmo tempo se colocam como horizonte, são destacados: a) a necessidade de ouvir as muitas vozes de dissenso, entre elas aquelas silenciadas; b) o empenho por transformar os espaços educativos, novos e antigos, em ethos de humanização; c) assumir a pluralidade de tempos como uma oportunidade de alargar a visão e fazer espaço em nossos mundos de vida para a diversidade de experiências.”
Como afirma Streck (2009), o séc. XX foi fértil em utopias pedagógicas; talvez por isso, o autor constata que “as “centrais únicas” deram lugar a espaços diferenciados que se interconectam de modo mais ou menos permanente de acordo com necessidades, interesses e circunstâncias”. Streck (2009) dá como melhor exemplo disto o Fórum Social Mundial, “o qual não pretende ser um meta-organismo internacional, mas um espaço de encontro para pessoas, grupos e entidades com um mesmo objetivo (…)”.
Os resultados dos dois casos visitados no presente trabalho permitem-nos verificar que as componentes humana, social e mesmo institucional, devido às dinâmicas ocorridas, saíram fortalecidas. Os diferentes stakeholders, agentes das comunidades locais e das instituições, trabalharam em conjunto e foi possível capacitar para a mudança com vista a uma nova visão de gestão sustentável, no caso do parque marinho, e a uma real integração na sociedade das comunidades invisíveis ao contexto socioeconómico vigente. Em ambos os casos também ficou demonstrado que as formas menos hierarquizadas de funcionamento ajudaram a desconstruir conflitos previamente existentes.
Do que ficou exposto, pensamos que estes dois exemplos de processos participativos colaborativos contribuem para o somatório das inúmeras experiências que nos levam a repensar os diferentes tempos e lugares para ensinar e aprender e corroboram o papel da aprendizagem social (pela via da construção do conhecimento e do impacto socioeconómico da mesma), nos processos educativos/pedagógicos.
[1] Instituto Politécnico de Beja.
[2] MARE Nova – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente da Universidade Nova de Lisboa.
Referências Biliográficas
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- Site do projeto Fronteiras Urbanas – http://fronteirasurbanas.ie.ul.pt/